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Reforma tributária e seus reflexos contábeis: muito além da formação de preços

Reprodução: Freepik.

Por Márcio Costa e Anderson Fumaux

Introdução

A reforma tributária em discussão irá substituir ICMS, ISS, PIS e a Cofins por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de modelo duplo (dual), composto pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, estadual) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, federal). Em vez de cobrança “por dentro”, a nova estrutura é “por fora” e integralmente creditável, com exceção dos bens e serviços relacionados ao uso e consumo pessoal. Em linhas gerais, o modelo prevê:

  • Unificação de impostos: Extinção de ICMS/ISS, PIS e Cofins, substituídos por CBS (federal) e IBS (estadual).
  • Tributação não cumulativa: Cada etapa de produção e comercialização paga tributo somente sobre o valor agregado, com crédito total para o tributo anterior (sem que haja “tributo sobre tributo”).
  • Cobrança por fora: Alíquotas destacadas em nota fiscal, tornando o peso do tributo visível na composição do preço.
  • Créditos fiscais amplos: Empresas podem descontar integralmente do tributo devido todos os dispêndios pagos em etapas anteriores. 

Contudo, a abrangência e a natureza transformadora dessa reforma fiscal não se limitam à simples alteração de impostos ou à unificação de alíquotas. O que está em jogo é uma reconfiguração fundamental da lógica econômica e contábil que permeia as operações empresariais. 

No modelo vigente brasileiro de tributos sobre o consumo, a complexidade e a cumulatividade fiscal tendem a inflar as margens de lucro. Fatores como tributos cumulativos (p.ex. PIS/COFINS no regime cumulativo, sem crédito ou créditos parciais de insumo), tributação “por dentro” (ICMS embutido na base de cálculo do preço) e a insegurança jurídica (dificuldade de mensurar custos tributários reais e riscos de autuações) levam as empresas a adicionar uma “gordura tributária” aos preços. Em consequência, muitos negócios formam seus preços “jogando para cima” as margens de lucro como proteção contra custos ocultos ou perda de créditos fiscais. Esse comportamento é mais viável quando a demanda é inelástica ou o mercado é concentrado; em setores competitivos, entretanto, margens infladas podem reduzir vendas e atratividade. 

Essa “gordura” não é meramente uma estratégia de maximização de lucros, mas muitas vezes uma margem de segurança imposta pela própria ineficiência e opacidade do sistema fiscal. A dificuldade de mensurar com precisão os custos tributários reais, devido à multiplicidade de alíquotas, regimes especiais, substituição tributária e a complexa interpretação da legislação, força as empresas a precificar com um colchão de segurança. Este colchão visa mitigar riscos como:

  • Tributos cumulativos (ex.: PIS/COFINS no regime cumulativo) e base de cálculo por dentro (ICMS embutido no preço) prejudicam o creditamento, inflando custos;
  • Complexidade e insegurança jurídica tributária (litígios, critérios incertos) impedem apurar o custo real dos tributos em cada etapa, levando empresários a prever contingências fiscais.
  • Autuações Fiscais: A incerteza sobre a correta apuração e o aproveitamento de créditos fiscais gera um temor latente de autuações, levando as empresas a incluir um “prêmio de risco” em seus preços para cobrir potenciais passivos futuros.
  • Gestão Ineficiente de Créditos: A dificuldade de recuperar créditos em um sistema burocrático e moroso, onde a homologação e a compensação podem levar anos, faz com que esse capital fique “preso”. Para compensar essa imobilização de caixa, as empresas repassam o custo da oportunidade e da incerteza ao consumidor.
  • Variações e Distorções: A heterogeneidade de alíquotas e bases de cálculo entre estados e municípios, somada à tributação em cascata, cria um cenário onde a precificação ideal é quase inatingível, induzindo a margens mais elevadas para absorver essas flutuações e distorções.

Setores com demanda inelástica (onde o consumidor é menos sensível a variações de preço, como em alguns serviços essenciais ou bens de consumo não duráveis de alta necessidade) ou com mercados mais concentrados (menor concorrência) tendem a ter maior capacidade de incorporar essa “gordura” de forma mais efetiva. Por outro lado, em mercados mais competitivos e com demanda elástica, essa “gordura” é um entrave, pois dificulta a formação de preços competitivos, penalizando a empresa e, em última instância, o consumidor. A ausência de clareza sobre o peso real do tributo impede que o consumidor compare efetivamente o preço líquido do produto ou serviço.

Assim, o sistema atual cria uma precificação distorcida, na qual tributos cumulativos, em especial ICMS, PIS e Cofins, geram preços finais pouco transparentes e propensos a litígios fiscais.

Em suma, a incerteza tributária induz margens de segurança no preço. Os gestores repassam possíveis autuações e créditos incertos para o consumidor final, embutindo uma reserva no mark-up. Esse mecanismo distorce a formação de preço, tornando difícil identificar o custo real de cada produto ou serviço, uma “cauda” oculta criada pelo próprio sistema tributário. 

