
Por Ricardo Janesch
A transição para o novo modelo de tributação sobre o consumo, estruturado pela Lei Complementar nº 214/2025, impõe às empresas brasileiras uma série de decisões de natureza estratégica. Entre os dispositivos que mais têm gerado debate entre tributaristas está o art. 378, que trata da possibilidade de aproveitamento dos créditos de PIS e COFINS após a extinção dessas contribuições, prevista para ocorrer a partir de 2027.
A redação legal impõe um requisito formal: para que os créditos de PIS e COFINS possam ser aproveitados no novo regime, devem estar “registrados” na escrituração fiscal digital do contribuinte até 31 de dezembro de 2026. A questão que surge é: “registrado até quando?”. O dispositivo não explicita se o registro até essa data é condição de validade ou apenas um marco de referência.
Diante disso, surgem duas interpretações possíveis:
- Interpretação literal: exige que o crédito esteja efetivamente escriturado até 31/12/2026, sob pena de perecimento do direito.
- Interpretação sistêmica: permite o registro posterior (extemporâneo), desde que o crédito tenha nascido até 2026 e respeite o prazo decadencial do art. 168 do CTN.
Embora ambas as leituras tenham fundamento técnico, entendo que adotar a interpretação literal é, neste momento, a escolha mais racional. Vejamos.
Inspirando-se em Frank Knight, podemos diferenciar risco (quando há previsibilidade e mensuração) de incerteza (quando sequer se sabe o que esperar). O art. 378 está em zona de incerteza. E como ensina a Teoria da Perspectiva, de Daniel Kahneman e Amos Tversky, os tomadores de decisão tendem a dar mais peso às perdas potenciais do que aos ganhos incertos.
No caso, a perda do crédito representa um prejuízo irreversível e potencialmente mutimilionário. Já o custo de escriturar agora é marginal frente a esse risco. Trata-se, portanto, de uma decisão de racionalidade assimétrica: a cautela, aqui, é a virtude mais rentável.
Não se ignora aqui que a interpretação literal do art. 378 seja excessivamente formalista, até porque ela contraria a sistemática prevista no art. 168 do CTN. De fato, essa leitura pode representar uma violação à regra decadencial tradicionalmente aplicada à recuperação de tributos.
Mas adotar, na prática, essa exegese ignora um dado objetivo: o momento atual ainda permite cumprir o requisito formal exigido. Ou seja, não se trata de optar entre duas formas igualmente arriscadas, mas entre um caminho seguro e outro sujeito a um litígio futuro.
Não se corre risco quando o risco pode ser evitado com ação imediata e de baixo custo, como é o caso da escrituração tempestiva dos créditos. Se a norma impõe um marco fixo (ainda que questionável) e esse marco ainda está no horizonte, a escolha racional é agir com antecipação, e não confiar no contencioso como plano de contingência.
Em síntese, embora a interpretação sistêmica do art. 378 da LC 215/2023 encontre respaldo técnico, adotar a interpretação literal — e registrar todos os créditos de PIS/COFINS até 31/12/2026 — parece ser a melhor decisão estratégica.
O contencioso do futuro pode ser evitado hoje com planejamento, governança fiscal e ação proativa. E como nos ensina a prudência tributária: o que é evitável, é inaceitável quando se transforma em prejuízo.
Ricardo Janesch é COO (Chief Operating Officer) na ROIT. Atua como professor na Faculdade Brasileira de Tributação e na Allez-y! Escola de Direito e Negócios.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.