
Por Vitor Canivello
Ao final do ano passado, publiquei um artigo refletindo sobre os impactos sociais da Reforma Tributária e levantando a possibilidade de um novo êxodo industrial no Brasil. A repercussão do texto e os avanços no processo de regulamentação reforçaram em mim o desejo de aprofundar o tema — desta vez, com a ajuda de uma Inteligência Artificial.
A seguir, compartilho os principais trechos dessa conversa provocadora, na qual busquei explorar os efeitos esperados da nova lógica tributária sobre a indústria nacional, especialmente no que diz respeito à redistribuição geográfica da atividade econômica e à redefinição dos critérios de competitividade regional.
Vitor Canivello: Você pode explicar, de forma resumida, como a Reforma Tributária muda o modelo de arrecadação e por que isso pode afetar a indústria?
IA: Sim. A Reforma Tributária substitui a lógica de arrecadação “na origem” por uma estrutura baseada no “destino”. Isso significa que os tributos passarão a ser arrecadados no local de consumo final, e não mais no local de produção. Essa mudança impacta a indústria porque, até então, muitos investimentos industriais foram direcionados a estados que ofereciam incentivos fiscais. Sem esses benefícios, e com a arrecadação indo para o estado consumidor, empresas passarão a repensar sua localização com base em eficiência logística, acesso ao mercado consumidor e infraestrutura.
Vitor Canivello: Por que a mudança para o princípio do destino pode alterar as regiões mais industrializadas do país?
IA: Porque boa parte da industrialização brasileira se concentrou em estados que usaram incentivos fiscais para atrair empresas — muitos deles fora dos maiores centros consumidores. Com a tributação no destino, esses estados deixam de receber a arrecadação que antes justificava tais políticas. Além disso, empresas que hoje operam longe dos grandes mercados devem reavaliar seus custos com transporte, armazenagem e tempo de entrega, já que a nova lógica tributária não favorece mais manter fábricas afastadas da base consumidora. Isso tende a reposicionar o mapa da produção nacional.
Vitor Canivello: O conceito de “êxodo industrial” é exagerado ou faz sentido dentro do novo modelo tributário?
IA: Faz sentido, desde que entendido como um movimento gradual de realocação ou racionalização industrial. Com o fim dos incentivos e a arrecadação concentrada no destino, regiões que antes ofereciam vantagens artificiais podem se tornar menos competitivas. O resultado provável não é o fechamento imediato de fábricas, mas uma diminuição de investimentos, desativações ao longo do tempo e concentração da produção em áreas mais próximas ao consumo ou com melhor infraestrutura logística.
Vitor Canivello: Quais setores industriais tendem a ser mais impactados negativamente com a nova lógica tributária?
IA: Os setores mais impactados serão aqueles que possuem cadeias produtivas complexas e dependem de incentivos fiscais para viabilidade econômica, como o automotivo, eletroeletrônico, metalúrgico, químico e farmacêutico. Indústrias fortemente instaladas em regiões que utilizavam a guerra fiscal para atrair negócios deverão reavaliar suas localizações. Empresas que dependem de escoamento eficiente e margem apertada podem sofrer perdas se permanecerem em locais com logística desfavorável e sem incentivos para compensar.
Vitor Canivello: Quais estados ou regiões devem se beneficiar com a tributação no destino e o fim dos incentivos fiscais? E quais devem sair prejudicadas?
IA: Estados com forte consumo interno e maior formalização econômica, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais, tendem a se beneficiar, pois receberão a arrecadação gerada localmente. Além disso, esses estados oferecem melhor infraestrutura, mão de obra qualificada e maior proximidade dos centros logísticos. Já estados cuja competitividade industrial dependia de incentivos fiscais — como Bahia, Goiás, Amazonas, Espírito Santo e partes do Norte e Centro-Oeste — podem ser prejudicados. A perda de arrecadação e de atratividade para novos investimentos industriais tende a afetar a economia local, especialmente onde os custos logísticos são mais altos.
Vitor Canivello: Quais regiões do país serão mais impactadas positivamente e negativamente pela Reforma?
IA: Positivamente, as regiões Sudeste e Sul, em especial os estados com maior renda per capita e volume de consumo formal, devem colher os principais benefícios. O poder de compra do Sul, apesar da população menor, é mais elevado que o de outras regiões, o que gera uma base de arrecadação mais expressiva. Além disso, o custo logístico nessas regiões é mais competitivo. Negativamente, partes do Nordeste, Norte e Centro-Oeste que dependem de incentivos e estão longe dos principais centros consumidores podem enfrentar perdas. A distância física dos mercados mais relevantes eleva o custo de transporte e reduz a competitividade dessas regiões, agora sem o apoio fiscal que antes compensava essas desvantagens.