A Reforma Tributária sobre o consumo no Brasil, com a introdução do IVA dual (IBS e CBS), vai muito além da mudança de alíquotas: ela transforma profundamente as práticas de precificação, o modelo contábil de reconhecimento de tributos e diversos indicadores financeiros que norteiam a gestão empresarial. Este artigo se aprofundará na reconfiguração fundamental da lógica contábil que acompanhará essa reforma, com especial atenção à emergência de novos tipos de controle para os créditos fiscais e à necessidade de adaptação dos sistemas e processos internos das empresas para garantir a conformidade e a eficiência.

1. Impactos nas Demonstrações Contábeis

A implementação do IVA dual trará mudanças significativas na estrutura contábil das empresas. Em vez de os tributos sobre vendas reduzirem diretamente a receita na Demonstração de Resultado (DRE) como hoje, onde são deduzidos da receita bruta para se chegar à receita líquida: ICMS, ISS, PIS, Cofins e, bem como a contribuição previdenciária sobre receita bruta (CPRB), quando aplicável, espera-se que CBS e IBS sejam contabilizados de forma mais explícita no Balanço Patrimonial, assim como o IPI sendo um imposto cobrado por fora, seu reconhecimento já caminha nesse mesmo sentido, ou seja, registrando a receita pelo valor efetivamente ganho. Entendimento, digamos majoritário na doutrina. Em termos práticos:

  • DRE: Com o tributo destacado “por fora”, CBS/IBS não serão mais deduzidos como gastos diretos na DRE. Isso quer dizer que a receita líquida na DRE seja reportada sem o desconto imediato desses tributos, alterando a apresentação do faturamento.
  • Ativos/Passivos Fiscais: Os valores de tributo a recuperar (créditos fiscais) passam a figurar como ativos no balanço, enquanto os impostos incidentes constituem passivos (impostos a recolher) até o efetivo pagamento. Ou seja, em vez de “sumir” na apuração do resultado, os tributos virão como contas a recuperar ou pagar no balanço ou a depender do desenho operacional nas relações de pagamentos, podemos pensar até em valores de tributos a apropriar; portanto, a afirmação de que os tributos “sumiam” na apuração do resultado, decorre de sua presença na DRE mais “diluída” ou “embutida” na receita ou em despesas, tornando a análise da performance operacional e da carga tributária, por vezes, menos transparente. O novo modelo traz essa transparência, movendo o “rastro” contábil do imposto sobre o consumo do resultado para o balanço, onde ele se torna um item claro de direito ou obrigação.
  • Transparência contábil: Observa-se que essa transição exigirá ajustes nas políticas contábeis (CPC 23/IAS 8), bem como notas explicativas detalhadas para manter a comparabilidade. 

Importante aqui abrir um parêntese para dar um enfoque para as contas contábeis “tributos a recuperar” e tributos a apropriar” no novo cenário do IVA-DUAL.

A partir do novo modelo de IVA dual (IBS e CBS), com a tributação “por fora” e a promessa de ampla recuperabilidade dos créditos, inevitavelmente redesenha a forma como os tributos sobre o consumo se manifestam no balanço das empresas. Se, por um lado, assiste-se a uma maior explicitação de “tributos a recuperar” como ativos e “tributos a recolher” como passivos, um movimento em direção à transparência e alinhamento com as práticas internacionais, por outro, emerge uma categoria mais sutil, porém crucial: os “tributos a apropriar”.

Esta rubrica, embora por vezes confundida com os clássicos “tributos a recuperar”, possui uma natureza distinta (transitória) e demandará atenção redobrada da gestão contábil e fiscal. A diferença reside na temporalidade e na condição para o reconhecimento do crédito.

Enquanto o “tributo a recuperar” geralmente se refere a valores já pagos ou incorridos que geram um direito líquido e certo de compensação ou restituição em períodos futuros (como saldos credores de ICMS ou PIS/Cofins não cumulativos, por exemplo), o “tributo a apropriar” remete a valores que, embora já inerentes à operação ou aquisição, ainda dependem de um evento futuro, de uma condição específica ou de uma formalidade para que o direito ao crédito se materialize e possa ser, de fato, “recuperado” ou compensado.

No contexto do novo IVA, a importância dos “tributos a apropriar” pode se manifestar de diversas formas, nas quais, sem nenhuma pretensão de esgotar as possibilidades, ilustrou-se algumas hipóteses como exemplo, tais como:

