
Por Regina Krauss
A reforma tributária sobre o consumo no Brasil é uma “maratona de 42 quilômetros”. A definição é de Rogério Gallo, secretário de Fazenda do Mato Grosso desde 2018. O desafio reflete a alta dependência do país da tributação sobre o consumo, que representa de 50% a 60% da arrecadação nacional. “Qualquer alteração no cenário envolve uma complexidade econômica muito grande, porque afeta praticamente todos os setores econômicos relevantes e os três níveis federativos”, destaca Gallo.
A unificação do ICMS, ISS, PIS/Cofins e IPI sendo substituídos pelo IBS e pela CBS e criação do Imposto Seletivo não pode ser feita de maneira simples, defende Gallo. Ele observa que, embora haja ganhos de simplificação, isso ocorre dentro da complexidade inerente a um Imposto sobre Valor Agregado, que precisa antecipar todas as situações possíveis na vida real e, para evitar conflitos, essas previsões devem ser explícitas.
Fundo de Compensação
Entre os pontos mais sensíveis apontados pelo secretário está o Fundo de Compensação dos Benefícios Fiscais, que visa ressarcir estados e investidores pelas perdas decorrentes da transição do ICMS para o IBS. “A partir de 2029, o ICMS será reduzido em 10% ao ano até 2032, enquanto o IBS crescerá na mesma proporção. O fundo, de até R$ 160 bilhões, foi criado para que os estados não suportem sozinhos esse ônus e para indenizar investidores que perderão benefícios fiscais”, detalha Gallo.
No entanto, o PLP 68, aprovado na Câmara, trouxe uma regulamentação considerada restritiva. Gallo alerta que os critérios propostos excluem empresas que utilizam uma prática comum em vários estados: o recolhimento para fundos estaduais de infraestrutura ou desenvolvimento econômico, realizado como contrapartida aos benefícios fiscais. “Se o recolhimento for para um fundo, a empresa não terá direito à compensação. Isso cria um contrassenso e empurra as empresas para contenciosos, sendo, provavelmente, o primeiro grande conflito da reforma tributária”, afirma.
“É como se um meteoro atingisse as áreas de tributação dos estados.”
Rogério Gallo, secretário de Fazenda de MT
A exclusão das contrapartidas ameaça uma parcela significativa das indústrias beneficiadas por incentivos fiscais. “Os estados adotaram fundos para simplificar. Em vez de exigir que a empresa construa uma estrada, creche ou hospital, elas contribuem para um fundo, e o estado aplica os recursos em infraestrutura ou políticas de desenvolvimento econômico. Essa prática deve ser reconhecida como onerosa para dar direito à indenização”, defende.
O secretário também espera que seja retirada a exigência de “ônus adicional” para justificar a concessão do benefício. É consolidada a jurisprudência que assegura o direito às isenções fiscais desde que tenham prazo certo e sejam onerosos, ou seja, que exijam uma contrapartida por parte da empresa. O Supremo Tribunal Federal considerou benefícios fiscais onerosos aqueles que dão direito adquirido à fruição até o último dia.
“Antes da PEC 132/2023, tivemos pelo menos quatro tentativas que não avançaram tanto quando conseguimos desta vez”, relembra Gallo. A unificação de tributos e o princípio da cobrança no destino trará simplificação e eficiência, porém, será preciso atentar para os regimes diferenciados e as listas e anexos que estabelecem isenção ou redução de alíquota, por exemplo. Gallo acredita que além de eliminar as fraudes, a utilização do split payment, com a separação automática do que vai para a Receita e Comitê Gestor e o que fica no caixa da empresa com apuração de crédito, vai dar ao Brasil um dos sistemas mais eficientes do mundo.
Reestruturação
O secretário analisa que a reforma exigirá uma reestruturação completa das secretarias estaduais de Fazenda, uma vez que o principal tributo dos estados, o ICMS, será extinto gradualmente até 2032, sendo substituído por novos impostos como o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). “É como se um meteoro atingisse as áreas de tributação dos estados”. No Mato Grosso, 92% da arrecadação estadual é proveniente do ICMS. “Essa área de política tributária também desaparece, porque deixa de ser estabelecida pela secretaria em conjunto com a Assembleia Legislativa e é deslocada para o Congresso Nacional e para o Comitê Gestor. A partir de agora, os contribuintes passam a ser contribuintes nacionais”.
Na Sefaz MT, grande parte da equipe já foi envolvida em grupos de trabalho nacionais para que todos se familiarizem com o novo sistema e possam, ainda, interagir e ajudar na preparação dos municípios.
Para Gallo, a transição para o IBS requer uma cooperação inédita entre estados e municípios. “O que o Paraná estiver aplicando tem que ser exatamente o que Mato Grosso vai aplicar. Não pode também haver dois fiscos analisando os mesmos fatos. Caso contrário, haverá litígio.”
Encontro marcado
Os estados exportadores, como o Mato Grosso, enfrentam um futuro desafiador. A reforma redistribuirá recursos, favorecendo regiões menos desenvolvidas, mas penalizando estados produtores. Estudos indicam que, até 2073, enquanto o PIB nacional pode crescer 150%, a arrecadação de estados como o Mato Grosso crescerá apenas 90%.
“Produzimos 25% da balança comercial brasileira, mas temos desafios imensos, como a pavimentação de 20 mil quilômetros de rodovias”, lembra. Ele enfatizou a necessidade de revisar os critérios do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que, segundo ele, desfavorecem atualmente estados exportadores e pouco populosos. A distribuição dos recursos arrecadados pelo governo federal será baseada em dois critérios: 70% destinados ao Fundo de Participação dos Estados e 30% proporcionais à população.
Gallo conclui destacando a urgência de debates sobre o federalismo fiscal no Brasil. “O Congresso Nacional tem um encontro marcado com essa discussão. Precisamos de soluções que garantam o equilíbrio entre o crescimento econômico e o financiamento público, respeitando o pacto federativo sem que nenhum estado precise ficar implorando repasse com um pires na mão.” Federalismo fiscal é, antes de tudo, como os recursos públicos são distribuídos entre os entes da federação, defende.
“Este foi o acordo possível. Não tinha como encurtar a transição porque a conta ficaria muito alta para indenizar todas as empresas que têm benefícios fiscais onerosos com prazo certo até 2032. São números da ordem de trilhão de reais”, afirma. Diante do cenário de 50 anos até que a reforma esteja completamente implementada, Rogério Gallo destaca a necessidade de que empresas e fiscos mantenham resiliência e cautela em cada decisão, já que, a partir de agora, todos os impactos serão diretos e visíveis para toda a população.
Rogério Gallo é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Mestre em Direito pela UFMT. Professor da Pós-Graduação da UFMT. Também possui pós-graduação em Direito Tributário pelo IBET e pela UFMT. É Procurador do Estado de Mato Grosso desde 2002. Exerce o cargo de Secretário da Fazenda de Mato Grosso desde 17 de janeiro de 2018. Foi Procurador Geral do Estado entre 2017 e 2018 e Procurador Geral do Município de Cuiabá de 2013 a 2016.