Mercado de trabalho: aspectos práticos da Contestação do FAP nos âmbitos administrativo e judicial

Reprodução: Freepik

Por Mariana Monte Alegre de Paiva e Nayanni Vieira Jorge

Para empresas com grande número de empregados, os encargos trabalhistas e previdenciários figuram como grandes desafios para manutenção da competitividade do negócio. Entre os fatores que pesam no orçamento das pessoas jurídicas, o Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) — também chamado de Risco Ambiental do Trabalho (RAT) — merece atenção redobrada, pois sua alíquota pode variar de forma significativa e, em determinados casos, gerar um aumento expressivo do ônus tributário que recai sobre a folha de pagamento.

O SAT foi criado para financiar as prestações decorrentes de acidente de trabalho e custear o benefício de aposentadoria especial. O valor da contribuição não é fixo para todas as empresas: além da alíquota básica (1%, 2% ou 3%, conforme o grau de risco da atividade econômica preponderante, que poderá ser considerado leve, médio ou grave), existe também um fator que pode aumentar ou reduzir este percentual: o Fator Acidentário de Prevenção (FAP). 

De maneira geral, o FAP funciona como um multiplicador, cujos índices podem variar de 0,5 a 2,0 sobre a alíquota do SAT/RAT, considerando-se o histórico de acidentes e doenças ocupacionais da empresa. Se os índices da empresa forem considerados bons, a alíquota cai até a metade; se forem considerados ruins, a alíquota pode dobrar. 

Os índices de cada empresa são divulgados anualmente pelo Ministério da Previdência, a partir de um cálculo realizado pelo INSS e pelo Ministério do Trabalho. Este cálculo inclui o exame da frequência dos acidentes e doenças registradas, a gravidade dos afastamentos e sequelas dos empregados e também os valores que foram pagos pelo INSS a título de benefícios para os empregados da empresa.

Aqui reside um aspecto sensível: falhas ou distorções no cálculo do FAP – que, infelizmente, são bastante frequentes – podem aumentar a contribuição ao SAT/RAT e muitas empresas acabam sendo oneradas sem entender o cálculo ou mesmo perceber que há espaço para questionar ou corrigir dados. Não raras vezes, é possível constatar classificações equivocadas, assim como erros nos registros, que podem superestimar o índice FAP e resultar em um aumento considerável no recolhimento do tributo.

Com a divulgação do índice, é recomendado que as empresas confiram os dados que embasaram o cálculo, examinando o número de acidentes, os afastamentos e valores que foram pagos pelo INSS. Com a divulgação dos índices e o acesso aos dados a partir do certificado digital, inicia-se o prazo de 30 dias corridos para apresentar Contestação. Este recurso é apresentado de forma totalmente eletrônica, com a possibilidade de que sejam anexados documentos que comprovem erros ou inconsistências. 

Este é o momento em que uma revisão criteriosa pode gerar ganhos relevantes, em especial para empresas com grande número de empregados. Isso porque, embora atualmente não possua efeito suspensivo automático, a interposição de Contestação ao FAP se apresenta como um relevante ponto de partida para adoção de estratégias mais amplas, que incluem a revisão da metodologia do cálculo, a legalidade dos ajustes aplicados ao índice e até mesmo a conferência do nexo causal entre a ocorrência (acidente ou doença) e o trabalho realizado pelo empregado.

Ao contrário de outros recursos de natureza tributária que são examinados diretamente pela Receita Federal do Brasil e que podem chegar até o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), a Contestação ao FAP é endereçada à Secretaria de Previdência, vinculada ao Ministério da Previdência Social, gerando uma instância administrativa própria. O processo ocorre exclusivamente no Sistema FAP-Web e a Contestação será examinara pelo Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), que verificará os argumentos apresentados e realizará a conferência da base de dados utilizada para o cálculo, decidindo se o índice será mantido ou ajustado. Da decisão proferida pelo CRPS, caberá ainda recurso, que será examinado em caráter terminativo.

Na prática, isso significa que o julgamento da Contestação ao FAP é realizado no âmbito do Poder Executivo federal, sem participação do Poder Judiciário. O indeferimento administrativo, contudo, não impede o ajuizamento de ação judicial posterior, seja para discutir o índice aplicado, a metologia ou mesmo para direcionar discussões sobre o nexo causal entre a ocorrência e o trabalho realizado pelo colaborador. Em muitos casos, na verdade, a medida judicial é recomendada para viabilizar a produção de provas por perito especializado, oportunizando a estruturação de um acervo probatório robusto que comprove as alegações da empresa.

