Com adoção do IVA, Canadá reduziu custos e ganhou competitividade”, relata Melina Rocha

Melina Rocha

Por Regina Krauss

Melina Rocha, consultora internacional que prestou assessoria técnica para o governo brasileiro na proposta da reforma tributária com adesão ao modelo internacionalmente adotado do IVA, conversou com nossa equipe sobre o modelo de tributação do Canadá, onde mora desde 2017.

Consultora internacional e especialista em IVA/IBS, Melina Rocha foi diretora de cursos da York University e visiting scholar na Universidade de Toronto no Canadá. Tem doutorado e mestrado pela Université de la Sorbonne Nouvelle – Paris 3, foi professora da FGV Direito Rio e consultora do BID, OCDE, Banco Mundial, IPEA e CCiF. 

Desde 2023 assessora a SERT/MF pelo BID na reforma tributária. É coordenadora-executiva do Projeto IVA no Século XXI do Núcleo de Estudos Fiscais na Fundação Getúlio Vargas.

Melina Rocha: “A inovação do Brasil e a diferença em relação ao modelo canadense e também ao modelo indiano é que o Brasil instituiu o Comitê Gestor”

Em 1991, os canadenses implementaram o imposto sobre bens e serviços, chamado por lá de GST (Goods and Services Tax), que incide sobre todas as operações com bens e serviços. O GST federal tem uma alíquota atual de 5%. Algumas províncias escolheram se harmonizar ao IVA Federal de modo que aplicam o HST (Harmonized Sales Tax), no qual aplicam uma alíquota própria e adicional ao GST, de modo que a soma das alíquotas federal e provincial pode chegar a 15%. Nas províncias que não se harmonizaram ao IVA Federal, o GST é frequentemente combinado com um imposto provincial sobre vendas (PST) no modelo americano de Retail Sales Tax, com alíquota específica em cada região. 

Acompanhe a seguir a entrevista com Melina Rocha para entender melhor o modelo canadense.

Quais as principais similaridades com o Canadá no modelo que o Brasil adotou com a reforma tributária? 

O Canadá também possui um IVA que se chama dual. A diferença é que no Canadá o IVA começou a ser implementado em 1991 somente pelo governo federal, que permitiu que as províncias pudessem se harmonizar com esse IVA federal com o passar do tempo. Algumas províncias, principalmente do leste do país, foram fazendo esta troca do imposto provincial, que era um imposto sobre o varejo, pelo IVA federal.

Basicamente, quem administra esse IVA harmonizado quando a província adere é o governo federal. Já Quebec, por exemplo, foi uma província que criou o seu próprio IVA internamente, o QST (Québec Sales Tax), não harmonizado com o IVA federal. No entanto, a legislação deste imposto no Quebec é praticamente igual ao IVA federal, com algumas poucas diferenças. Então pode-se dizer que, na prática, apesar de serem tributos separados, com legislações separadas, os dois são muito harmonizados e similares.

O modelo do Canadá é diferente do modelo brasileiro porque a adoção se iniciou pelo governo federal e as províncias foram se harmonizando posteriormente. Há ainda três províncias (British Columbia, Saskatchewan e Manitoba) que não se harmonizaram e, por isso, elas ainda adotam o imposto provincial, com exceção de Alberta, que não tem um imposto provincial próprio. Então nessas três províncias têm um imposto provincial sobre o varejo e o IVA federal que se aplica.

O modelo canadense conseguiu harmonizar as competências federativas?

Não, o IVA canadense não conseguiu harmonizar as competências federativas, o que ele conseguiu fazer é dar a opção para algumas províncias se harmonizarem com o IVA federal. É um pouco diferente porque no Canadá cada província tinha um tributo sobre venda a varejo, similar ao modelo americano. Então, o governo federal decidiu iniciar o processo de mudança para o IVA, mas deu a liberdade para as províncias se harmonizarem ou não. Algumas até hoje não se harmonizam e mantêm o imposto provincial próprio.