  1. Mecanismo do Split Payment (uma das formas de extinção do débito, Art. 27, Inciso III) em Operações Parceladas e Adiantamentos: Este é, sem dúvida, um dos exemplos mais contundentes da necessidade da conta “tributos a apropriar”. No modelo de split payment, o tributo é automaticamente separado e destinado ao ente público no momento do recebimento. Contudo, a regra do crédito condicionado ao pagamento do IBS e da CBS impõe uma camada adicional de complexidade:
    • Para Operações à Vista: Em uma aquisição com pagamento integral no ato, o valor correspondente ao crédito de IBS/CBS pode ser reconhecido diretamente na conta de “IBS/CBS a recuperar”, uma vez que a condição de pagamento foi cumprida simultaneamente à operação.
    • Para Operações Parceladas ou com Adiantamento: Aqui reside a particularidade. Se uma empresa adquire um bem em 10 parcelas, ou realiza um adiantamento para uma futura compra, o direito ao crédito de IBS/CBS está atrelado ao efetivo desembolso (pagamento de cada parcela ou do adiantamento). Nesses casos, o valor total do crédito destacado na nota fiscal do fornecedor não deve ser imediatamente reconhecido como um “tributo a recuperar” líquido e certo. Em vez disso, o valor correspondente ao crédito pendente deve ser inicialmente registrado em uma conta transitória, como “IBS/CBS a apropriar”. Apenas à medida que cada parcela for paga ou o adiantamento for liquidado (ou o evento gerador de crédito se consolidar), uma fração do tributo se tornará efetivamente creditável e poderá ser, então, reclassificada de “IBS/CBS a apropriar” para “IBS/CBS a recuperar”. Essa distinção é vital para a gestão do fluxo de caixa e para a acurácia dos demonstrativos financeiros, pois a disponibilidade do crédito não ocorre na integralidade no momento da emissão do documento fiscal, mas sim conforme o avanço efetivo dos pagamentos.
  2. Transição de Estoques e Regimes Específicos: Durante o período de transição dos tributos antigos para o novo IVA, as empresas poderão se apropriar de crédito presumido sobre o estoque de bens materiais, como dispõe o Art. 381 e seus incisos. A conversão desses valores para o novo sistema, ou o aproveitamento de créditos remanescentes de operações anteriores, pode gerar situações de “tributos a apropriar”, onde a apropriação do crédito dependerá de regras transitórias ou de processos específicos de validação.
  3. Ajustes Posteriores e Contingências de Crédito: Mesmo com a promessa de “créditos fiscais amplos” e “tributação não cumulativa”, a complexidade da interpretação normativa em um ambiente de reforma pode gerar incertezas quanto à elegibilidade de certos créditos. Valores pagos que, a princípio, seriam creditáveis, mas que estão sob análise fiscal ou aguardando decisões administrativas/judiciais, poderiam ser classificados como “tributos a apropriar” até que a condição de sua plena recuperabilidade seja confirmada. Isso é crucial para mitigar riscos de reclassificação ou glosa em auditorias.

Em síntese, o Balanço Patrimonial das empresas ficará mais robusto quanto aos efeitos fiscais: ativos de créditos tributários serão evidenciados, e obrigações com IBS/CBS constarão no passivo. Essa separação pode ensejar em maior transparência do que ocorre em cada etapa, diferentemente do modelo antigo em que o imposto “morava” na DRE, por vezes sem a devido clareza, o devido lastro, como já exposto.

Essa mudança contábil é coerente com o princípio da neutralidade tributária e tem base em experiências internacionais. O modelo de split payment reforça essa lógica: a empresa recebe apenas o valor líquido da operação, enquanto os tributos são automaticamente separados e destinados ao ente público.

Estudos especializados confirmam que CBS e IBS não devem transitar pela DRE, pois os tributos destacados pertencem ao adquirente. Dessa forma, o resultado operacional da empresa passa a refletir exclusivamente a contraprestação pelos bens ou serviços entregues, sem interferência do componente tributário.

Tal construção aqui esboçada, precisa estar conforme com os pronunciamentos contábeis, é o que iremos abordar no próximo tópico. Todavia, nesse cenário de profundas transformações, é essencial que a comunidade contábil brasileira inicie um robusto processo de estudos e adaptações. Este artigo insere-se nesse contexto, buscando fomentar o debate e a reflexão sobre os reflexos contábeis iniciais da reforma. Cientes de que as definições normativas completas e a reconfiguração contábil ideal serão gradualmente estabelecidas por órgãos como o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), nosso propósito é oferecer uma perspectiva sobre os desafios e caminhos possíveis. Tal discussão ganha relevância ainda maior ao considerarmos que o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) já é uma realidade plenamente consolidada em diversas economias globais, experiência esta que se apresenta como um farol. 

O modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), adotado agora pelo Brasil com o IBS e o CBS, é uma realidade plenamente consolidada em diversas economias. Notadamente, nesses mercados, a plena adoção das International Financial Reporting Standards (IFRSs) já havia amadurecido suas estruturas contábeis muito antes da referendação dessas normas em solo brasileiro. As lições e os caminhos percorridos por essas nações, portanto, são inestimáveis para a jornada de adaptação que se inicia no país.

2. Conformidade Contábil e as Normas IFRS

A transição para o novo regime tributário demanda uma revisão e alinhamento das políticas contábeis das empresas com as normas internacionais de relatório financeiro (IFRS), representadas no Brasil pelos Pronunciamentos Contábeis (CPCs).

Nesse contexto, a própria Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro (CPC 00), que serve de alicerce para todas as demais normas contábeis, oferece o embasamento para a nova abordagem. Segundo sua definição, “Ativo” é um recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados. No momento da aquisição de bens ou serviços, o valor do IBS/CBS destacado na nota fiscal e passível de creditamento preenche integralmente essa definição. A empresa adquirente detém um controle sobre esse recurso (o direito ao crédito fiscal), que é um benefício econômico (reduzirá um passivo futuro ou será restituído), e que surgiu de um evento passado (a operação de compra). Este controle permite, inclusive, utilizá-lo para compensação de débitos tributários futuros, conforme previsto, por exemplo, no Art. 27, I, da Lei Complementar nº 214/2025. Portanto, a clara evidenciação dos créditos de IBS e CBS como ativos circulantes no Balanço Patrimonial não é apenas uma adaptação operacional, mas uma representação fiel da essência econômica e conceitual desses valores, sendo uma questão clara de mensuração, considerando que o conceito de Ativo é mais amplo do que literalmente o provável.

