A reforma tributária chegou … na economia digital

Reprodução: Freepik.

Por Adriana Stamato

Quando falamos em economia digital, a primeira pergunta é  – sobre o que estamos exatamente falando? O termo é bem amplo e aberto. De uma forma geral, podemos dizer que inclui as empresas que operam com bens e serviços digitais, sejam eles softwares, streaming, aplicativos, games, redes sociais, pay-per-use, etc.. Não é um setor específico e bem delimitado, até porque inovação é a tônica indissociável da economia digital e a cada momento surgem novos negócios. É só pensar em como era nossa vida 5 anos atrás e como é hoje –  cursos e consultas online, uso de pagamentos por aproximação, automação residencial, assistentes virtuais, etc.. Imaginem então em 2033, quando tivermos o novo regime totalmente implementado.

É inegável que esse segmento da economia será fortemente impactado pela reforma tributária. Com a unificação dos principais tributos sobre o consumo, é esperado que haja uma simplificação da interpretação e aplicação das normas, promovendo justiça fiscal e eficiência econômica. Hoje em dia, como sabemos, ainda existem operações em relação às quais não há clareza sobre a tributação, gerando contenciosos que se arrastam por anos ou situações em que uma determinada classificação ou estrutura adotada por uma empresa permite ganhos competitivos calcados apenas em aspectos tributários e não negociais.

Entendemos que a unificação dos tributos – em especial ICMS e ISS – deve reduzir a ambiguidade. O pagamento do imposto no local do destino deve também promover maior neutralidade. Além disso, as regras de tributação das importações tendem também a tratar de forma igual o residente no exterior e os localizados aqui no Brasil.

Porém, não podemos nos furtar de colocar o dedo na ferida. Indo mais no detalhe, dada a diversidade de empresas que atuam na economia digital, os impactos serão diferentes entre elas. Além disso, há muitos pontos em aberto na LC 214 que foram delegados para posterior regulamentação e que ainda geram muita dúvida, algumas delas de natureza bem operacional.

Podemos por exemplo começar pela necessidade de inscrição do residente no exterior e a solidariedade em relação aos tributos que deverão ser pagos pelo adquirente. Isso é uma grade novidade e impacta inclusive operações intercompany (ou seja – não é apenas para empresas da economia digital mas qualquer importação de serivço intercompany de empresas de setores mais “tradicionais”). Não se sabe ainda como essas regras irão funcionar – a expectativa do mercado é que o Brasil siga o modelo adotado em outros países e não queira ‘reinventar a roda’, mas até o momento não temos nada definido.

As regras para plataformas também não estão muito claras, gerando uma certa ansiedade. Ademais, quando falamos em plataformas, devemos lembrar que existem vários modelos diferentes – algumas são de intermediação de entregas, serviços de transporte, turismo, locação, mercadorias, serviços financeiros, e por aí vai.

De acordo com a LC, a plataforma deve prestar informações sobre as operações e importações com bens ou com serviços realizadas por seu intermédio, inclusive identificando o fornecedor, ainda que não seja contribuinte. Se ela ficar encarregada por iniciar pagamento da operação ou importação, deve ainda apresentar as informações necessárias para que seja feita para a segregação e o recolhimento dos valores dos tributos devidos pelo fornecedor na liquidação financeira da operação. Caso não cumpra essas obrigações, pode responder pelo pagamento de eventuais diferenças entre os valores recolhidos e aqueles devidos.

Sem entrar no mérito se as regras de responsabilidade são legais ou não (discussão que comportaria uma análise bem mais profunda), fato é que, do ponto de vista prático, cuidar do ‘compliance’ terá um papel muito importante para as plataformas e ainda falta muita regulamentação para sanar as principais dúvidas. Qual o nível de detalhe das informações que terão que ser prestadas? Quando será disponibilizado o modelo de obrigações acessórias? Sem essas, informações, fica realmente difícil se preparar e sabemos que qualquer mudança ou adaptação tecnológica não é simples, leva tempo e custa dinheiro, mesmo em empresas de teconologia.

Outro ponto de atenção, ainda na seara mais operacional, são os regimes especiais que muitas empresas possuem para emissão de nota fiscal de forma englobada. Não há clareza como isso irá funcionar – i.e se os regimes serão mantidos ou não e, mais ainda, como compatibilizar com a aplicação do princípio de destino, já que durante o período de transição o ISS será recolhido com base no estabelecimento prestador e o IBS com base no destino.

Esses são alguns dentre inúmeros exemplos dos desafios que as empresas da economia digital irão enfrentar no futuro próximo e que merecem uma análise mais detalhada no caso a caso. Além dos impactos mais operacionais, entendemos que as questões mais macro também são complexas, principalmente nas operações que bens e serviços, mas por enquanto paramos por aqui – isso fica para um próximo artigo.


Adriana Stamato Sócia/Partner – Trench Rossi Watanabe.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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