Split Payment na LC 214/2025: o ponto de virada do compliance tributário digital no Brasil

Alamir Almeida

Por Alamir Almeida, do Tax is Cool Plus

Introdução

O Split Payment introduzido pela Lei Complementar nº 214/2025 representa uma das transformações mais profundas da Reforma Tributária brasileira.

Pela primeira vez, o sistema tributário nacional conecta diretamente o momento do pagamento à arrecadação dos tributos, inaugurando uma nova era: a da arrecadação em tempo real.

Mais do que uma alteração operacional, o Split Payment é um movimento de integração entre o fisco, o sistema financeiro e as empresas, com impacto direto no compliance tributário digital.

Entre os arts. 31 e 35, a LC 214/2025 estabelece um novo ecossistema de recolhimento de IBS e CBS, redefinindo completamente a lógica da apuração e da fiscalização.

O que dizem os artigos 31 a 35

A norma detalha o Split Payment em cinco dispositivos centrais:

Art. 31 – O Conceito

Estabelece que o recolhimento do IBS e da CBS ocorrerá no momento da liquidação financeira da transação, com o valor do tributo sendo segregado e repassado automaticamente ao Comitê Gestor do IBS e à Receita Federal.

Art. 32 – O Procedimento Padrão

Define o vínculo entre o documento fiscal eletrônico e a transação de pagamento.
Antes de liberar os recursos ao fornecedor, o sistema de pagamento deverá consultar os débitos incidentes e efetuar o repasse correspondente aos tributos.

Art. 33 – O Procedimento Simplificado

Cria uma alternativa para operações B2C (Business to Consumer), ou seja, entre empresas e consumidores finais — quando o adquirente não é contribuinte do IBS/CBS.
Nesses casos, os tributos serão recolhidos com base em percentual pré-definido, simplificando o processo para o varejo e os meios eletrônicos de pagamento.

Art. 34 – Regras Complementares

Prevê ajustes técnicos, como:

  • Recolhimento proporcional em vendas parceladas;
  • Regras para antecipação de recebíveis;
  • Responsabilidade de cada agente no fluxo de pagamento;
  • Garantia de que o sujeito passivo continua responsável por eventuais diferenças.

Art. 35 – Governança e Implementação

Define que o Poder Executivo e o Comitê Gestor do IBS deverão aprovar orçamento, cronograma e infraestrutura tecnológica para a implantação do sistema.
A implementação será gradual, com início nas operações B2C, especialmente no varejo de combustíveis, onde há maior volume de pagamentos eletrônicos.

O que muda na prática

A essência do Split Payment está em transferir o recolhimento do tributo para o fluxo financeiro da operação, eliminando a defasagem entre a venda e o pagamento do imposto.

Os impactos práticos são amplos:

1- Arrecadação imediata: o fisco recebe o imposto quando o dinheiro circula.

2- Rastreabilidade total: a transação comercial, fiscal e bancária passa a ter o mesmo código de referência.

3- Redução da inadimplência: o risco fiscal praticamente desaparece no ponto de origem.

4- Conciliação automática: o ERP da empresa precisará “conversar” com os sistemas dos adquirentes e bancos.

5- Fiscalização inteligente: o controle deixa de ser posterior (via SPED) e passa a ser simultâneo.

Em outras palavras, o Split Payment transforma o fato gerador e o recolhimento em eventos únicos e sincronizados.

Impacto direto no setor de Petróleo e Gás

O downstream (postos, bases e distribuidoras) será a linha de frente da mudança.
Por envolver milhares de transações B2C diárias, o setor será um dos primeiros a experimentar a aplicação prática do novo modelo.

  • Postos de combustíveis precisarão adaptar seus sistemas de automação e emissão de notas fiscais eletrônicas para compatibilização com os arranjos de pagamento.
  • Distribuidoras e traders deverão reforçar a integração entre sistemas contábeis, fiscais e bancários.
  • Auditorias digitais e controles internos automatizados se tornarão ferramentas obrigatórias para garantir rastreabilidade e conformidade.

A tendência é que o recolhimento de IBS e CBS sobre combustíveis se torne um dos setores-modelo da arrecadação digital brasileira.

A tecnologia como pilar central

Nenhum aspecto do Split Payment se sustenta sem infraestrutura tecnológica robusta.
A legislação exige a vinculação em tempo real entre nota fiscal, meio de pagamento e repasse de tributos — um desafio técnico que depende de:

  • APIs integradas entre ERP ↔ adquirentes ↔ fisco;
  • Cloud computing para processar grandes volumes de transações;
  • Segurança da informação e conformidade com a LGPD;
  • E sistemas capazes de conciliar automaticamente pagamentos, notas e créditos tributários.

Mais do que nunca, o profissional tributário precisará entender de dados, integrações e automações. O compliance digital deixa de ser tendência e se torna competência essencial.

Desafios e riscos da transição

A implementação do Split Payment também traz desafios consideráveis:

  • Falta de padronização entre adquirentes e emissores de NF-e;
  • Custo de adaptação para pequenas empresas;
  • Risco de gargalos operacionais em sistemas financeiros;
  • Necessidade de novos padrões de auditoria e conciliação.

Contudo, o ganho estrutural de transparência e eficiência supera os desafios iniciais.
O modelo tende a reduzir drasticamente o gap de arrecadação e elevar a previsibilidade fiscal.

Conclusão – O ponto de virada do compliance digital

O Split Payment é mais do que uma inovação tributária — é um divisor de águas entre o modelo declaratório do século XX e o modelo financeiro-fiscal do século XXI.

Ele inaugura a era da arrecadação em tempo real, em que a tecnologia se torna a ponte entre a operação e o fisco.

Para o setor de Petróleo e Gás, que historicamente opera sob alta regulação e grandes volumes financeiros, o Split Payment representa não apenas um desafio técnico, mas uma oportunidade de liderança na transição para o compliance tributário digital.

No novo sistema tributário, o dado é o imposto — e a automação, o alicerce da conformidade.


Alamir Almeida é graduado em Ciências Contábeis, com MBA em Gestão Empresarial e Tributação. Especialista em tributação indireta e compliance digital, com mais de 20 anos de experiência em ICMS, IPI, ISS e PIS/COFINS, atuando na integração entre contabilidade, tecnologia e governança fiscal no setor de petróleo e gás.

Esse artigo foi escrito por integrantes do Tax Is Cool Plus que fazem parte do Comitê de Reforma Tributária da escola.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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