
Por Felipe Crisanto e Juliana Nunes
De acordo com o Mapa de Empresas do Ministério da Economia, no primeiro quadrimestre de 2025 o Brasil registrou 23.205.843 empresas ativas, número que considera matrizes, filiais e microempreendedores individuais (MEI). Desse total, 93,6% são microempresas ou empresas de pequeno porte, enquanto cerca de 12,5 milhões correspondem a MEIs.
Diante desse cenário, pode-se afirmar que a maior parte das empresas brasileiras recolhe seus tributos por meio da sistemática do Simples Nacional, o que reforça sua relevância não apenas como instrumento de simplificação, mas também como motor de formalização, geração de empregos e sustentação da economia nacional.
O Simples Nacional é um regime diferenciado, simplificado e favorecido de tributação criado pela Lei Complementar nº 123/2006, destinado a microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) que faturam até R$ 4,8 milhões por ano. Sua principal característica é reunir, em uma única guia — chamada DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional) — até oito tributos, sendo eles: (i) federais (IRPJ, CSLL, IPI, PIS, Cofins e CPP); (ii) estaduais (ICMS); e (iii) municipais (ISS).
A sistemática é simples, como indica a própria nomenclatura: aplica-se uma alíquota única sobre o faturamento, ajustada por faixas de receita, com o objetivo de desburocratizar, já que a empresa não precisa cumprir diversas guias e obrigações acessórias distintas.
Com a Reforma Tributária, instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, será realizada, durante um curto período de transição, a substituição do ICMS e do ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Já no lugar do PIS, da Cofins e do “IPI” surgirá a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Apesar disso, o Simples Nacional foi mantido, mas com alterações significativas.
Hoje, o Simples Nacional é um regime cumulativo por natureza, uma vez que quem opta por ele não se beneficia da utilização de créditos tributários para fins de mitigar o tributo devido sobre o faturamento. Por outro lado, na sistemática atual, por exemplo, quem compra de empresas do Simples pode se creditar, mas de forma limitada. Uma empresa do Lucro Real que adquire produtos de uma empresa do Simples, por exemplo, pode aproveitar 9,25% de créditos de PIS/Cofins (quando não sujeito a alíquota zero ou monofasia) e, em média, entre 2,5% e 5% de créditos de ICMS.
No panorama da Reforma, conforme dispõe a Constituição Federal (art. 146, §§ 2º e 3º), os optantes do Simples continuarão sem o direito de apropriação de créditos. Por outro lado, o adquirente de bens e serviços de empresa optante pelo Simples, seja do Lucro Presumido ou do Lucro Real, em comparação com a sistemática atual, terá direito de se creditar de IBS e CBS — contudo, no limite do valor efetivamente embutido no DAS (art. 146, §3º, II). Isso reduz bastante, em relação ao cenário atual, a atratividade de créditos provenientes de empresas do Simples.
Em outras palavras: o crédito para terceiros existirá, mas de forma proporcional e reduzida em comparação ao crédito integral gerado por fornecedores enquadrados no regime geral do IBS e da CBS, e até mesmo em comparação ao que hoje as empresas do Simples oferecem.
Para tentar equilibrar essa perda de competitividade, a Reforma criou o chamado regime híbrido. Nesse modelo, a empresa poderá optar por permanecer no Simples Nacional para apuração do IRPJ, CSLL e CPP (quando o anexo permitir), mas recolher o IBS e a CBS pelo regime regular, em guias próprias, como farão os demais contribuintes no regime regular do IBS e da CBS.
A escolha do regime híbrido permitirá que o optante do Simples Nacional aproveite créditos integrais do IBS e da CBS em suas aquisições e, ao mesmo tempo, ofereça aos seus clientes créditos integrais desses tributos — algo impossível na opção exclusiva pelo Simples, em que o crédito é limitado ao que está embutido no DAS.
Na teoria, essa mudança parece vantajosa, já que torna o pequeno negócio mais competitivo no mercado B2B, uma vez que, ao oferecer créditos integrais para empresas do Lucro Real ou Presumido, possibilita a estas a redução da carga tributária. Na prática, porém, o regime híbrido cria uma contradição: o micro e pequeno empreendedor, que tem garantia constitucional de simplificação, passará a lidar com um nível de complexidade semelhante ao dos regimes tradicionais. O empresário terá de enfrentar escrituração diferenciada, maior custo contábil, controles adicionais e adequação tecnológica, dentre outras exigências.
