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Rafael Cervone: Tributária é a chance de o Brasil abandonar os puxadinhos

Rafael Cervone.

Por Douglas Rodrigues

Rafael Cervone, presidente do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), tem uma mensagem clara sobre o futuro do Brasil: o país precisa abandonar a cultura dos “puxadinhos” e investir em reformas estruturantes que tragam competitividade e previsibilidade para a economia. 

“O Brasil é o eterno país dos puxadinhos. Nós sofremos constantemente com a falta de um plano de Estado de longo prazo, com previsibilidade e segurança jurídica”, afirmou em entrevista exclusiva no âmbito da reforma tributária.

Uma indústria penalizada

Segundo Cervone, a reforma tributária é essencial para corrigir distorções históricas que penalizam a indústria brasileira. Ele citou um estudo da Fiesp que aponta uma economia potencial de R$ 112 bilhões por ano para o setor industrial com a reforma, sendo R$ 71,3 bilhões referentes à eliminação de tributos não dedutíveis e R$ 33 bilhões com a simplificação da burocracia. “A indústria tem 11% de participação no PIB e 30% de carga tributária. É um desequilíbrio entre os setores produtivos no Brasil”, falou. “Se você não sabe ainda o que o Brasil deseja da indústria, cuidado: você pode matar a galinha dos ovos de ouro”, afirmou.

Para o líder industrial, a reforma também é uma oportunidade de combater a clandestinidade. “A informalidade é um câncer no Brasil”, disse. “Às vezes, o micro e pequeno empresário, se pagar os impostos, não consegue competir com uma barraquinha asiática que está na sua frente. É uma concorrência desleal”, explicou.

Cervone destacou que a simplificação tributária e a redução da carga tributária podem incentivar a formalização e aumentar a arrecadação. 

Ele [o pequeno empresário] não vê o retorno do investimento que ele faz no tributo retornando para a sociedade. Se for para os Estados Unidos, ele paga o imposto primeiro. Se ele sonegar, é brutal. E segundo, porque a carga tributária é relativamente baixa. E o retorno para a sociedade é visível“, falou.

O executivo vê espaço para simplificar as regras tributárias. “Você acha que o micro empresário aguenta a complexidade tributária no Brasil?”, indagou. Citou que, atualmente, a área tributária e de advogados de muitas médias e grandes empresas é muito maior do que a de Pesquisa e Desenvolvimento.

Eu acho que a reforma tributária nossa simplifica, dá previsibilidade, ataca a questão dos créditos tributários, não fica um saldo credor, nem no IBS, nem no CBS”, falou, citando pontos positivos. “Ela centraliza também no Conselho Federativo, porque outro câncer no Brasil é a guerra fiscal. Eu sou do setor têxtil, a gente paga 18% de ICMS. Na fronteira, o Rio de Janeiro paga 0,3%. Em Minas Gerais, paga 0,3% com rebate de 1% […] Então, é uma loucura“.

O executivo comentou ainda que os estados ainda mudam as regras sobre a emissão de nota fiscal antes mesmo de os empresários ficarem sabendo. “Quando você toma uma multa, você toma retroativo há 5 anos“, falou.

Cervone também ressaltou a importância de acabar com a cumulatividade e garantir a restituição de créditos tributários de forma rápida. “Qualquer país do mundo que utiliza um sistema tributário decente é baseado na garantia e na rapidez da restituição desses saldos credores.”

A força da indústria

Para Cervone, investir na indústria é estratégico para o Brasil. “A cada R$ 1,00 na produção, a indústria de transformação gera R$ 2,20 na economia. A cada R$ 1,00 no serviço, você gera R$ 0,50. A cada R$ 1,00 no agro, você gera R$ 0,70. O mundo inteiro, especialmente depois da Covid, se atentou de que a sociedade não cresce sem uma indústria forte.

Ele defendeu a criação de uma política industrial robusta, comparando o setor com o agronegócio. O agro tem uma estrutura como a Embrapa, com um orçamento de R$ 3,5 bilhões. A indústria tem a Embrapi, com apenas R$ 136 milhões, citou. Para ele, é preciso  uma política que valorize a indústria, com previsibilidade e instrumentos que incentivem a inovação. Hoje, a indústria realiza 69% dos gastos totais em inovação no Brasil. 

Educação e transformação digital

Outro ponto crítico é a formação de talentos para a indústria. Cervone destacou iniciativas do Ciesp e do Senai para capacitar pequenas e médias empresas em transformação digital, com um programa que já atendeu 20 mil empresas e aumentou a produtividade média em 40%. Segundo ele, não dá mais para ser competitivos só até o portão da fábrica. É preciso escalar a maturidade digital das empresas, e isso passa por capacitar não apenas as grandes, mas também as pequenas.

Ele também chamou a atenção para o desafio de atrair jovens talentos para a indústria. Citou que os jovens estão migrando para o mercado financeiro ou preferem o mundo virtual, onde criam avatares que vivem realidades paralelas. Defendeu resgatar o interesse pela indústria, mostrando que ela está no centro da inovação.

Quem é Rafael Cervone

Rafael Cervone é o presidente do Ciesp desde janeiro de 2022, representando cerca de 8 mil indústrias associadas em 42 regionais e distritais no Estado de São Paulo. Também é 1º vice-presidente da Fiesp e membro do board da ITMF (International Textile Manufacturers Federation).

Com cerca de 40 anos de experiência no setor têxtil, Cervone é engenheiro formado pela FEI (Faculdade de Engenharia Industrial). Sua trajetória como empresário e líder associativo é marcada por uma atuação independente e por buscar consenso em órgãos internacionais como a OCDE, OIT e B20. Ele iniciou sua carreira na Santista Têxtil e tem um histórico familiar profundamente ligado à indústria, com raízes que remontam ao início do século XX em Santa Bárbara d’Oeste (SP).


Esta reportagem foi publicada anteriormente na 2ª edição da Revista da Reforma Tributária. Clique aqui para assinar e receber as próximas edições.

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