IFRS 15 – CPC 47 Quando e como Reconhecer a Receita

A receita deverá ser reconhecida pelo valor líquido da contraprestação, ou seja, desconsiderando os tributos incidentes sobre o consumo. A apresentação bruta (com tributos embutidos) passará a ser incompatível com os princípios internacionais de reconhecimento de receita. Conforme orienta os itens 46 e 47 deste pronunciamento contábil.

Importante salientar um contraponto quando se menciona este CPC para dar conformidade a nova construção contábil no qual seus autores defendem, isto porque o item 112A, dispõe que: “A divulgação da receita na demonstração do resultado deve ser feita conforme conceituadas neste pronunciamento. Todavia, a entidade deve fazer uso de outras contas de controle interno, como, por exemplo, “Receita Bruta Tributável”, para fins fiscais e outros”. De certo que estamos falando de controle, totalmente justificável para o contexto brasileiro, mas que não deixará de ser exercido, pelo fato de não transitar na DRE, pelo contrário, tornará as demonstrações ainda mais fidedignas a realidade dos fatos, como por exemplo a própria DVA – Demonstração do Valor Adicionado, na máxima de que o contribuinte de direito atuará como mero intermediador entre o adquirente (contribuinte de fato) e a Fazenda Nacional.

IFRS 18 – Apresentação e Divulgação nas Demonstrações Financeiras

A IFRS 18, que substituirá a IAS 1 em diversos aspectos, reforça o princípio da transparência, comparabilidade e consistência na apresentação das demonstrações financeiras, especialmente na Demonstração do Resultado. Embora mantenha a essência da apresentação líquida da receita, já prevista pela prática consolidada sob a IAS 1/CPC 26 e fundamentada no conceito de contraprestação do CPC 47 (IFRS 15). A IFRS 18 explicita e estrutura melhor a forma como receitas e despesas devem ser classificadas e apresentadas.

A nova norma mantém a orientação de que a receita deve refletir apenas os benefícios econômicos que fluem para a entidade, excluindo montantes cobrados em nome de terceiros, como os tributos sobre vendas (ex: ICMS, ISS, e futuramente CBS e IBS). Essa diretriz é compatível com a lógica de um IVA por fora, pois:

  • Tais tributos não representam contraprestação pela entrega de bens ou serviços;
  • A entidade atua como agente no recolhimento, repassando integralmente os valores ao governo;
  • Portanto, esses montantes não atendem à definição de receita conforme IFRS 15/IFRS 18.

Assim, mesmo com a reestruturação dos blocos de apresentação da DRE (operacional, de investimento e de financiamento), conforme IFRS 18, a receita continuará sendo apresentada líquida dos tributos sobre as vendas, promovendo melhor comparabilidade entre períodos e maior alinhamento com o conceito de performance operacional.

CPC – CPC 09 (R1) – A DVA e a Complexidade da Riqueza Adicionada no Contexto do IVA Dual

A Demonstração do Valor Adicionado (DVA), regida pelo CPC 09, tem no Brasil um papel fundamental ao evidenciar a riqueza criada pela entidade e a forma como essa riqueza é distribuída. Tradicionalmente, sua elaboração parte da Receita Bruta de Vendas, que, no regime atual, incluía o ICMS “por dentro” e outros tributos. Essa metodologia visava, em parte, atender a requisitos regulatórios e fiscais específicos do Brasil, mesmo em um cenário de convergência às normas IFRS.

Com a implementação do IBS e da CBS, tributos de natureza “por fora” e com a não cumulatividade ampla, emerge uma discussão relevante que impacta diretamente a DVA: como o valor adicionado será mensurado e apresentado quando os impostos sobre consumo não mais integrarem a Receita Bruta da DRE, conforme a lógica do IFRS 15 / CPC 47?

De um lado, a essência do IVA é a neutralidade para a empresa, que atua como mero agente arrecadador. O valor do tributo não é riqueza gerada pela entidade, mas sim um fluxo que transita por ela rumo ao fisco. Sob essa ótica, incluir o IBS/CBS na “Receita Bruta” da DVA poderia inflar artificialmente o valor adicionado da empresa, distorcendo sua real capacidade de gerar riqueza econômica a partir de suas operações. Para muitos especialistas, o mais alinhado à lógica do IVA e das IFRS seria que a DVA refletisse a riqueza gerada a partir da receita líquida já descontados os impostos sobre consumo, similar ao tratamento dado ao IPI.

Por outro lado, há a discussão sobre a manutenção da Receita Bruta como ponto de partida da DVA no contexto brasileiro, dada sua consolidação e relevância para análises regulatórias e setoriais. O próprio Conselho Federal de Contabilidade (CFC) ou o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) precisarão se debruçar sobre essa questão e, possivelmente, emitir orientações específicas para a DVA no cenário pós-reforma. A clareza sobre como os componentes de valor adicionado (insumos adquiridos de terceiros, por exemplo) serão tratados no novo regime também é crucial.