Vitor Canivello: A Reforma prevê mecanismos de compensação para os estados e municípios que perderem arrecadação. Isso é suficiente?
IA: A Reforma prevê, sim, mecanismos de compensação. O Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCA) foi criado para amenizar as perdas dos estados que concederam incentivos no passado. Já o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) tem como objetivo fomentar o crescimento em regiões menos desenvolvidas, atraindo investimentos com base em critérios técnicos e estratégicos. Embora esses mecanismos representem um avanço em relação ao modelo anterior, há dúvidas importantes quanto à suficiência dos valores, à governança dos fundos e à efetividade na distribuição. Além disso, como os aportes serão feitos ao longo de duas décadas, os efeitos positivos podem demorar a aparecer, enquanto os impactos negativos da perda de arrecadação e competitividade tendem a ser sentidos de forma mais imediata. Portanto, os fundos ajudam, mas não garantem sozinhos uma transição equilibrada. Eles precisam ser acompanhados de planejamento, gestão técnica e coordenação federativa eficaz.
Vitor Canivello: Como você avalia o papel da governança federativa nos próximos anos? Há risco de judicialização ou conflitos entre estados?
IA: O risco de conflito é real. A Reforma exige uma governança compartilhada e altamente coordenada, o que é um desafio em um país com tantas disparidades regionais. A atuação do Comitê Gestor do IBS, responsável pela arrecadação e distribuição do novo tributo, será decisiva. Se a gestão for politizada ou ineficiente, estados podem recorrer ao STF ou buscar rediscutir cláusulas da reforma no Congresso. Além disso, municípios preocupados com a arrecadação do ISS tendem a pressionar por maior participação. A governança será um teste para o pacto federativo brasileiro.
Vitor Canivello: Como países que adotam o princípio do destino lidam com esse tipo de distorção? Há experiências internacionais que o Brasil poderia observar?
IA: Sim, há bons exemplos. Na União Europeia, o modelo do IVA funciona com arrecadação no destino, mas com compensações entre países via sistemas automatizados. Os Estados Unidos, embora com um sistema diverso, enfrentam desafios semelhantes na tributação interestadual e adotam medidas para padronizar regras e evitar guerra fiscal. O Brasil pode aprender com esses modelos, principalmente em termos de compensação entre entes, transparência nos critérios de arrecadação, simplificação de obrigações e uso de tecnologia para fiscalização e controle.
Vitor Canivello: É possível mitigar os impactos negativos sem rever o princípio do destino? Que soluções você enxerga?
IA: Sim, é possível manter o princípio do destino e ainda assim minimizar impactos negativos. Para isso, é necessário fortalecer os fundos de compensação e desenvolvimento, adotar critérios técnicos de repartição, ampliar o apoio à infraestrutura regional, estimular a inovação fora dos grandes centros e promover formação técnica para qualificar mão de obra local. Além disso, o planejamento tributário e logístico das empresas pode ser incentivado com estabilidade regulatória, evitando surpresas que desincentivem investimentos de longo prazo. O desafio é combinar eficiência econômica com justiça federativa.
A conversa com a IA serviu para reforçar algo que já intuímos, mas que muitas vezes é simplificado nos debates públicos: a Reforma Tributária é necessária, mas não neutra. Ela traz ganhos importantes em termos de racionalidade, transparência e simplificação do sistema, mas também redistribui poder, recursos e incentivos econômicos — e isso tem consequências diretas sobre o mapa industrial do país.
O modelo de tributação no destino, combinado com o fim da guerra fiscal, tem potencial para provocar um reposicionamento estratégico das indústrias, que poderão buscar maior proximidade com o mercado consumidor e melhores condições logísticas, independentemente das fronteiras estaduais. Isso representa uma mudança estrutural profunda, cujos efeitos se estenderão por décadas.
Se queremos evitar um novo êxodo industrial — ou pelo menos mitigar seus impactos —, será preciso mais do que fundos de compensação. Será necessário planejamento regional, políticas públicas integradas e um pacto federativo funcional, capaz de equilibrar os ganhos e as perdas da transição. O desafio não está apenas na legislação, mas na capacidade de execução e na maturidade institucional do país.
A Reforma está aprovada, mas o futuro ainda está em disputa. E cabe a nós — gestores, analistas, empresários e cidadãos — acompanhar, questionar e participar ativamente da sua implementação.
Vitor Canivello é administrador e contador, especialista em Gestão de Pessoas e Direito Tributário. Atualmente, é Tax Manager na EY.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.