Existem dificuldades de implementação que o Canadá enfrentou nestes mais de 30 anos e que já foram aperfeiçoadas pela EC 132/2023 e legislações relacionadas?

O Brasil optou pelo IVA dual, sendo um IVA federal e um IVA subnacional, compartilhado com estados e municípios, e cada um vai administrar o seu próprio IVA. Então, apesar de ter uma legislação comum, que é a Lei Complementar 214/2025, com todas as regras iguais, a administração vai ser separada. A inovação do Brasil e a diferença em relação ao modelo canadense e também ao modelo indiano é que o Brasil instituiu o Comitê Gestor, uma entidade que vai ser criada para administrar e centralizar a arrecadação de forma separada do governo federal, além de fazer a distribuição dos recursos do IVA subnacional, que é o IBS. 

Neste aspecto é muito diferente do Canadá, onde esse papel é feito pelo governo federal, enquanto no Brasil o modelo do Comitê Gestor garantiu maior autonomia para estados e municípios na administração do seu imposto.

Ainda que o modelo canadense e indiano seja de IVA dual, é difícil comparar. Nos três modelos, governo federal e os entes subnacionais têm competência compartilhada para tributar o consumo. Essa é a única semelhança. Fora isso, a administração dos três IVAs duais que existem no mundo são bem diferentes.

Quais as principais conquistas obtidas pelo Canadá a longo prazo que podem servir de exemplo para o Brasil? 

O Canadá teve um grande ganho econômico com a adoção do IVA. Há estudos econômicos dizendo que tanto a implementação do IVA pelo governo federal e pelas províncias trouxe grandes ganhos, principalmente com relação à simplificação e redução de custos para os contribuintes, principalmente porque no modelo anterior havia muita cumulatividade na cadeia. 

Ao invés de ter um tributo federal e um tributo provincial, como era antes, diversas legislações separadas e administrações distintas, quando a província se harmoniza ao IVA federal, ela escolhe uma alíquota própria, mas a legislação e a administração é toda do governo federal, há uma simplificação muito grande.

Em termos de não-cumulatividade também, porque o imposto provincial, no modelo de Retail Sales Tax (RST), não dá direito a crédito e isso gera cumulatividade na cadeia produtiva. Apesar de incidir apenas na venda ao consumidor final, há muito consumo no meio da cadeia que sobre o qual incide o tributo e não se permite o creditamento.

Com certeza, assim como outros países que adotaram o IVA, o Canadá ganhou muita competitividade internacional, diminuição dos custos, simplificação e desoneração da cadeia produtiva.

Que isenções o Canadá mantém?

O Canadá tem uma lista de produtos que estão submetidos à alíquota zero. Basicamente, a cesta básica, produtos agrícolas, insumos agropecuários e de pesca, medicamentos com prescrição médica, produtos higiênicos femininos e exportações. 

Também há uma lista de isenções, como, por exemplo, serviços médicos, serviços educacionais e uma parte dos serviços financeiros. Assim como no Brasil, muitas destas alíquotas reduzidas e isenções foram concessões políticas ocorridas durante a aprovação da reforma.

A realidade socioeconômica do Canadá pode ser vista como padrão de comparação consistente para o contexto brasileiro?

A realidade sócio-econômica do Canadá é muito diferente da brasileira. O Canadá é um país de alta renda que concentra a carga tributária em tributação sobre renda e não sobre consumo, assim como todos os países mais ricos.

A alíquota do IVA no Canadá varia de 5% a 15%. Então, obviamente que é difícil comparar um país de alta renda e o Brasil, que é ainda um país de  renda média e em desenvolvimento, especialmente em relação à carga tributária sobre o consumo e a alíquota do IVA. No Brasil há uma concentração muito grande da arrecadação nos tributos sobre o consumo, o que não ocorre em países mais ricos.


Esta reportagem foi publicada anteriormente na 3ª edição da Revista da Reforma TributáriaClique aqui para assinar e receber as próximas edições.

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