
Com a entrada em vigor da Reforma Tributária do consumo no Brasil, marcada pela substituição do PIS, Cofins, ICMS e ISS pelo CBS e IBS, novas dúvidas surgem quanto ao tratamento fiscal de práticas comerciais consolidadas, como o cashback privado. Este artigo analisa, sob a ótica da legislação, a tributação aplicável às bonificações em dinheiro oferecidas por empresas a consumidores, parceiros comerciais ou vendedores, explorando os impactos fiscais para quem paga e para quem recebe, à luz do novo regime de tributação por fora do preço.
I. Introdução
A prática do cashback privado — devolução ao consumidor ou a terceiros (como vendedores ou distribuidores) de parte do valor de uma transação — se consolidou como estratégia comercial relevante nos setores de varejo, serviços financeiros e marketplaces. Embora já exista entendimento administrativo sobre sua tributação no regime atual, a entrada em vigor da CBS e do IBS, criados pela EC 132/2023 e regulamentados pela LC 214/2025, impõe nova reflexão sobre o seu enquadramento jurídico-tributário.
Diferentemente do cashback público, previsto no art. 112 e seguintes da LC 214/2025, que tem natureza de devolução estatal de tributos para famílias de baixa renda, o cashback privado permanece uma operação contratual entre particulares — com implicações fiscais próprias e potencial novo contorno no modelo de tributos sobre o consumo cobrados “por fora”.
II. Natureza Jurídica do Cashback Privado
O cashback privado pode assumir diferentes naturezas contratuais, a saber : (a) Desconto incondicional: se concedido antes do fechamento da operação e destacado na nota fiscal; (b) Desconto condicional ou bonificação: se vinculado a metas, fidelidade ou comportamento futuro do cliente, ou ainda (c) Bonificação em dinheiro (rebate): se há pagamento posterior em moeda, após a conclusão da venda.
Cada uma dessas formas pode ter consequências distintas quanto à base de cálculo do IBS e da CBS, à possibilidade de crédito pelo adquirente, e à dedutibilidade do valor pela empresa que concede o cashback.
III. Enquadramento Tributário na Reforma
(i) Implicações para a empresa que paga o cashback
Nos termos da LC 214/2025, a base de cálculo da CBS e do IBS é o valor efetivamente recebido pelo contribuinte (§ 1º do art. 12). Assim, descontos incondicionais podem ser excluídos da base, desde que constem da nota fiscal.
Bonificações concedidas a posteriori em dinheiro não reduzem a base de cálculo dos tributos já recolhidos. Tais valores passam a ser despesas operacionais, sem impacto no débito de IBS/CBS.
Em regra, o valor pago a título de cashback não gera direito a crédito para o destinatário, exceto se puder ser caracterizado como serviço efetivamente tomado (por exemplo, em campanhas de incentivo a vendedores terceirizados).
Do ponto de vista do IRPJ e CSLL, conforme Solução de Consulta COSIT nº 205/2019, tais pagamentos podem ser dedutíveis, desde que regularmente contabilizados e com motivação comercial comprovada.
(ii) Implicações para quem recebe o cashback
Para pessoa física, a RFB (Solução de Consulta COSIT nº 653/2017) considera o cashback como desconto e não rendimento tributável, quando vinculado ao consumo próprio. Esse raciocínio jurídico, deve permanecer válido após a reforma, já que o recebimento não configura acréscimo patrimonial tributável no IRPF.
Para pessoa jurídica, o valor recebido a título de cashback deve ser analisado conforme a natureza do vínculo, ou seja, (a) Se recebido como desconto comercial posterior, poderá ser tratado como receita redutora de despesa, sem incidência de IBS/CBS e (ii) se recebido como remuneração por serviços (por exemplo, em campanhas de incentivo), o valor poderá estar sujeito a tributação plena, inclusive de IBS/CBS, salvo se caracterizado como mera devolução contratual.
IV. Conclusão
A reforma tributária do consumo mantém os fundamentos para o tratamento do cashback privado como bonificação ou despesa operacional, mas impõe maior rigor na definição da natureza da operação e na documentação fiscal. A chave para segurança jurídica reside na transparência contratual, consistência contábil e alinhamento documental com os novos conceitos de base de cálculo e não cumulatividade do IBS e da CBS.
Empresas que operam com modelos de cashback, especialmente em setores como varejo, fintechs e marketplaces, devem revisar suas práticas à luz do novo regime e, se necessário, adaptar seus sistemas fiscais para mitigar riscos e garantir aproveitamento adequado das deduções permitidas.
Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.
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