
Por Karoline Braga
A discussão sobre a reforma tributária no Brasil sempre foi centrada, historicamente, na tributação do consumo. No entanto, nos últimos anos, cresce a pressão por uma reformulação mais profunda e estrutural do sistema que inclua a tributação da renda e do patrimônio, com o objetivo de torná-lo mais progressivo, justo e eficiente. Ainda em formulação, a chamada “reforma da renda” traz implicações econômicas e sociais relevantes, que merecem uma análise crítica.
O sistema tributário brasileiro atual é regressivo: os mais pobres pagam, proporcionalmente, mais tributos que os mais ricos, sobretudo por meio da tributação indireta (como o ICMS, por exemplo). A reforma da renda busca inverter essa lógica, aumentando a carga tributária sobre os que têm maior capacidade contributiva — por exemplo, ampliando a tributação sobre lucros e dividendos, fundos exclusivos, grandes patrimônios e heranças.
Essa mudança é, em tese, positiva do ponto de vista da equidade tributária. No entanto, enfrenta resistência de grupos com forte poder de lobby, como grandes investidores, setores do mercado financeiro e parte do empresariado, o que pode enfraquecer ou desvirtuar a proposta final.
Sob essa perspectiva o projeto de Lei 1.087/2025, propõe uma ampla reforma no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), foi apresentado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados com mudanças significativas e foco na progressividade tributária. O relator, deputado Arthur Lira (PP-AL), surpreendeu ao manter a alíquota de 10% para o Imposto de Renda Mínimo sobre altas rendas, apesar de ter anteriormente cogitado reduzi-la para 9% devido à estimativa de arrecadação superior ao previsto.
A proposta altera a Lei 9.250/1995 e cria o Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM), com aplicação a partir de 1º de janeiro de 2026. O tributo garantirá que pessoas com renda anual superior a R$ 1,2 milhão paguem no mínimo 10% de imposto. A arrecadação excedente será destinada a compensar Estados e municípios e, posteriormente, a reduzir a alíquota-padrão da nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), impedindo seu uso para geração de superávit primário.
A chave está em desenhar uma reforma que diferencie tipos de renda (trabalho x capital), preserve pequenos e médios investidores, e incentive reinvestimentos produtivos, ao mesmo tempo em que corrige distorções como a isenção ampla de dividendos, vigente desde 1995.
Um dos principais ganhos esperados com a reforma é a simplificação do sistema, hoje marcado por complexidade, insegurança jurídica e brechas legais que favorecem a elisão e a evasão fiscal, especialmente por meio de planejamento tributário agressivo feito por grandes grupos econômicos.
Com a revisão da tributação de lucros e dividendos, das estruturas de “pejotização” indevida e dos regimes favorecidos para grandes fortunas, espera-se uma maior transparência e equidade. Entretanto, a eficácia da reforma dependerá do aprimoramento da fiscalização, da integração de dados entre Receita Federal e outros órgãos, e do investimento em inteligência tributária.
Um ponto sensível da reforma da renda é o impacto sobre profissionais liberais e classes médias altas, que muitas vezes usam a pejotização como forma de reduzir carga tributária. A mudança nas regras pode aumentar a tributação sobre essas faixas, gerando resistência e exigindo calibragem adequada para não penalizar excessivamente quem gera emprego e renda com alto grau de formalidade.
Se bem executada, a reforma da renda pode aumentar a arrecadação com maior justiça social, permitindo a ampliação de programas de transferência de renda, saúde, educação e infraestrutura — pilares fundamentais para a redução da desigualdade no Brasil.
Contudo, é essencial que a arrecadação adicional seja vinculada a políticas públicas efetivas, com transparência no uso dos recursos e eficiência no gasto público. Caso contrário, a reforma poderá ser percebida apenas como um aumento de carga tributária, sem retorno visível à sociedade.
Conclusão
A reforma da renda é imprescindível para modernizar o sistema tributário brasileiro e aproximá-lo dos padrões mais justos e eficientes do mundo. No entanto, seu sucesso depende de coragem política, transparência, equilíbrio técnico e diálogo com a sociedade.
Ela deve ser construída com foco na redução das desigualdades, mas sem comprometer a competitividade econômica nem desestimular a formalização e o investimento. É uma oportunidade histórica de corrigir distorções profundas e reconstruir a confiança entre o contribuinte e o Estado — desde que não se perca em concessões corporativas que distorçam seu propósito original.