Por Enzo Bernardes
O principal elemento para a aprovação da reforma tributária do Consumo foi a convergência entre os poderes Executivo e Legislativo, afirma Hadassah Santana, professora especialista em tributação e Políticas Públicas, que atua junto ao Legislativo e acompanhou os bastidores da reforma do consumo e outras reformas. Ela explica que o Executivo compreendeu a necessidade de dialogar e ouvir, reconhecendo que se tratava de um processo democrático e também de uma questão social.
Durante o TaxCapital, o podcast do Portal da Reforma Tributária, Hadassah traçou o trajeto desde governos passados até a aprovação da reforma tributária do consumo no governo Lula. O programa contou com a mediação de Douglas Rodrigues, editor-chefe do Portal e Kallianne Abreu, fundadora da Women Leaders in Fintechs.
Além do YouTube, o programa está no Spotify.
O projeto da reforma
Hadassah explica que a reforma tributária iniciou-se no governo passado, que projetava uma mudança ampla nos âmbitos da renda, patrimônio e consumo. Dentro desse projeto, havia uma emenda que se tornou futuramente a PEC 45, da reforma da tributação do consumo:
“Havia na mesa uma discussão de uma reforma tributária bem ampla, que discutia renda, patrimônio e consumo. No meio dessa PEC, o Recife traz uma emenda que era a PEC 45. A reforma do consumo é uma decorrência, ela não nasce em si mesma”, completa.
A reforma do consumo também é resultado da intensa mobilização do deputado Luiz Carlos Hauly (PODE-PR), que desde 2018 percorre diversas regiões do país difundindo essa proposta.
Dessa forma, com a entrada do novo governo em 2023, marcado pela promessa de realizar a reforma tributária, decidiu-se que não seria viável avançar de imediato com uma reformulação ampla, devido à complexidade dos setores envolvidos, à diversidade dos impactos e à dificuldade de reestruturar todo o sistema de arrecadação do país. O governo decidiu então niciar a reforma pelo setor de maior peso arrecadatório: o consumo.
“O Brasil, por ser um país em desenvolvimento, tem sua base de arrecadação no consumo. Países completamente desenvolvidos têm a principal receita vinda do patrimônio ou da renda”, explica Hadassah.
Ela afirma que, a partir do momento em que o Nordeste, região beneficiada pela tributação no destino, passou a apoiar a proposta, outras regiões também começaram a aderir ao movimento. Parlamentares, independentemente da ideologia política, passaram a perceber que a reforma não seria tão prejudicial quanto alegavam alguns setores e, em articulação com grupos de Estados, conseguiram organizar um movimento pró-reforma.
“Uma analogia que eu faço é que foi um alinhamento entre as estrelas, constelações”, afirma Douglas Rodrigues. Douglas acrescenta que o governo Lula aproveitou o primeiro ano de mandato, normalmente o de maior força no Legislativo, para aprovar a reforma do consumo.
Hadassah destaca que a reforma não é apenas a maior mudança tributária já realizada no país, mas também é a maior reforma constitucional da história, trazendo uma profunda transformação institucional e impactando significativamente o desenho federativo do Brasil.
Comitê Gestor
Hadassah explica que algumas discussões sobre o comitê gestor foram deixadas de lado, pois concorriam com o debate mais amplo sobre os impactos da reforma na sociedade como um todo, considerado mais urgente naquele momento.
“A discussão específica das minúcias do Comitê Gestor ficou no senado, mas sem o mesmo impulso que a outra (impactos para a sociedade), que tinha um impulso federativo”.
Hadassah diz que a dificuldade de consenso tem relação com as camadas federativas. Ela cita a Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas (FNP), a Confederação Nacional de Municípios (CNM), além de outras associações menores de municípios, onde todas querem estar representadas dentro do Comitê Gestor.
Além disso, os estados possuem características e posicionamentos distintos, e nem mesmo aqueles pertencentes à mesma região apresentam, necessariamente, convergências:
“Esse é o problema do Brasil. Nós temos uma dificuldade muito grande, como país. Precisamos olhar para uma mesma direção, e o Brasil não olha, nem institucionalmente, nem enquanto sociedade para uma mesma direção”.
Nesse sentido, ela cita a reforma da renda: onde a isenção do Imposto é unanimidade, enquanto a compensação da medida, com imposto adicional e tributação dos dividendos representa justamente o contrário, com opiniões distintas entre setores
“Essa complexidade de não olhar para a mesma direção tem a ver com nossa estrutura da sociedade, em que os municípios, os estados, os entes da federação também tem dificuldades institucionais de olhar para um mesmo lugar, porque eles estão muito preocupados com seu próprio desenvolvimento interno regionalizado”.
Ela diz que dessa maneira não é possível olhar para um todo, onde essas entidades estão preocupadas em uma disputa federativa de sobrevivência: “Precisamos sair do estado de sobrevivência para entrarmos em um estado de crescimento”.
Reforma da Renda
Hadassah explica que a reforma da Renda, por não necessitar de uma Lei Complementar ou PEC para ser alterada, vem sendo implementada antes mesmo da reforma do consumo.
Ela critica a postura do governo de aprovar medidas sem comunicá-las previamente aos contribuintes, aos setores envolvidos e à sociedade em geral.