O fim dos incentivos fiscais e uma nova era de desenvolvimento

Bruna Felizardo, sócia especialista em Tributos Indiretos da EY

Por Bruna Felizardo

Muito mais do que uma mudança apenas nas regras tributárias, a reforma dos tributos sobre o consumo no Brasil causará uma verdadeira revolução no ambiente de negócios. Muitos são os fatores que impactarão as empresas com a Reforma, em especial durante o período de transição, mas o fim dos incentivos fiscais de ICMS é certamente um dos mais relevantes, com potencial para reconfigurar todo o mapa do Brasil como hoje conhecemos.

Ao longo das últimas décadas, na falta de uma política de desenvolvimento efetiva para suas regiões, muitos estados escolheram abrir mão de parte da sua receita com ICMS para atrair novos investimentos, o que se mostrou imprescindível para o fortalecimento de emprego e renda em alguns estados. No começo, apenas algumas poucas unidades da federação adotavam os incentivos, mas a “fórmula” acabou por dar tão certo que essa política foi amplamente copiada pelos diversos estados e regiões, gerando a tão conhecida (e muito criticada) “guerra fiscal”.

Assim, em grande parte dos casos, as decisões de investimento das empresas brasileiras nos últimos anos para constituição de novas fábricas e centros de distribuição foram pautadas por dois critérios: (i) os critérios operacionais, tais como proximidade do mercado consumidor, disponibilidade de mão de obra qualificada, etc.; e (ii) os benefícios fiscais disponíveis, sendo esse último, na maioria dos casos, muito mais relevantes em termos financeiros para fundamentar a decisão do que o primeiro.

Via de regra, foi o impacto fiscal que determinou a decisão de onde se investir, visto que na comparação entre o montante do benefício fiscal que poderia ser auferido versus o custo logístico adicional (dado que em muitos casos a região incentivada está longe do mercado consumidor), o benefício fiscal quase sempre levava a melhor. 

Na média dos estudos já realizados pela EY, os incentivos poderiam gerar ganhos de até 5% sobre a receita, já descontados os custos adicionais. Fazer uso do incentivo fiscal, então, não era uma opção, mas sim um fator de sobrevivência dentro do contexto empresarial brasileiro.

Com a reforma tributária e o fim do ICMS, essa lógica de desenvolvimento regional que perdurou por muitas décadas está com seus dias contatos. Já a partir de 2029, teremos uma diminuição significativa do montante dos incentivos, na proporção de 10% ao ano, até a sua completa extinção em 2033. Isso poderá gerar expressivos impactos na lucratividade das companhias, dado que, segundo informações do Secretário Extraordinário da Reforma Tributária Bernard Appy, o valor estimado dos incentivos fiscais que acabarão com a reforma tributária está na ordem dos R$ 200 bilhões.

Assim, é esperado que grande parte das empresas que tomaram decisões de investimento em determinadas localidades visando a obtenção dos incentivos fiscais voltem-se para análise de outras localidades, que sejam mais próximas de seus mercados consumidores e/ou tenham maior atratividade nos critérios operacionais. Esse movimento de mudança na localidade dos investimentos pode acontecer de forma mais acelerada para centros de importação e distribuição, considerando que esses são investimentos com maior facilidade de desmobilização, e de forma mais lenta para empreendimentos industriais.

“Fato é que essa relevante mudança na tributação nacional, combinada a outras transformações como a evolução da inteligência artificial e as barreiras comerciais impostas pelo governo Trump, tornam o cenário de tomada de decisões de investimento mais incerto”

De acordo com dados do Portal da Indústria Brasileira, os estados do Sul e Sudeste são responsáveis por 76% do PIB industrial, sendo as demais regiões responsáveis pelos outros 24%. A Zona Franca de Manaus, que permanecerá como única região incentivada junto com as Áreas de Livre Comércio, responde por 2,1% da produção industrial. Assim, mesmo com os incentivos fiscais concedidos, inclusive aquele relativo ao Imposto de Renda (Lucro da Exploração), o número da industrialização nessas regiões ainda é pequeno quando comparado com as demais áreas do país, e pode se tornar ainda mais tímido caso os estados e o governo federal não atuem de forma proativa na resolução dessa questão.    

Desta forma, com o fim dos incentivos fiscais estaduais, outras alternativas de desenvolvimento deverão ser criadas para compensar as desigualdades regionais existentes no país. Por outro lado, as empresas deverão avaliar outras alternativas para minimizar os impactos das perdas dos incentivos. Surgem então alguns trunfos, que podem e devem ser utilizados nessa gestão.

Em primeiro lugar, temos o Fundo de Compensação dos Incentivos Fiscais. Tal fundo, criado pela Emenda Constitucional 132, visa (como o próprio nome diz) compensar a perda dos incentivos fiscais por parte dos contribuintes. Assim, a diminuição no retorno de investimentos que foram feitos considerando a utilização de incentivos fiscais poderá ser compensada através mediante os recursos desse fundo. Vale ressaltar que o acesso ao Fundo possui regras mais restritas daquelas utilizadas para concessão dos incentivos, e, portanto, não serão todos os benefícios que serão compensados. Empreendimentos comerciais, por exemplo, já estão fora do rol de incentivos que terão acesso ao fundo, assim como outros incentivos que não exigiam nenhuma contrapartida onerosa por parte dos contribuintes.

Em segundo lugar, como já mencionado no texto, a região da Zona Franca de Manaus e as Áreas de Livre Comércio serão as únicas mantidas como regiões incentivadas. Em uma primeira análise, os benefícios fiscais oferecidos na região para o IBS e a CBS serão muito parecidos com aqueles que já estão disponibilizados para os tributos atuais, o que pode atrair ainda mais investimentos para a região, considerando que os demais incentivos serão descontinuados. Esse fator, combinado à aplicação do IPI para produtos fabricados fora da Zona Franca de Manaus, pode tornar a região ainda mais viável do ponto de vista de investimentos, estimulando sua industrialização.

Por fim, existe ainda um outro fator que poderá mudar as regras do jogo nos próximos anos: o Fundo de Desenvolvimento Regional. Criado pela Emenda Constitucional 132, será financiado com recursos da União e destinados aos estados para realização de obras de infraestrutura, fomento a atividades produtivas e promoção de ações para o desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação. A forma de operacionalização de tal fundo ainda é incerta, mas pode ser um importante recurso dos estados no futuro para atração de investimentos, por meio de subvenções financeiras em vez de incentivos fiscais.

Fato é que essa relevante mudança na tributação nacional, combinada a outras transformações como a evolução da inteligência artificial e as barreiras comerciais impostas pelo governo Trump, tornam o cenário de tomada de decisões de investimento mais incerto, cabendo a análise detalhada de muitos cenários alternativos para se ter maior assertividade. Ainda, a tão sonhada simplificação tributária pós 2033, se combinada com uma boa política de desenvolvimento, pode resultar num novo papel para o Brasil no contexto regional e global, atraindo novos investimentos. 


Bruna Felizardo é sócia especialista em Tributos Indiretos da EY, atuando no escritório de São Paulo.


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Este artigo foi publicado anteriormente na 3ª edição da Revista da Reforma TributáriaClique aqui para assinar e receber as próximas edições.

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