
Por Alline Guimaraes
A aprovação do PLP 108/2024 pelo Senado Federal não é apenas mais uma etapa legislativa. Trata-se de um divisor de águas na história da tributação brasileira.
O projeto, que regulamenta a reforma sobre o consumo, acolheu 64 emendas e trouxe mudanças relevantes para setores estratégicos: flexibilizou a responsabilização das plataformas digitais pelo recolhimento do IBS e da CBS, criou a possibilidade de consolidação de notas fiscais por município, redefiniu a lista de medicamentos com alíquota zero em caráter dinâmico, incluiu correntes da gasolina e do diesel, como a nafta, no regime monofásico do ICMS e introduziu margens de tolerância para falhas no split payment durante os dois primeiros anos de transição.
Esses ajustes demonstram que a regulamentação não se limita a replicar a Emenda Constitucional 132/23 e a LC 214/25: ela cria um novo campo de disputas jurídicas e operacionais, que exigirá vigilância constante de profissionais de Direito Tributário, CFOs, consultores e gestores públicos.
O impacto não se dará apenas no texto da lei, mas sobretudo na sua aplicação prática. O caminho da aprovação até a implementação pode ser dividido em quatro ciclos fundamentais, que moldarão o futuro da tributação no Brasil.
1º Ciclo (2025): Sanção e preparação. A sanção presidencial do PLP 108 inaugura a fase dos atos infralegais: Receita Federal e Comitê Gestor do IBS editarão normas sobre split payment, cashback e obrigações acessórias. É também o início das tensões institucionais.
A disputa entre CNM e FNP pela composição do Comitê Gestor certamente chegará ao STF. Para as empresas, 2025 é o ano da estratégia: mapear riscos, revisar sistemas de ERP, repensar compliance e preparar diagnósticos AS IS > TO BE.
2º Ciclo (2026–2027): Transição e primeiras tensões. Em 2026, o IBS e a CBS começam a vigorar de forma parcial. Multas e penalidades terão margem de tolerância, mas a convivência de cinco tributos antigos com dois novos ampliará a complexidade. Já em 2027, surgem marcos cruciais: início dos créditos presumidos, mudança no cálculo das multas e maior peso arrecadatório dos novos tributos.
Para advogados e consultores, é o momento de preparar clientes para o contencioso iminente: disputas sobre créditos, cumulatividade oculta e limites do split payment.
3º Ciclo (2028–2032): Ajustes e disputas. Este será o período mais desafiador. A convivência de regimes antigos e novos cria distorções e amplia riscos de litigiosidade.
Estados e municípios intensificarão pressões por receitas e representatividade, enquanto empresas terão de lidar com a consolidação do split payment e do cashback em sistemas ainda em adaptação.
O risco de judicialização é alto, não apenas por questões constitucionais, mas também pela insegurança de setores como saúde, combustíveis e serviços digitais.
O contencioso administrativo e judicial ganha nova dimensão, e os profissionais de Tax se tornam peças-chave na interpretação e aplicação das normas.
4º Ciclo (2033): Consolidação e avaliação. Finalmente, PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI deixam de existir, e o sistema dual (IBS + CBS) passa a vigorar em sua plenitude.
O contencioso passa a orbitar em torno do novo modelo: soluções de consulta integradas Receita e Comitê Gestor, regimes específicos consolidados e as primeiras decisões paradigmáticas do Judiciário. Mais que um marco normativo, 2033 será um teste de credibilidade da reforma: teremos conseguido simplificar, garantir neutralidade e oferecer segurança jurídica?
A aprovação do PLP 108 não encerra a reforma. Pelo contrário: abre um ciclo de quase dez anos de transição, onde a legislação se encontrará com a realidade das empresas e da administração tributária.
Para os tributaristas, consultores e gestores, a oportunidade é clara: assumir protagonismo na interpretação, na gestão de riscos e na construção de soluções práticas. Cada ciclo trará suas batalhas, suas teses e suas chances de inovar.
O futuro da tributação no Brasil não se decide apenas no Congresso, mas no diálogo entre lei, mercado e Judiciário. Estamos diante de uma jornada em quatro atos: preparação, transição, ajustes e consolidação, que não apenas mudará a forma de arrecadar, mas redefinirá o papel do Direito Tributário no país.
Alline Guimarães Marques – Advogada tributarista. Mestre em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo IDP/DF, Especialista em Direito Tributário pela Escola Educacional Damásio / SP, com Titulação em ESG pela Universidade Panthéon Sorbonne – Paris/França e Titulação em Direito Público e Privado 4.0 pela Universidade de Coimbra/Portugal.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.