
Por Wagner Dirlon
A Reforma Tributária, com a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), busca simplificar o sistema tributário brasileiro1. Um dos mecanismos previstos é o recolhimento na liquidação financeira da operação (split payment)…, que visa automatizar a arrecadação dos tributos no momento do pagamento…. No entanto, a implementação desse modelo traz questionamentos sobre como ele se aplicará a operações mais complexas, como as renegociações de dívidas de clientes que envolvem a agregação de faturas, rep parcelamento e a incidência de juros.
O Mecanismo do Split Payment:
De acordo com as fontes, o split payment envolve prestadores de serviços de pagamento eletrônico e instituições operadoras de sistemas de pagamentos segregando e recolhendo o IBS e a CBS no momento da liquidação financeira da transação. Esse procedimento exige a vinculação entre os documentos fiscais eletrônicos relativos às operações com bens ou serviços e a transação de pagamento das respectivas operações.
O procedimento padrão prevê que o fornecedor inclua no documento fiscal eletrônico informações que permitam essa vinculação e a identificação dos valores dos débitos de IBS e CBS. O prestador de serviço de pagamento deve consultar um sistema gerido pelo Comitê Gestor do IBS e pela RFB para determinar os valores a serem segregados, que correspondem à diferença entre os débitos destacados no documento fiscal e as parcelas já extintas por quaisquer das modalidades previstas na lei (incluindo, presumivelmente, pagamentos parciais ou outras formas de quitação).
É importante notar que o split payment se aplica de forma proporcional nas operações com pagamento parcelado, ocorrendo na liquidação financeira de todas as parcelas9. Contudo, as fontes indicam que o disposto sobre o split payment não afasta a responsabilidade do sujeito passivo (o contribuinte vendedor) pelo pagamento do eventual saldo a recolher de IBS e CBS10. Além disso, os prestadores de serviços de pagamento não são considerados responsáveis tributários pelo IBS e CBS incidentes sobre as operações que liquidam.
O Desafio das Renegociações Financeiras:
A grande problemática no contexto do split payment, conforme descrito nas fontes, reside em como o sistema lidará com renegociações financeiras de dívidas comerciais. Nessas situações, faturas originais são agrupadas, os débitos são repactuados em novas parcelas, e novos encargos, como juros, são adicionados para viabilizar o acordo e permitir a retomada do relacionamento comercial com o cliente.
O split payment parece estar intrinsecamente ligado ao documento fiscal eletrônico da operação original de venda de bens ou serviços…. Uma renegociação com juros, embora relacionada à dívida original, constitui um novo arranjo financeiro que não estava refletido integralmente no documento fiscal da venda original. O sistema, tal como descrito, pode ter dificuldade em associar os pagamentos das novas parcelas (com juros embutidos) ao documento original de forma a realizar a segregação correta do IBS/CBS da venda original, e, mais importante, não parece preparado para segregar e recolher automaticamente o IBS/CBS sobre os novos juros adicionados.
Os valores a serem segregados no split payment são definidos com base nos débitos incidentes sobre a operação destacados no documento fiscal eletrônico. Os juros cobrados na renegociação não estavam destacados no documento fiscal da venda original.
A Tributação dos Juros nas Renegociações:
A dúvida crucial é se os juros inseridos nessas renegociações entrarão na base de cálculo do IBS e da CBS. As fontes fornecem indícios fortes de que sim. Embora não haja uma regra explícita tratando da renegociação de dívidas comerciais por não-financeiras, as fontes tratam da tributação de “receitas financeiras” em diversos contextos.
Por exemplo, para o regime específico de parcelamento do solo, as receitas financeiras e variações monetárias decorrentes da operação são consideradas receita bruta para fins de cálculo do IBS/CBS. Para entidades que apuram receitas com serviços financeiros, as despesas financeiras de captação podem ser deduzidas da base de cálculo na proporção das receitas. No regime de planos de assistência à saúde, receitas financeiras que guardam vinculação com a alocação de recursos de prêmios e contraprestações integram a base de cálculo. Estes exemplos, embora em regimes específicos, demonstram a intenção da legislação em incluir receitas de natureza financeira na base de cálculo do IBS/CBS em diversas situações.
Além disso, a possibilidade de contribuintes no regime regular (que não estão sujeitos ao regime específico de serviços financeiros) apropriarem créditos sobre certas despesas financeiras, como juros em operações de crédito ou deságio em operações de cessão de recebíveis/factoring (na parcela que exceder a taxa de mercado), implica que a receita correspondente (os juros ou o deságio) foi, ou deveria ter sido, tributada na ponta do fornecedor do serviço financeiro (neste caso, a empresa que concedeu o crédito/renegociou a dívida).
Por outro lado, as fontes indicam que, na aquisição de serviços financeiros específicos (listados no art. 182, incisos I a V – que poderiam incluir concessão de crédito), a apropriação de créditos de IBS e CBS é vedada, salvo expressa permissão . Isso significa que o cliente que paga os juros na renegociação muito provavelmente não terá direito a crédito pelo IBS/CBS incidente sobre esses juros, mesmo que a empresa que recebeu o pagamento tenha que tributá-los.
Portanto, com base nas fontes, é altamente provável que os juros adicionados nas renegociações financeiras entrem na base de cálculo do IBS e da CBS para a empresa que recebe esses juros, como receita financeira.
Impacto no Split Payment e Apuração:
Dado que os juros de renegociação não estavam previstos no documento fiscal original da venda, o split payment configurado para aquela operação inicial não parece o mecanismo adequado para recolher o imposto sobre esses juros novos. A tributação sobre os juros e sobre qualquer saldo do principal da venda original que não seja capturado pelo split payment ou outras formas de extinção…, deverá ser feita via apuração mensal.
O saldo de IBS e CBS apurado mensalmente é a diferença entre débitos e créditos, podendo ser ajustado (positiva ou negativamente) conforme regulamento. O resultado dessa apuração e ajustes é o saldo a recolher ou a recuperar. Assim, o IBS/CBS sobre os juros de renegociação provavelmente será adicionado aos débitos apurados mensalmente pela empresa, independentemente do split payment da operação original.
Conclusão:
As fontes indicam que o split payment é um mecanismo focado na arrecadação do IBS/CBS no momento da liquidação financeira, com base nas informações fiscais da operação original. Renegociações financeiras que adicionam juros não se encaixam naturalmente nesse modelo inicial de segregação. Os juros cobrados nessas renegociações, por outro lado, têm grande probabilidade de serem considerados receita financeira e, como tal, incluídos na base de cálculo do IBS e da CBS para o credor/vendedor. O recolhimento sobre esses juros (e sobre qualquer saldo residual da operação original não coberto pelo split payment) provavelmente ocorrerá via apuração mensal regular. A ausência de crédito para o cliente pagador dos juros, regra geral na aquisição de serviços financeiros, é outro ponto relevante a ser destacado. A complexidade dessas operações renegociadas exigirá detalhamento no regulamento para garantir clareza na aplicação do IBS/CBS e no funcionamento dos mecanismos de arrecadação.
Wagner Dirlon tem sólida vivência em liderança estratégica e gestão de pessoas, com foco em transformação de processos, melhoria contínua e desenvolvimento de equipes de alto desempenho. É Head of Finance & Tax Services Brazil na Neodent. É fundador da Leading IsCool.
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