Reforma tributária e criptoeconomia

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Por Guilherme E. Martinez e Kaliane Silva de Abreu

A LC 214/2025, por meio dos artigos 229 e 230, disciplina como ocorrerá a tributação dos serviços de ativos virtuais. 

É importante destacar que a prestação de serviços de ativos virtuais está sujeito ao regime específico da tributação do IBS e pela CBS, de modo que apresenta uma alíquota única (considerando o Parecer do Senador Eduardo Braga, as alíquotas começaram em 10,85% em 2027 e chegará em 12,5% em 2033).

O fato de tais atividades estarem sujeita ao regime específico também apresenta outro fator relevante que são as obrigações acessórias, as quais serão operacionalizadas via Declaração Regime Específico -DeRE. A expectativa é que, ao centralizar as informações na DeRE, a obrigação acessória não crie obrigações, mas substitua ou simplifique. Entretanto, considerando a ausência de disponibilização do layout da DeRE, é um ponto a ser avaliado.

Quanto à materialidade da incidência do IBS e CBS sobre a criptoeconomia, é importante destacar a complexidade da aplicação dada a natureza de tais ativos.

Em seu artigo 229, §1º, a LC 214/2025, dispõe que os ativos virtuais são as representações digitais de valor que podem ser negociadas ou transferidas por meios eletrônicos e utilizadas para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, nos termos da Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022, não incluindo as representações digitais consideradas como valores mobiliários, que ficam sujeitas ao regime de que trata o artigo 192 e seguintes. 

Uma vez que estamos a tratar dessa classificação como valores mobiliários, conforme Parecer CVM 40, de 2022, a CVM adotará uma abordagem funcional para enquadramentos dos tokens em taxonomia, a qual servirá para iniciar o seu tratamento jurídico, a qual poderá ser incluída nas seguintes:

  • Token de Pagamento (cryptocurrency ou payment token): busca replicar as funções de moeda, notadamente de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor;
  • Token de Utilidade (utility token): utilizado para adquirir ou acessar determinados produtos ou serviços; e
  • Token referenciado a Ativo (asset-backed token): representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. São exemplos os “security tokens”, as stablecoins, os non-fungible tokens (NFTs) e os demais ativos objeto de operações de “tokenização

A complexidade da discussão se agrava ao considerarmos que um criptoativo pode se enquadrar em uma ou mais categorias, a depender das funções que desempenha e dos direitos associados. 

A legislação até o presente momento não é clara acerca da amplitude da tributação e a complexidade dos criptoativos decorre exatamente da natureza de tokens híbridos, os quais podem modificar sua função ao longo do tempo. Sendo, portanto, de grande relevância que a regulamentação leve tais pontos em consideração.

A dificuldade decorre quando avaliamos o cenário internacional em busca de analogia.

No cenário europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) é o Caso C-264/14 – Skatteverket v. David Hedqvist, entendeu que a troca de Bitcoin por moeda fiduciária (e vice-versa) configura uma prestação de serviços a título oneroso. Contudo, tais operações estão isentas de IVA, com base no artigo 135(1)(e) da Diretiva 2006/112/CE, que prevê isenção para “operações relativas a moeda, notas e moedas utilizadas como meio legal de pagamento”. O Tribunal considerou que, embora o Bitcoin não seja moeda fiduciária, ele é aceito por determinados operadores como meio de pagamento contratual e, por isso, deve ser equiparado para efeitos de isenção de IVA.

Outro ponto que não foi esclarecido na legislação e deve ser tratado de modo atencioso na regulamentação consiste na aplicação do §2º do artigo 229, o qual determina que as aquisições de bens e de serviços com ativos virtuais ficam sujeitas às regras aplicáveis ao bem ou serviço adquirido. 

A legislação internacional aponta tal questão. Na Áustria, os fornecimentos ou serviços pelos quais a contraprestação é feita em tokens de pagamento devem ser tratados da mesma forma que outros fornecimentos ou serviços pelos quais a contraprestação consiste em moeda de curso legal (por exemplo, euros). A base de cálculo para tais fornecimentos ou serviços deve ser determinada pelo valor do token de pagamento. 

Questão similar é a legislação norte americana, em especial os Estado de Nova York e New Jersey, disciplinam de maneira similar, de modo que um vendedor que realiza vendas e aceita token de pagamento conversível em troca de bens ou serviços tributáveis deve:

• registrar-se para fins de imposto sobre vendas;

• registrar em seus livros e registros o valor da moeda virtual conversível aceita no momento de cada transação, convertido em dólares americanos;

• registrar em seus livros e registros o valor do imposto sobre vendas recolhido no momento de cada transação, convertido em dólares americanos; e

• declarar tais vendas e recolher qualquer imposto sobre vendas devido em dólares americanos ao apresentar suas declarações periódicas de imposto sobre vendas.

Ponto relevante na regulamentação será dispor como ocorrerá essa valoração. Qual fonte deverá ser considerada para conversão do valor.

Uma regulamentação que visa trazer esclarecimentos, bem assim atenda as complexidades do setor, é imperiosa para o contínuo desenvolvimento de uma atividade em que o Brasil já se destaca.


Guilherme E. Martinez é Advogado, Master in Law WU Viena, Mestre em Direito pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Tributário pela FGV, graduado em Direito pela PUC/SP.

Kaliane Silva de Abreu é Advogada, Master in Law pela Northwestern University, Business Certificate pela Kellogg School of Business, International Diploma in Finance pela UC Berkely, admitida pelo NY BAR, graduada em Direito pela Universidade Católica de Salvador/BA.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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