
Por Maristela Ferreira de Souza Miglioli e Caroline Martinez de Moura
A reforma tributária trouxe mudanças importantes para quem possui imóveis destinados a venda ou locação. Até então, o imposto de renda incidia apenas sobre o valor efetivamente recebido a título de aluguel, limitado à tabela progressiva (de 7,5% a 27,5%). Já as pessoas jurídicas podiam optar pelo lucro presumido, pagando entre 11% e 14% sobre essa mesma receita.
Além de reforçar essa exigência, o Regulamento do Imposto de Renda (artigo 41, parágrafo 1º) também prevê que, na cessão gratuita de uso de imóvel, haverá uma presunção de rendimento – a título de aluguel – equivalente a 10% do valor venal ou do valor constante da guia do IPTU.
A legislação vigente, portanto, já permite ao Fisco presumir um rendimento tributável em casos de cessão gratuita de imóveis.
Essa presunção ganha contornos mais relevantes com a proximidade da implementação prática do IVA Dual previsto na reforma tributária (CBS e IBS), que representará um expressivo aumento na carga fiscal sobre os alugueis, como já se sabe.
Nesse cenário, estamos vivenciando um autêntico “boom” no movimento de transferência de imóveis, de pessoas físicas para pessoas jurídicas (“holdings” patrimoniais, em geral), nas quais os alugueis serão taxados em patamares expressivamente inferiores, quando comparado à tributação dessas mesmas receitas na pessoa física. Mas isso não afasta o risco da presunção.
Pelo contrário!
A presunção (que chamamos aqui de “aluguel presumido”) prevista no Regulamento do Imposto de Renda não foi alterada pela reforma, mas sim reforçada pela Lei Complementar nº 214/2025, para fins de incidência da CBS e do IBS, especialmente nos seguintes dispositivos:
“Art. 4º (…)
§ 1º As operações não onerosas com bens ou com serviços serão tributadas nas hipóteses expressamente previstas nesta Lei Complementar.
(…)
Art. 5ºO IBS e a CBS também incidem sobre as seguintes operações:
I – fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços, nas hipóteses previstas nesta Lei Complementar;
(…)
IV – demais fornecimentos não onerosos ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços por contribuinte a parte relacionada.”
À luz dessas normas, se o imóvel transferido à pessoa jurídica, sob o foco da economia tributária, vier a ser cedido para utilização por terceiros (que podem ser pessoas físicas ou outras jurídicas) a título gratuito ou por valor inferior ao de mercado, a receita será presumida e sofrerá a incidêndia da CBS e IBS.
A ideia dessa presunção é simples: em que pese não haver ingresso de riqueza (receita ou renda) para o proprietário do imóvel (pessoa física ou jurídica), porque não há um aluguel contratualmente estipulado, a interpretação fiscal tende a enquadrar a hipótese (de cessão gratuita de uso de imóvel) como “aluguel presumido”, sujeito ao IR na modalidade cabível, além da CBS e do IBS (se a pessoa física for contribuinte desses tributos, o que exige o atendimento a outros requisites).
Se este for o caso (imóveis que, hoje, são utilizados gratuitamente por terceiros, sem uma contraprestação ao proprietário), a troca de titularidade poderá “chamar a atenção” da Receita Federal. Esse risco precisa ser ponderado juntamente com os demais custos de tal transferência (ITBI ou ITCMD, conforme o caso, emolumentos cartorários, eventual “ganho de capital” na saída do imóvel do patrimônio do atual titular e etc….), ao qual se soma, ainda, a própria tributação das pessoas jurídicas como entidades autônomas, quando locadoras ou cedentes, a título gratuito, desses imóveis.
Abaixo, um brevíssimo resumo da carga tributária geral, antes e depois da reforma:
· Para as pessoas físicas que realizam locação onerosa, a alíquota do IR passará dos atuais 27,5% (máximo) para possíveis 35% (máximo), mantendo-se as deduções básicas restritas. Já na cessão gratuita de imóveis a terceiros, a presunção de rendimento (de aluguel) – embora questionável no STJ – pode atrair a incidência da CBS e do IBS (quando a pessoa física atender aos requisitos legais para se tornar contribuinte desses tributos);
· Para pessoas jurídicas que se tornarem locadoras de imóveis, a carga efetiva, que era de 11% a 14%, pode atingir até 19%, incluindo nessa base de cálculo uma potencial “receita presumida” sobre bens cedidos não onerosamente, ou por valores inferiores ao de mercado, para uso por terceiros.
Há, ainda, um aspecto adicional a ser ponderado quanto à cessão não onerosa (ou a preço vil) de bens, no panorama da CBS e do IBS: a possível vedação ao crédito dos custos/despesas relacionados ao bem.
Explica-se: essa vedação está prevista no artigo 57, parágrafo 5º, da Lei Complementar nº 214/2025 e se aplica aos bens considerados “de uso e consumo” pelo contribuinte, dentre os quais estão “os bens e serviços adquiridos ou produzidos pelo contribuinte e fornecidos de forma não onerosa ou a valor inferior ao de mercado para: a) o próprio contribuinte, quando este for pessoa física; b) as pessoas físicas que sejam sócios, acionistas, administradores e membros de conselhos de administração e fiscal e comitês de assessoramento do conselho de administração do contribuinte previstos em lei; c) os empregados dos contribuintes de que tratam as alíneas “a” e “b” deste inciso; e d) os cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, das pessoas físicas referidas nas alíneas “a”, “b” e “c” deste inciso.” (Grifos nossos)
Ou seja, além do risco da cessão onerosa (ou a preço vil) vir a ser tributada pela CBS e pelo IBS, há ainda a possibilidade de não-creditamento das despesas relacionadas a tais bens, tendo em vista o impedimento da lei.
Em linhas gerais, há de se ponderar o ITBI (que pode ser afastado se a transferência ocorrer a título de integralização de capital), o ITCMD (que pode sofrer redução quando da abertura da sucessão), o IPTU (que se transfere ao novo proprietário) e, ainda, todos os emolumentos cartorários indispensáveis ao registro dos atos.
Ainda assim, no panorama introduzido pela reforma tributária, a utilização de pessoas jurídicas para a administração de imóveis permanece sendo a alternativa mais vantajosa, na maioria dos casos.
Nessa opção, é importante formalizar contratos de locação onerosos, para assegurar um rendimento locatício real (valores de mercado) e, com isso, afastar: (i) a presunção prevista para o IR (10% sobre o valor venal); (ii) o risco de tributação pela CBS/IBS (7,95%, aproximadamente); e (iii) o risco de não creditamento dos custos/despesas relacionados ao bem.
Em síntese, a chave está em alinhar a gestão patrimonial à nova realidade tributária, reduzindo a exposição a contingências fiscais, sem perder de vista os princípios constitucionais que continuam a balizar a tributação sobre a renda.
Maristela Ferreira de Souza Miglioli, advogada do Ciari Moreira Advogados, atua nas áreas de Contencioso e Arbitragem, bem como em Tributário, tanto na esfera consultiva quanto contenciosa.É Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo e Bacharel em Direito pela mesma instituição.
Caroline Martinez de Moura, advogada do Ciari Moreira Advogados, atua nas áreas de Contencioso e Arbitragem, além de Tributário, com experiência tanto no âmbito consultivo quanto contencioso.
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