
A reforma tributária brasileira, instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, representa uma mudança estrutural no sistema de tributação sobre o consumo no Brasil. Ao substituir os tributos PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI por um sistema dual de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a reforma redefine profundamente a dinâmica de apuração, recolhimento e repasse dos tributos no comércio eletrônico — afetando de forma distinta os modelos B2B (business-to-business) e B2C (business-to-consumer).
A seguir, apresentam-se os principais impactos da Reforma Tributária sobre os modelos B2B e B2C, com análise orientada à compreensão prática e estratégica por parte das empresas inseridas nesse segmento econômico.
Comércio eletrônico B2B: mais eficiência e competitividade
1. Aproveitamento Integral de Créditos Tributários
No modelo B2B, uma das maiores conquistas do novo sistema está na plena não cumulatividade dos tributos. Tanto o IBS quanto a CBS permitirão o crédito financeiro integral e imediato de todos os valores pagos nas etapas anteriores da cadeia de fornecimento, inclusive sobre bens de uso e consumo e serviços administrativos, o que corrige distorções históricas do sistema anterior.
Esse mecanismo neutraliza os resíduos tributário, promove maior eficiência econômica, favorecendo investimentos e reorganizações produtivas.
2. Revisão da Adoção ao Simples Nacional
Empresas optantes pelo Simples Nacional que vendem para outras pessoas jurídicas precisarão reavaliar sua permanência nesse regime. Embora o Simples ofereça benefícios em termos de conformidade e carga tributária inicial, ele limita o repasse de créditos para os compradores, tornando essas empresas menos atraentes para o mercado B2B, que passará a valorizar fornecedores com geração plena de crédito.
A migração para o regime normal, ainda que envolva maior complexidade, pode ser estrategicamente necessária para manter competitividade, especialmente em setores industriais e de tecnologia.
3. Adaptação dos Sistemas e Controles Internos
A nova sistemática exigirá mudanças profundas nos sistemas de gestão empresarial (ERP), especialmente para tratar corretamente os novos documentos fiscais eletrônicos (DF-e), layouts de escrituração digital, regimes de split payment, e a apuração paralela durante o período de transição (2026–2032).
Empresas com grande volume de transações precisarão preparar suas estruturas internas — TI, contabilidade, jurídico-tributário e financeiro — para garantir conformidade e fluidez operacional com os novos procedimentos.
Comércio eletrônico B2C: nova arquitetura de responsabilidades
1. Alterações no Fluxo de Caixa e Precificação
A introdução do mecanismo de split payment — pelo qual os tributos são desmembrados automaticamente no momento do pagamento — modifica substancialmente o fluxo de caixa das empresas B2C. Ao deixar de receber o valor bruto da venda e já repassar diretamente o IBS e a CBS à Fazenda Pública, o comerciante poderá ter menor liquidez imediata e precisará ajustar sua política de preços, margens e capital de giro.
2. Responsabilização das Plataformas Digitais
A Lei Complementar nº 214/2025 introduziu disposições específicas que atribuem às plataformas digitais, incluindo marketplaces, aplicativos de delivery e outros intermediários eletrônicos, a responsabilidade solidária pelo recolhimento do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) nas operações por elas intermediadas. Essa responsabilidade é particularmente aplicável quando a plataforma exerce controle sobre elementos essenciais da transação, tais como pagamento, definição de termos comerciais ou logística de entrega, conforme delineado no artigo 22 da referida lei.
No que tange às obrigações acessórias, as plataformas são incumbidas de fornecer — para se eximirem da responsabilidade—informações detalhadas sobre as operações intermediadas, incluindo dados do fornecedor, valores das transações e tributos incidentes, às autoridades fiscais competentes, como a Receita Federal e o Comitê Gestor do IBS.
Além disso, a legislação prevê que plataformas digitais domiciliadas no exterior devem se inscrever nos cadastros do IBS e da CBS no regime regular, com a possibilidade de designar representantes fiscais no Brasil, visando assegurar o cumprimento das obrigações tributárias decorrentes das operações realizadas no território nacional. 
3. Desoneração de Nanoempreendedores
A criação da figura do nanoempreendedor — pessoas físicas com receita bruta anual inferior a R$ 40,5 mil — busca proteger pequenos vendedores e autônomos que atuam em plataformas digitais. Essa faixa estará isenta do IBS e da CBS, o que representa um estímulo à formalização e à permanência desses agentes no ecossistema digital.
No entanto, é fundamental que plataformas consigam segmentar corretamente essas operações para aplicar o tratamento tributário adequado e evitar riscos de responsabilidade solidária.
Considerações finais: oportunidade de reorganização e eficiência
A Reforma Tributária representa, acima de tudo, uma oportunidade histórica para o Brasil modernizar seu ambiente de negócios. No comércio eletrônico, os impactos serão especialmente sentidos no nível de automação tributária, na racionalização dos créditos e na definição das obrigações de cada agente da cadeia.
Empresas B2B deverão se preparar para um ambiente mais competitivo, baseado na eficiência fiscal e na neutralidade tributária. Já as operações B2C — notadamente as realizadas via plataformas digitais — enfrentarão um novo marco regulatório, com maior responsabilização, exigência de compliance e necessidade de ajustes operacionais e contratuais.
Mais do que uma reforma de alíquotas, trata-se de uma mudança de paradigma: da guerra fiscal e da cumulatividade para um modelo que privilegia a simplicidade, a transparência, a competitividade e a segurança jurídica.
É imprescindível que empresas iniciem desde já um plano de transição, com o apoio de profissionais especializados, para revisar processos, reavaliar estruturas contratuais e antecipar ajustes em sistemas. O sucesso nessa adaptação será um diferencial competitivo decisivo para os próximos anos.
Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.
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