
Com a aprovação da reforma tributária do consumo — por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023 e da Lei Complementar nº 214/2025 —, o modelo de concessão de benefícios indiretos aos empregados entra em uma nova zona de incerteza jurídica e operacional. Planos de saúde, vales alimentação e transporte, academias, clubes e outras vantagens ofertadas aos colaboradores precisarão ser reavaliadas sob a ótica tributária, contábil e trabalhista. O custo fiscal tende a aumentar e o aproveitamento de créditos deixa de ser regra geral.
1. O crédito de IBS/CBS não será automático
Embora a reforma tenha adotado o princípio da não cumulatividade ampla, com direito a crédito sobre insumos e despesas essenciais à atividade econômica, a LC nº 214/2025 restringe o aproveitamento de créditos em algumas situações.
O art. 57, inciso V, parágrafo 4º, veda o crédito de CBS sobre:
“os bens ou serviços que não estejam relacionados ao desenvolvimento de atividade econômica por pessoa física caracterizada como contribuinte do regime regular serão consideradas de uso ou consumo pessoal.”
Na prática, isso significa que despesas com benefícios concedidos a empregados — como planos de saúde, alimentação e transporte — não gerarão crédito automaticamente, mesmo quando contratadas por pessoa jurídica para uso coletivo no ambiente corporativo.
2. Custo líquido dos benefícios tende a aumentar
Atualmente, muitas empresas contratam planos de saúde e vales via pessoa jurídica, com incidência de PIS/Cofins e ISS — em alguns casos com aproveitamento parcial de crédito. Com a CBS e o IBS sendo cobrados por fora do preço, o custo tributário direto dessas contratações poderá aumentar entre 9% e 26%, considerando as alíquotas efetivas usuais, sem geração de crédito correspondente.
Se mantida a estrutura atual, a empresa arcará com o imposto cheio — sem o abatimento que antes mitigava o impacto fiscal.
3. Perda de regimes especiais e efeitos indiretos
Alguns incentivos e regimes especiais podem ser eliminados ou sofrer significativa erosão com a nova estrutura. Exemplos:
• Vale-alimentação (PAT): há risco de revisão ou revogação do programa, especialmente com o fim dos regimes especiais na CBS;
• Academias, clubes, transporte fretado, bem-estar: esses benefícios, voltados à qualidade de vida ou retenção de talentos, tendem a ser enquadrados como uso pessoal não essencial à atividade, portanto sem direito a crédito;
• PLR e bônus baseados em receita: se vinculados a métricas de faturamento bruto com tributos “por dentro”, precisarão ser revistos, dado que a base de cálculo será alterada com a cobrança “por fora”.
4. Alternativas legais para manter o crédito
A própria Lei Complementar nº 214/2025, contudo, prevê exceções à regra da vedação de crédito para uso pessoal, desde que atendidos critérios específicos.
O art. 57, parágrafo 3º, inciso IV itens “f” e ”g“ admite crédito para bens e serviços destinados ao uso ou consumo pessoal para as seguintes hipóteses:
f) serviços de planos de assistência à saúde e de fornecimento de vale-transporte, de vale-refeição e vale-alimentação destinados a empregados e seus dependentes em decorrência de acordo ou convenção coletiva de trabalho, sendo os créditos na aquisição desses serviços equivalentes aos respectivos débitos do fornecedor apurados e extintos de acordo com o disposto nos regimes específicos de planos de assistência à saúde e de serviços financeiros;
g) benefícios educacionais a seus empregados e dependentes em decorrência de acordo ou convenção coletiva de trabalho, inclusive mediante concessão de bolsas de estudo ou de descontos na contraprestação, desde que esses benefícios sejam oferecidos a todos os empregados, autorizada a diferenciação em favor dos empregados de menor renda ou com maior núcleo familiar; e
Ou seja, a negociação coletiva se torna o principal instrumento jurídico para viabilizar o crédito sobre benefícios concedidos a pessoas físicas. Empresas que desejam preservar o tratamento tributário desses gastos precisarão trabalhar com sindicatos e conselhos de administração para formalizar tais obrigações de forma robusta.
5. Estratégias de readequação
Além da via coletiva, as empresas devem reavaliar integralmente seus pacotes de benefícios com foco na nova lógica tributária:
• Renegociar contratos com fornecedores: estruturas como coparticipação, autogestão ou reembolso individual podem trazer maior eficiência fiscal;
• Avaliar o modelo de reembolso ao empregado: em alguns casos, pode ser vantajoso transferir parte do benefício para a esfera do colaborador, desde que compatível com a CLT e a legislação fiscal;
• Revisar cláusulas e políticas internas: contratos de trabalho e regulamentos internos que utilizam faturamento bruto como base para PLR ou bônus precisam ser atualizados para refletir o conceito de “receita líquida tributável”.
6. Conclusão
A reforma tributária traz racionalidade e transparência ao sistema, mas também impõe desafios relevantes às políticas de benefícios das empresas. O custo fiscal da contratação de vantagens indiretas aumentará, especialmente nos casos em que não for possível manter o aproveitamento de créditos.
As organizações que desejam preservar competitividade e atratividade de seus pacotes de benefícios devem atuar desde já para revisar contratos, políticas e convenções coletivas. A análise trabalhista, contábil e tributária conjunta será essencial para redesenhar um modelo sustentável, eficiente e juridicamente seguro na era pós-reforma.
Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.
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