
Por Heron Charneski
A realização da COP 30 no Brasil, em 2025, e a adoção obrigatória dos relatórios de sustentabilidade baseados nos padrões do ISSB (IFRS S1 e S2) a partir de 2026 colocam o país no epicentro das discussões sobre transição sustentável.
Diante desse contexto, faz-se necessário ressaltar que a Emenda Constitucional nº 132/2023, que instituiu a Reforma Tributária do Consumo (RTC), determinou que o Sistema Tributário Nacional observe, entre outros, o “princípio da defesa do meio ambiente” (art. 145, §3º, CF).
Desde a sua aprovação, a Constituição de 1988 apresenta um capítulo destinado ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 288), e contempla a “defesa do meio ambiente” como um princípio jurídico da ordem econômica e financeira no Brasil (art. 170, VI). Trata-se de princípio que acompanha a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, cujos fins de assegurar existência digna e justiça social se constroem com respeito ao meio ambiente.
A Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003, acrescentou ainda que o “princípio da defesa do meio ambiente” poderia ser concretizado “inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”, o que torna evidente a instrumentalidade do tributo como meio possível de realização desse desiderato da ordem econômica.
Se a defesa do meio ambiente já era um princípio da ordem econômica, sua repetição no sistema tributário suscita a indagação sobre o propósito dessa ênfase normativa.
Como princípio econômico, a defesa do meio ambiente atua sobre os efeitos indutores da tributação, premiando condutas sustentáveis e punindo externalidades negativas. Quem degrada deve custear a recuperação e as perdas coletivas, obedecendo a lógica do “poluidor-pagador”.
Contudo, a implementação do princípio por meio das regras tributárias não está isenta de críticas e controvérsias, sobretudo quanto à definição de qual caminho oferece maior proteção ao meio ambiente: a regulação direta ou a tributação ambiental.
A tributação oferece graduabilidade e menor custo fiscalizatório, mas seus críticos alertam para o risco de uma monetização do direito ambiental, transformando a degradação em “direito de poluir mediante pagamento”. Além disso, é mencionada a irreversibilidade de certos danos à natureza, que somente a regulação poderia eficazmente conter, não constituindo o tributo, por definição, “sanção de ato ilícito”. Nesse último sentido, somente seria possível falar em tributo ambientalmente orientado se houvesse a destinação do produto da arrecadação à solução da atividade nociva ao meio ambiente, o que é vedado, no caso dos impostos, no sistema tributário atual.
Conquanto admissível, a instrumentalização de normas tributárias extrafiscais para atender a fins ambientais deveria ser marcada, conforme Adamy, pelos critérios da complementariedade, subsidiariedade e economicidade.
Um outro aspecto relevante da discussão consiste em reconhecer que as normas tributárias destinadas a induzir ou punir comportamentos em em prol da tutela ambiental continuam regidas pelos demais princípios e regras do sistema tributário nacional. Nesse viés, a função extrafiscal do tributo encontra limites constitucionais.
Em primeiro lugar, seria inadmissível a onerosidade excessiva do contribuinte, ainda que justificada pela defesa do meio ambiente, em razão da proibição de confisco em matéria tributária (art. 150, IV, da Constituição). A regulação, no caso, melhor se prestaria que o tributo a limitar atividades indesejadas.
Em segundo lugar, seria imperioso o respeito à competência tributária do ente federativo que pretende utilizar a tributação com efeitos ambientais, para que não haja descompasso entre a competência tributária e a competência regulatória na área ambiental.
Em terceiro lugar, o objetivo do legislador tributário de adotar ou desestimular comportamentos em defesa do meio ambiente em razão do efeito indutor da tributação não o desobrigaria da observância, também, do princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da Constituição).
A proporcionalidade entre os objetivos ambientais da medida tributária e as restrições causadas em direitos fundamentais também haveria de ser testada.
Na jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal (STF) já delineou algumas fronteiras ao legislador em matéria de tributação ambiental.
Em 2021, no Recurso Extraordinário nº 607.109/PR (Tema 304 de repercussão geral), o STF decidiu que são inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, no que vedaram a apropriação de créditos de PIS e Cofins nas aquisições de insumos recicláveis, incluindo sucatas, resíduos e aparas. Na ocasião, o Tribunal fundamentou a possibilidade da tomada de crédito de PIS/Cofins sobre sucatas com base no princípio da isonomia tributária e nas finalidades constitucionais ambientais, dando tratamento fiscal igualitário aos insumos reciclados, em relação às matérias-primas extraídas da natureza, e estimulando a conduta ambientalmente mais favorável.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.374/PA, julgada em 2021, o STF declarou inconstitucional a lei estadual do Pará que instituía uma taxa de polícia ambiental sobre a exploração de recursos hídricos (Lei 8.091/2014). O Tribunal entendeu que, embora seja reconhecida a competência comum para fiscalização ambiental, a taxa criada excedia de modo claro e desproporcional os custos da atividade estatal de fiscalização, ferindo o princípio da capacidade contributiva na dimensão do custo/benefício.