A possibilidade de levar a discussão posteriormente ao Poder Judiciário reforça a necessidade de que a própria Contestação administrativa seja elaborada com atenção, reunindo provas objetivas e claras, já que a prova produzida no âmbito administrativo também pode ser aproveitada para fundamentar eventual processo judicial. Além disso, um bom histórico de defesa demonstra diligência da empresa e pode evitar questionamentos futuros sobre a inércia em relação ao FAP aplicado.

Considerando que, em um primeiro momento, a discussão administrativa fica restrita aos limites da competência do Ministério da Previdência Social, a discussão objeto da Contestação do FAP, via de regra, como já indicado, não pode ser levada ao contencioso tributário administrativo federal, não se inserindo no espectro de competência do CARF.

Isso porque, ao contrário dos Tribunais Regionais Federais no Poder Judiciário, o CARF não pode revisar diretamente os índices fixados no FAP. No que importa à discussão, a atuação deste Conselho Administro se limita à avaliação dos efeitos financeiros que os índices produzem sobre a base de cálculo da contribuição ao SAT/RAT — por exemplo, quando há redução ou compensação de valores.

Na prática, o CARF analisa apenas controvérsias que tratam da própria contribuição ao SAT/RAT, partindo do pressuposto de que o FAP divulgado é válido. Exceções podem ser constatadas quando há, previamente, uma Contestação administrativa apresentada ao CRPS ou uma decisão judicial transitada em julgado que reconheça erro no cálculo do fator.

Há precedentes relevantes nesse sentido (vide Acórdão CARF nº 2101-002.853, de 16/09/2024). A título exemplificativo, mencione-se a situação em que um contribuinte obteve um trânsito em julgado determinando o recálculo do FAP, com base na análise individual de cada estabelecimento. Munindo-se desta decisão, é possível cancelar o Auto de Infração lavrado em razão do aumento indevido da alíquota, a partir do reconhecimento da aplicação incorreta do fator pela fiscalização. 

É possível vislumbrar, portanto, duas estratégias para levar a discussão ao CARF: atacar os efeitos financeiros do aumento das alíquotas — como compensações ou glosas de créditos — apontando, assim, a existência de erros quantitativos, ou desconstituir a cobrança a partir de uma decisão já proferida pela CRPS ou pelo Judiciário, em que o índice tenha sido formalmente revisto.

Entender essas nuances é fundamental para estruturar uma boa defesa. Tentar discutir o índice diretamente no CARF, sem antes passar pelo CRPS ou pelo Judiciário, geralmente limita a análise aos impactos financeiros, deixando de lado o cerne do cálculo. Neste cenário, acompanhar de perto a divulgação do FAP, conferir os dados, contestar inconsistências e conhecer as instâncias adequadas para cada tipo de discussão deixa de ser uma questão meramente burocrática e passa a ser uma ferramenta de gestão, capaz de gerar economias expressivas e proteger a competitividade do negócio.


Mariana Monte Alegre de Paiva é Sócia de Pinheiro Neto Advogados. Atua na área tributária e previdenciária, com ênfase em consultivo e contencioso administrativo e judicial, principalmente em questões relacionadas à previdência complementar aberta e fechada. É Mestre em Direito Tributário pela FGV SP (2018). Pós-graduada em Economia pela FGV-EESP (2013). Graduada em Direito Tributário pela FGV Direito SP (2018). Membro do Grupo de Estudos de Custeio da Previdência (GEC).

Nayanni Vieira Jorge é Associada de Pinheiro Neto Advogados. Assessora clientes nacionais e estrangeiros, tanto na esfera contenciosa como na consultiva, com atuação concentrada em Direito Tributário e Direito Previdenciário, com ênfase no acompanhamento de ações judiciais e formação de precedentes vinculantes no STJ e no STF. É Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo IDP (2024). Pós-graduada em Direito Tributário pelo IDP (2021). Graduada em Direito pela Universidade de Brasília (UnB – 2017).


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.


Este artigo foi publicado anteriormente na 4ª edição da Revista da Reforma TributáriaClique aqui para assinar e receber as próximas edições.

Rolar para cima