A Constituição Federal, em seu artigo 179, estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem dispensar às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado e favorecido. Tal mandamento constitucional visa não apenas à simplificação, mas à promoção da competitividade e da sobrevivência desses empreendimentos. No entanto, as novas regras, ainda que mantenham formalmente o Simples, colocam as pequenas empresas em posição de desvantagem sistêmica, em violação ao espírito do tratamento favorecido.
Assim, o regime híbrido acaba se transformando em uma espécie de “meio-termo” que pode até melhorar a competitividade, mas ao custo de onerar a gestão e enfraquecer a principal virtude do Simples: a desburocratização. O pequeno empresário, que antes precisava lidar com uma única guia, passará a enfrentar uma estrutura de apuração mais complexa, aumentando seus gastos administrativos e perdendo a previsibilidade que dava fôlego ao seu negócio. Inclusive, o empresário do Simples Nacional terá que planejar e analisar se, diante do cenário de sua operação, mantém-se no Simples, opta pelo regime híbrido ou abandona totalmente o regime simplificado.
A título de exemplo, pensemos em uma pessoa jurídica do regime do Lucro Presumido, prestadora de serviços, que até então operava de forma cumulativa no ISS e no PIS/Cofins. Com a Reforma, essa mesma pessoa jurídica do Lucro Presumido passará a adotar o IBS e a CBS em modelo não cumulativo, permitindo o aproveitamento de créditos integrais em toda a cadeia de operações, seja na tomada de serviços ou na aquisição de mercadorias de empresas do regime regular.
A partir daí, surge a seguinte questão: por que uma empresa do Lucro Presumido — como uma clínica médica — contrataria uma empresa do Simples Nacional para realizar a manutenção de seus aparelhos de ar-condicionado se pode contratar outra empresa do Lucro Presumido que lhe entregará créditos integrais do IBS e da CBS? Por essa ótica, compreende-se a alteração na competitividade, pois o preço deixa de ser o único fator de escolha, e o crédito fiscal passa a influenciar diretamente na decisão. Por isso que o empresário do Simples terá que avaliar se entrará no Regime Híbrido ou abandonará o Simples. Tudo vai depender do faturamento, cadeia de operação e da sua clientela.
Se antes o planejamento tributário era visto como uma necessidade exclusiva das grandes empresas, agora, diante das mudanças trazidas pela Reforma, ele se torna indispensável também para as micro e pequenas. Isso porque a escolha entre permanecer no Simples, optar pelo regime híbrido ou até migrar para o Lucro Presumido ou Real não é meramente formal: envolve avaliar a segregação de atividades, o perfil da clientela (B2B ou B2C), a existência de créditos na cadeia e até mesmo a viabilidade de suportar uma carga tributária que, em alguns casos, pode chegar a 28%, afora o IRPJ, CSLL e contribuições previdenciárias.
A decisão, portanto, passa a depender não apenas do faturamento, mas também da capacidade de gerar ou aproveitar créditos de IBS e CBS, bem como do perfil da operação da empresa — se voltada a pessoas jurídicas do regime regular ou a pessoas físicas — fatores que podem ser determinantes para sua competitividade no mercado.
Pensando nos desdobramentos da Reforma Tributária sobre os diversos setores da economia, será realizado, nos dias 2 e 3 de outubro, o Congresso Empresarial, Tributário e Contábil da Paraíba (CETC-PB) em conjunto com o Aconcarf Itinerante. O evento tem como objetivo discutir os impactos da Reforma, esclarecer dúvidas e apresentar soluções práticas para empresas e profissionais. Entre os temas centrais, estará o futuro do Simples Nacional diante da nova sistemática tributária.
A programação reunirá conselheiros do CARF, auditores da Receita Federal, advogados, contadores, empresários e especialistas, promovendo um espaço de debate qualificado sobre os caminhos possíveis para enfrentar as mudanças.
As inscrições podem ser realizadas pelo site: www.aconcarfparaiba.com.br
Felipe Crisanto é Advogado tributarista com especialidade em contabilidade. Mestre em Direito Econômico. Professor e Coordenador do LLM em Direito Tributário da BSSP Centro Educacional. Sócio do Mendonça, Crisanto & Castro Advogados Associados. Coordenador Geral do Congresso Empresarial, Tributário e Contábil da Paraíba – CETC-PB.
Juliana Nunes é Advogada tributarista do Mendonça, Crisanto & Castro Advogados Associados. Coordenadora do Congresso Empresarial, Tributário e Contábil da Paraíba – CETC-PB.
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