Ao deparar-se com o princípio do usuário no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.378/DF, em 2022, o STF decidiu que a compensação ambiental exigida para empreendimentos de significativo impacto ambiental — prevista no art. 36 da Lei do SNUC (Lei 9.985/2000) — é constitucional, mas declarou inconstitucional a expressão do § 1º que fixava percentual mínimo de 0,5 % sobre os custos totais do empreendimento. O Tribunal entendeu que o valor da compensação deve ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, mediante estudo técnico que assegure contraditório e ampla defesa.
Dessa forma, o Poder Judiciário já vem limitando em alguma medida a atuação do legislador em matéria ambiental.
Expostos brevemente esses contornos da relação entre tributação e proteção ao meio ambiente, cumpre verificar como o novel princípio se projeta na reforma tributária.
Inicialmente, é de se mencionar a previsão de possíveis benefícios fiscais do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) para operações com bens e serviços que promovam a proteção ambiental, tais como créditos presumidos em operações vinculadas à destinação final ambientalmente adequada (art. 9º, § 6º, II, da EC nº 132/2023), além de reduções de alíquotas para produtos e insumos sustentáveis.
Sobre o tema, não se deve descurar que tais incentivos devem conviver com o princípio da neutralidade, essencial à livre concorrência, sobre o qual já escrevemos em outra coluna. Esse ponto promete tensão interpretativa entre os princípios da defesa do meio ambiente e da neutralidade do IBS e da CBS.
Em outro giro, vale lembrar a recente propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.775 junto ao STF, em que se debate a compatibilidade entre o benefício de redução de 60% das alíquotas do IBS e da CBS para defensivos agrícolas e determinados princípios e regras constitucionais, entre os quais o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Este julgamento poderá inaugurar a leitura constitucional desse novo princípio do sistema tributário.
Por último, não se pode deixar de mencionar a criação, na reforma tributária, do Imposto Seletivo (IS), previsto para incidir sobre “a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar” (art. 153, VIII, da Constituição).
Na sua relação com a defesa do meio ambiente, o imposto seletivo nasce como instrumento para internalizar externalidades negativas, ou seja, busca “fazer pagar” quem consome bens ou serviços que impõem custos ambientais (poluição, degradação, uso excessivo de recursos), na perspectiva de uma finalidade regulatória do imposto.
Enquanto se aguarda pela instituição efetiva do IS, o novo imposto já recebe diversas críticas, entre as quais podem ser mencionadas a definição vaga para bens e serviços “prejudiciais ao meio ambiente”; a potencial regressividade do tributo, impactando segmentos de menor renda que consomem tais bens e serviços; a incerta efetividade do efeito comportamental buscado, especialmente diante da inexistência de substitutos verdes acessíveis; além de inconsistências estruturais do imposto, notadamente o cálculo “por dentro” e a inobservância do princípio da não cumulatividade. Em suma, receia-se que o imposto seletivo seja aplicado essencialmente com funções arrecadatórias e não regulatórias (algo controverso, como visto), descolocando sua aplicação de uma lógica efetiva de observância ao princípio da defesa do meio ambiente.
No contexto corporativo, o termo “greenwashing” refere-se à prática de uma empresa promover publicamente uma imagem exagerada, enganosa ou infundada de atuação ambiental responsável, sem que suas operações ou políticas sustentem essa aparência com efeitos reais significativos. Em outras palavras, trata-se de uma discrepância entre o discurso (“somos verdes, sustentáveis”) e a realidade efetiva das práticas ambientais da empresa.
O novo “princípio da defesa do meio ambiente” não deve converter-se em argumento retórico para fins arrecadatórios. Sua vocação é servir de bússola normativa, não de pretexto fiscal.
Quando a retórica supera a realidade, o princípio mencionado no art. 145, § 3º, da Constituição vira greenwashing tributário – e isso, definitivamente, não é uma questão de princípios.
Heron Charneski. Doutor e Mestre em Direito Tributário (USP), Mestre em Direito Comercial Internacional (University of California, Davis). Advogado e Contador. Presidente do Instituto de Gestão Empresarial de Tributos (IGET) e Sócio-Fundador do Charneski Advogados.
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