Serviços em alerta: como a reforma tributária pode aumentar custos e mudar a dinâmica competitiva do setor  

Leandro Ferreira via LinkedIn

Por Leandro Ferreira

Principal transformação estrutural do ambiente fiscal brasileiro nas últimas décadas, a Reforma Tributária promete alterar de modo significativo a dinâmica entre os diferentes setores da economia. E, por mais que as mudanças propostas busquem por simplificação e neutralidade, esse movimento não caminha isento de impactos – com a perspectiva é a de que esses desafios não sejam distribuídos uniformemente.  

Entre os mais afetados pelas novas disposições está o setor de serviços, fundamental para geração de empregos e atualmente responsável por cerca de 70% do PIB brasileiro – de acordo com informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Para este setor certamente teremos um impacto no aumento no preço dos serviços repassados ao consumidor final, o que pode gerar um impacto relevante, por exemplo, na inflação. 

Isso porque, tratando-se de um setor que reúne atividades intensivas em mão de obra e com menor cadeia de insumos, a mudança trazida pelo novo modelo de tributação sobre o consumo – com a criação do IVA dual (IBS e CBS) – pode gerar efeitos negativos, e questões críticas acerca de competitividade, repasse de custos e necessidade de adaptação das empresas no centro do debate.   

Uma nova realidade com seus novos desafios

Para empresas do setor, atentar-se às discussões referentes à Reforma não é apenas uma recomendação, mas uma questão de adaptação e sobrevivência ao novo cenário que se desenha.  

Basicamente, o novo sistema reformula os impostos que incidem sobre o consumo e sobre a venda de mercadorias e serviços: unifica os atuais PIS, Cofins, IPI (parcial), ICMS e ISS em dois novos tributos, o IBS e a CBS que compõem, conforme citado acima, o IVA dual, com uma alíquota unificada. Contudo, apesar de apontar em direção a uma simplificação, na apuração de tributos, o que é discutível sob alguns aspectos, a mudança pode e tende a resultar em aumento da carga tributária para estes contribuintes. 

Atualmente, a soma das alíquotas dos cinco impostos para o setor de serviços é de aproximadamente 8,65%. Com a sanção da lei regulamentadora da Reforma Tributária, o Governo Federal estima que a alíquota geral do IVA ficará entre  28% e 29%  – com a expectativa que chegue em 26,5% até 2031, o que ainda não é um consenso, após ajustes durante o período de transição.  

Isso posto, além do aumento da carga tributária, outro ponto que merece atenção diz respeito à possibilidade de abatimento de créditos fiscais. Como um pilar estruturante da reforma, o princípio da não cumulatividade permite que o contribuinte desconte crédito sobre aquisições de bens e serviços nas etapas anteriores da cadeia de produção.  Contudo, no setor de serviços, a principal matéria-prima é o capital humano e o maior custo das empresas reside na folha de pagamento – lembrando que despesas com salários e demais custos trabalhistas não geram créditos de IBS e CBS. 

É um contexto, portanto, de desequilíbrio fiscal e estrutural: enquanto a indústria, por exemplo, poderá deduzir boa parte de seus tributos, despesas decorrentes de negócios como de consultoria, tecnologia da informação, advocacia, saúde, dentre outros insumos, o setor de serviços, por ter uma cadeia “produtiva” menos extensa e muito mais focada em despesas com capital humano, certamente será prejudicada pela Reforma Tributária. 

Em adição, por mais que o modelo baseado no IVA dual unifique os tributos e busque simplificar a apuração de impostos, a adoção de diferentes alíquotas para setores específicos abre espaço para a criação de novas complexidades no setor de serviços. Saúde, educação, cultura e determinados profissionais regulamentados, por exemplo, foram contemplados com isenções ou reduções, o que não se repete para outras atividades que permanecem, portanto, sujeitas à alíquota padrão.   

Esse conjunto de novas disposições tende, assim, a criar um contexto confuso para prestadores que já têm de se adaptar a um cenário de margens apertadas e dependência de mão de obra; fato que dificulta a previsibilidade de custos do negócio e seu planejamento estratégico.   

Essa multiplicidade de variantes pode, ao contrário do que propõe a Reforma, repetir um cenário que se assemelha ao atual, senão pior: empresas gastando tempo e recursos preciosos apenas para poder interpretar e cumprir as normas, com o risco de novos litígios. Além disso, a concessão de benefícios a determinados segmentos pode resultar em alíquotas maiores para outros, para compensar a arrecadação e quebrando, em última instância, o princípio da neutralidade.   

Um olhar estratégico  

Como se sabe, a Reforma traz não só a expectativa de redistribuição da carga tributária – e a simplificação do sistema como um todo –, mas também a necessidade de adaptação das empresas a um novo ambiente regulatório, que manterá, aparentemente, parte de suas complexidades e adicionar outras.   

Neste contexto, mais do que acompanhar as discussões e evoluções na regulamentação, negócios do setor de serviços deverão rever, também, seus próprios modelos de operação com um olhar mais atento, por exemplo, para o avanço na jornada de digitalização das empresas.   

Soluções para ganho de eficiência operacional e automação, por exemplo, podem ser de grande valor, sobretudo para compensar o possível aumento de custos tributários e de modo a reduzir a dependência de processos manuais. A revisão de modelos de precificação, fluxo de caixa, fornecedores e contratos também tende a ser um vetor decisivo com foco no equilíbrio da sustentabilidade financeira das organizações.  

Nessa esteira estratégica, a consolidação de práticas de compliance tributário é indispensável, de modo que se possa compreender as nuances das alíquotas e identificar oportunidades de crédito, a fim de também evitar riscos jurídicos.   

Por fim, mesmo que envolto em incertezas, o atual cenário pode e deve servir de mote para que as empresas de serviços acelerem sua transformação – cultural, de processos e de governança –, adotando novas ferramentas e estratégias que lhes permitam garantir resiliência e protagonismo nesse novo ciclo econômico e tributário.   


Leandro Ferreira é sócio especialista em Revisão e Planejamento Tributário no Ferreira & Vuono Advogados.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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