Portanto, embora a nova arquitetura tributária prometa maior transparência nas demonstrações financeiras como um todo, a DVA representa um ponto específico que exigirá atenção e, possivelmente, uma revisão de suas diretrizes de elaboração para que continue a cumprir seu papel de forma fidedigna e alinhada com os princípios de neutralidade do IVA e as melhores práticas contábeis globais. A questão central será definir se a Receita Bruta de Vendas, ponto de partida da DVA, continuará a incluir o valor do IBS e da CBS (que são tributos ‘por fora’ e não representam riqueza gerada pela empresa), ou se a demonstração passará a adotar uma base líquida, mais alinhada com a essência do IVA e a apresentação da receita em outras demonstrações financeiras. Sem essa definição clara, a mensuração da riqueza criada e distribuída pela empresa pode ser comprometida, afetando a comparabilidade e a relevância da demonstração.

IAS 2 – CPC 16 Estoques

A Reforma Tributária traz uma transformação significativa na forma como os tributos impactam o custo dos estoques, tema regido pelo IAS 2 (ou CPC 16 – Estoques). É fundamental esclarecer que, conforme a norma, os tributos não recuperáveis já integram o custo de aquisição dos estoques (e, por extensão, o custo dos produtos vendidos – CPV) no modelo atual. Ou seja, se um imposto pago na compra de uma matéria-prima não pudesse ser compensado ou restituído, ele automaticamente compunha o custo daquele item.

A grande mudança com o IVA dual (IBS e CBS) não reside na alteração dessa regra contábil, mas sim na expectativa de uma não cumulatividade muito mais ampla e eficaz. Isso significa que, na prática, haverá significativamente menos situações em que o IBS e a CBS serão considerados tributos não recuperáveis para a empresa, vide art. 57 da Lei Complementar nº 214/2025 – bens de uso e consumo pessoal de que trata o art. 57 desta Lei Complementar, salvo se demonstrado que são necessários ao desenvolvimento da atividade do contribuinte vinculada ao projeto técnico-econômico aprovado. Consequentemente, uma parcela menor dos impostos sobre consumo será absorvida nos custos dos estoques.

O resultado é que o valor contábil dos estoques tenderá a ficar mais próximo do seu custo econômico real, uma vez que o componente tributário (que antes muitas vezes “inflava” esse custo sem gerar benefício econômico para a empresa) será, em sua maioria, recuperável. Isso promove uma maior transparência e comparabilidade dos custos e margens.

IAS 7 – CPC 03 (R2) Demonstração dos Fluxos de Caixa 

Fluxos de caixa operacionais serão calculados com base no valor líquido recebido (sem tributos), e o reconhecimento de tributos sobre consumo será segregado do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro.

O CPC 03 (R2), em seu item 14, ao definir os fluxos de caixa das atividades operacionais como aqueles provenientes das “principais atividades geradoras de receita da entidade”, subentende que esses fluxos devem refletir o caixa gerado pelas próprias operações da entidade, ou seja, o valor que de fato pertence à empresa. Se a receita na Demonstração de Resultado (DRE) é apresentada líquida desses tributos (conforme a lógica do CPC 47, que vimos anteriormente, onde a empresa atua como agente), é uma decorrência lógica e um princípio de consistência que os fluxos de caixa operacionais também reflitam essa base líquida. Apresentar os fluxos de caixa brutos de tributos que serão repassados distorceria a real capacidade operacional de geração de caixa da empresa, misturando o caixa do negócio com o caixa que pertence ao governo.

Portanto, o valor do tributo sobre o consumo, que é um fluxo de caixa de “terceiros” (governo), é tratado como uma entrada/saída de caixa que não compõe o fluxo operacional líquido da empresa, sendo o valor efetivo da transação a contrapartida que impacta o fluxo de caixa operacional.

3. O Desafio da Contabilização em 2026 – Controle e Conformidade sem Impacto Financeiro

A introdução da Lei Complementar nº 214/2025 traz um cenário fiscal peculiar para o ano de 2026, que demanda uma análise contábil cuidadosa e estratégica. Conforme os Arts. 343 e 346, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) serão cobrados, respectivamente, com alíquotas de 0,1% e 0,9% sobre os fatos geradores ocorridos entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2026. No entanto, a mesma Lei Complementar prevê uma condição distintiva: o recolhimento desses tributos será dispensado caso o contribuinte entregue a obrigação acessória prevista na legislação (Art. 348, § 1º), o que muito embora ainda não tenha sido  especificado qual de fato seria essa obrigação acessória, o mercado vem entendendo ser a nota fiscal eletrônica adaptada às novas diretrizes da reforma tributária, a partir do que vem discorrendo as notas técnicas que abrange o ambiente de autorização de documentos fiscais eletrônicos sob a coordenação do ENCAT.

Este arranjo legal suscita uma questão central para a contabilidade: haverá necessidade de qualquer tipo de registro contábil para o IBS e a CBS em 2026? Se, por um lado, o fato gerador ocorre, por outro, a dispensa de recolhimento impede a materialização de um passivo exigível financeiramente.

À luz dos Comitês de Pronunciamentos Contábeis (CPCs), o reconhecimento de um passivo exige uma obrigação presente da entidade, decorrente de evento passado, cuja liquidação espera-se que resulte em uma saída de recursos capazes de gerar benefícios econômicos. No caso de 2026, com a dispensa de recolhimento condicionada à entrega da obrigação acessória (um procedimento operacional e de conformidade), a obrigação de pagar o tributo financeiramente não se consolida. Contabilizar um passivo que, de antemão, não resultará em saída de caixa ou equivalente geraria uma distorção nas demonstrações financeiras, apresentando uma dívida que, na essência, não existe para fins de liquidação.

Portanto, a abordagem mais adequada e alinhada aos princípios contábeis e à natureza da reforma tributária, que estabelece a tributação por fora, é a utilização de contas de controle de natureza estritamente patrimonial, sem qualquer reflexo na Demonstração de Resultado do Exercício (DRE).

Tradicionalmente, a contabilidade se baseia no método das partidas dobradas, onde cada débito corresponde a um crédito, afetando as contas patrimoniais (ativo, passivo, patrimônio líquido) ou de resultado (receitas, despesas). No entanto, para atender às novas exigências de transparência e apuração dos novos tributos, surgirá a necessidade de trabalhar com as chamadas Contas Patrimoniais de “Controle”.

Como seria a abordagem para controle interno:

Apesar de não haver um passivo a pagar que demande registro nas contas do Balanço Patrimonial destinadas a dívidas fiscais, o cálculo e o acompanhamento desses valores são cruciais para fins de validação, auditoria e conformidade interna. A empresa poderá instituir um sistema de contas de controle gerencial que espelhe a base de cálculo e a aplicação das alíquotas de 0,1% e 0,9%. Esses lançamentos seriam meramente informativos, registrando o “valor teórico” do tributo que seria devido se a dispensa não existisse, ou se a obrigação acessória não fosse cumprida.

Por exemplo, poder-se-ia ter:

  • Contas Patrimoniais de Controle:
    • Contas de Débito: Exemplo – Controle de Cálculo IBS / Controle de Cálculo CBS – Registrariam o valor calculado com base nas alíquotas e fatos geradores.
    • Contas de Crédito: Exemplo – Controle de Dispensa IBS / Controle de Dispensa CBS – Registrariam a contrapartida da dispensa, “baixando” o valor calculado teórico assim que a obrigação acessória fosse cumprida.

Contas Patrimoniais de Controle: O Que São e Como Funcionam

Contas Patrimoniais de Controle não são contas transitórias nem afetam diretamente as demonstrações contábeis clássicas. Elas são criadas com um propósito específico: registrar informações gerenciais ou de controle que, embora cruciais para a gestão e conformidade fiscal, não se enquadram na dinâmica tradicional de débito e crédito que modifica o patrimônio ou o resultado.

Sua função principal é:

  • Monitorar atos e fatos administrativos que podem ter um impacto financeiro futuro, mas que ainda não representam uma variação patrimonial efetiva (por exemplo, convênios, contratos a executar, ou a base de cálculo de tributos que ainda não foram efetivamente recolhidos).
  • Gerar dados e informações para tomada de decisão e planejamento, fornecendo subsídios detalhados para a gestão tributária sem inflar ou distorcer os balanços principais.
  • Apoiar a transparência e a prestação de contas, ao evidenciar informações que são relevantes para a gestão e para as autoridades fiscais, mesmo que não sejam de natureza estritamente contábil-financeira.

Essa metodologia garante que a empresa mantenha um registro detalhado para validação do cálculo, monitoramento da conformidade com a entrega da nota fiscal eletrônica e acompanhamento dos valores envolvidos, sem que essas informações poluam ou distorçam as demonstrações financeiras oficiais, que devem refletir unicamente as obrigações e o patrimônio da entidade conforme os padrões contábeis. A clareza entre o que é “contábil” e o que é “gerencial” será vital para a auditoria e a tomada de decisão no período de transição.

O Cuidado para Não Confundir: Contas de Controle x Contas Transitórias

É fundamental não confundir Contas de Controle com contas transitórias. Embora ambas lidem com registros que não impactam diretamente o resultado ou o patrimônio de forma imediata na contabilidade tradicional, seu propósito e ciclo de vida são distintos:

  • Contas Transitórias são temporárias e nascem com o objetivo de serem zeradas ao final de um período. Elas funcionam como “ponte” para apurar e transferir valores (ex: Apuração do Resultado do Exercício – ARE). Seu saldo é liquidado em outra conta.
  • Contas de Controle por outro lado, não são criadas para serem zeradas ao final de um período. Elas existem para monitorar e evidenciar continuamente atos ou fatos relevantes até que estes se materializem ou se encerrem. Elas fornecem um histórico e um acompanhamento contínuo de informações gerenciais e fiscais.

O Perigo da Confusão: A tentativa de “zerar” indevidamente uma conta de controle como se fosse transitória pode levar a:

  • Distorção da Realidade Contábil: Criação de lançamentos artificiais e omissão de informações essenciais.
  • Complicação Desnecessária: Aumento da complexidade operacional e do trabalho contábil com controles inadequados.
  • Perda de Informação Gerencial: Dificuldade na análise de dados históricos e na tomada de decisões estratégicas.

A Aplicação das Partidas Dobradas em Contas de Controle

Mesmo não sendo contas contábeis tradicionais, as contas de controle seguem o método das partidas dobradas dentro de seu próprio subsistema de controle. Isso significa que cada débito em uma conta de controle terá uma contrapartida de crédito em outra conta de controle, garantindo a integridade e rastreabilidade dos dados que elas visam gerenciar.

Exemplo com IBS/CBS:

Imagine a necessidade de controlar o cálculo do IBS e CBS antes que estes sejam efetivamente lançados como passivos contábeis.

  • Lançamento de Cálculo:
    • Débito: Controle de Cálculo IBS / Controle de Cálculo CBS – Registraria o valor do imposto calculado sobre uma operação.
    • Crédito: Controle de Vendas Tributáveis IBS / Controle de Vendas Tributáveis CBS – Registraria a contrapartida do cálculo, indicando a base ou o total da operação que gerou o imposto.
  • Lançamento de “Dispensa” (Após Conformidade):
    • Débito: Controle de Dispensa IBS / Controle de Dispensa CBS– Registraria a “baixa” do valor calculado, indicando que a obrigação acessória (como a inclusão na nota fiscal ou em uma declaração) foi cumprida.
    • Crédito: Controle de Cálculo IBS / Controle de Cálculo CBS – Registraria a contrapartida da dispensa, “baixando” o valor calculado teórico da conta de controle de cálculo.

Perceba que esses lançamentos ocorrem exclusivamente dentro das contas de controle, sem uma contrapartida direta e simultânea em contas do Balanço Patrimonial ou da Demonstração de Resultado do Exercício.

Importante salientar que a previsão e o uso formal e detalhado dessas contas de controle são muito mais explícitos e estruturados no setor público do que no setor privado. No contexto do setor público, as contas de controle são não apenas previstas, mas detalhadamente normatizadas, principalmente através do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP). Este é o principal documento que regulamenta a contabilidade pública no Brasil, elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). O MCASP detalha o Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP – Classe 8), que é obrigatório para todos os entes da federação (União, Estados e Municípios).

Já no Setor Privado (empresas regidas pelas normas do CPC/IFRS), a situação é um pouco diferente não há um CPC ou norma específica que detalhe “Contas Patrimoniais de Controle” da mesma forma explícita que no setor público. Isso ocorre porque, no setor privado, a necessidade de controles não financeiros é geralmente tratada por sistemas de informação gerencial e de controle interno, e não necessariamente por contas contábeis que seguem o mesmo fluxo de débito e crédito das demonstrações financeiras. Entretanto, o CPC 00 – Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro (e a NBC TG Estrutura Conceitual do CFC) estabelece os objetivos e conceitos fundamentais para a elaboração das demonstrações contábeis de propósito geral. Embora não trate diretamente de contas de controle, ele indiretamente permite a criação de subsistemas de informação que apoiem a contabilidade, desde que não violem os princípios de reconhecimento e mensuração dos elementos das demonstrações financeiras.

O CFC (Conselho Federal de Contabilidade): As Normas Brasileiras de Contabilidade Técnica Geral (NBC TG) emitidas pelo CFC, em geral, seguem os pronunciamentos do CPC para o setor privado. Assim como o CPC, não existe uma NBC TG que formalize detalhadamente essas contas de controle para empresas privadas. No entanto, o CFC, através da NBC TG 1000 – Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas, ou outras normas de escrituração, pode, de forma mais ampla, permitir a existência de registros auxiliares para fins gerenciais.

Em resumo, para o setor privado, a base legal para as “Contas de Controle” é mais implícita e decorre da necessidade de sistemas de informação gerencial robustos para a conformidade fiscal (especialmente com a complexidade do novo IBS/CBS) e para a gestão interna, sem que essas contas necessariamente integrem o Balanço Patrimonial e a DRE de forma direta.

A reforma tributária e a complexidade do IBS/CBS impulsionam a criação desses controles paralelos do setor privado, que antes eram mais restritos ao setor público. Embora os CPCs não detalhem essas contas, a necessidade de apuração, cruzamento e controle de informações para as novas obrigações acessórias e declarações fiscais fará com que as empresas desenvolvam ou adaptem seus próprios sistemas de registros internos, que operem com a lógica das partidas dobradas dentro de um subsistema de controle, para garantir a precisão dos dados fiscais.

Portanto, o embasamento legal direto para o uso generalizado de “Contas Patrimoniais de Controle” com a mesma formalidade do setor público é mais evidente no MCASP/PCASP. No setor privado, a sua utilização é mais uma necessidade gerencial e de conformidade fiscal que se alinha com o princípio da prudência e da relevância da informação, sendo implementada através de sistemas auxiliares que complementam a contabilidade financeira principal.

Em 2026, dominar a aplicação dessas contas de controle será essencial para garantir a conformidade fiscal e extrair informações valiosas para a gestão, sem comprometer a clareza e a integridade das demonstrações contábeis financeiras.

4. Considerações finais

A Reforma Tributária sobre o consumo estabelece um novo marco para as práticas contábeis e a gestão financeira das empresas brasileiras, movendo os tributos sobre o consumo do resultado para o balanço patrimonial e tornando visível o peso dos impostos na formação de preços. Com o IVA dual (IBS e CBS), a não cumulatividade plena e o destaque “por fora” resgatam a neutralidade fiscal, permitindo que a precificação seja guiada por fundamentos econômicos, e não por contingências tributárias.

No campo contábil, as demonstrações passam a refletir com maior precisão a realidade das operações: créditos fiscais são evidenciados como ativos circulantes, tributos a recolher se tornam passivos claramente identificados, e a DRE apresenta receita líquida sem distorções, indo de encontro ao propósito maior desta reforma, que é desonerar a cadeia econômica, sendo o tributo arcado pelo consumidor final. 

A reforma não é apenas uma mudança legislativa, mas um convite à modernização contábil e à excelência na gestão financeira. Ao adaptarem-se com agilidade e inteligência, as empresas não apenas sobreviverão ao novo ambiente, mas poderão capturar ganhos de eficiência, credibilidade e valor de mercado.

Em suma, a Reforma Tributária sobre o consumo no Brasil não é apenas uma mudança legislativa de proporções históricas; é um convite irrecusável à modernização contábil e à excelência na gestão financeira e estratégica das empresas. Ao romper com um sistema complexo e ineficiente, ela redefine as bases sobre as quais a saúde financeira e o valor das organizações são avaliados.

Nesse cenário de transformação, a proatividade será a palavra de ordem. Isso implica, sobretudo, em buscar consultoria especializada com expertise nas nuances da nova legislação e seus desdobramentos práticos, além de investir significativamente na capacitação interna de suas equipes contábeis, fiscais e financeiras. A complexidade do IVA dual, a necessidade de adaptação tecnológica para o split payment e o creditamento amplo, bem como a reinterpretação dos demonstrativos e indicadores, demandam um corpo técnico apto a navegar por essas transformações. É também provável que, em um futuro próximo, órgãos normatizadores como o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) precisem se reunir para emitir orientações adicionais sobre pontos específicos de debate, como por exemplo, a forma de apresentação da Demonstração do Valor Adicionado (DVA) sob a ótica do IVA, bem como outros desdobramentos necessários, sobretudo ancorado sobre uma nova percepção do conceito de Receita Bruta.

Aqueles que anteciparem os desafios, que investirem na modernização de seus controles, sistemas e processos, e que souberem transformar dados em inteligência estratégica, não apenas cumprirão as exigências do novo arcabouço legal. Mais do que isso, posicionarão seus negócios em uma trajetória de ganhos tangíveis de eficiência, maior credibilidade perante o mercado e um incremento substancial em seu valor. A reforma, assim, se revela como uma oportunidade ímpar para redefinir as práticas de gestão, otimizar a carga tributária efetiva e pavimentar o caminho para um futuro de maior competitividade e transparência no cenário empresarial brasileiro.

É nesse contexto de contínua adaptação e aprendizado que este artigo se insere, oferecendo reflexões iniciais sobre os desdobramentos contábeis da Reforma Tributária, sem a pretensão de esgotar o tema ou as futuras diretrizes normativas dos órgãos competentes, mas contribuindo e servindo de estímulo a reflexões sobre os pontos abordados neste artigo, como outros que possam se mostrar factíveis de serem implementados. 

A pergunta final, que deve ecoar em cada conselho de administração e em cada departamento contábil-fiscal e financeiro, permanece: Como sua empresa está se preparando para aproveitar as oportunidades e mitigar os riscos dessa transformação tributária sem precedentes? O tempo para a ação é agora.

Em um próximo artigo, aprofundaremos como essa reconfiguração contábil e fiscal impactará diretamente os principais indicadores financeiros das empresas, os processos de valuation e as estratégias de Fusões e Aquisições (M&A). 

Autores: Márcio Costa.

               Anderson Fumaux.


Márcio Robson Costa é Mestre em Ciências Contábeis pela Fucape Business School, Contador — Ex Conselheiro e Vice-Presidente de Turma no CARF — Consultor Tributário. Especialista em Direito e Planejamento Tributário, dentre outras disciplinas que cursou em Pós-Graduação/MBA: Gestão Estratégica de Empresas, Finanças e Gestão Coorporativa e Controladoria e Auditoria. Professor convidado na Pós-Graduação na Mackenzie/RJ. Professor do CRC-RJ. Membro da Comissão de Assuntos Tributários do CRC-RJ e Ex Pesquisador do Grupo de Tributação do Consumo do Núcleo de Pesquisas do Mestrado (NUPEM) – IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário).

Anderson Fumaux é Mestre em Ciências Contábeis, Especialista em IFRS e Valuation, Perito Contábil no MPERJ, Diretor da AF Treinamento e Capacitação Profissional, Conselheiro da SM Holding, Professor, Autor de diversas obras, Consultor e Coordenador de MBAs.


Os artigos escritos pelos colunistas não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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