
Por Lilian Ribeiro
Sabe aquela sensação de estar na faculdade, chegar no último dia de prazo e perceber que não faz ideia do que precisava entregar? Você olha para os lados, pergunta para os colegas, pesquisa com o professor, e cada um fala uma coisa diferente. Afinal, ninguém sabe ao certo qual é o trabalho final.
É exatamente assim que muitas incorporadoras, construtoras e imobiliárias estão se sentindo diante da Reforma Tributária:
“O que eu preciso entregar para 2026? O que está sendo cobrado?”
Estamos em setembro de 2025 e já temos normativos importantes publicados, mas muita coisa ainda está em aberto, especialmente quanto à DERE (Declaração Eletrônica de Regimes Específicos). A boa notícia é que algumas direções já estão claras; a ruim é que as perguntas ainda são mais numerosas do que as respostas.
Veja o que já temos e o que ainda está por vir:
1. O que já está definido: CIB, valor de referência e notas fiscais
A IN RFB nº 2.275/2025, de agosto de 2025, instituiu o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) como identificador único de cada imóvel, urbano ou rural, com integração obrigatória ao SINTER. Até dezembro deste ano, todo terreno, unidade, lote ou SPE deverá estar vinculado a um CIB – Pense nele como um “CNPJ/CPF do imóvel”, e a SPE sem o CIB simplesmente não é identificada fiscalmente.
Essa mesma IN trouxe outro elemento crucial: o valor de referência, uma métrica calculada com base em preços de mercado e dados de registros públicos. Esse valor não é apenas ilustrativo: ele será utilizado em diversas aplicações da LC 214/2025, como na definição do redutor de ajuste que vinculará o valor do imóvel para dedução futura na apuração do IBS e da CBS. A partir de 2027, o contribuinte poderá optar entre usar o custo de aquisição atualizado ou o valor de referência como “valor inicial” do redutor em imóveis adquiridos até 31/12/2026. Isso significa que, já em 2026, será estratégico organizar seus CIBs e acompanhar os valores de referência atribuídos, pois eles servirão como base de cálculo e impacto direto na carga tributária futura.
No campo documental, a Nota Técnica 2025.002-RTC (NF-e/NFC-e) e o RTC da NFS-e nacional trouxeram os novos leiautes para IBS, CBS e Imposto Seletivo, com campos por item: alíquota, base de cálculo, CST, cClassTrib e indicadores específicos. Para o setor imobiliário, já existem códigos dedicados: 200046 (operações com bens imóveis), 200027 (locação/cessão/arrendamento), 220003 (alienação por parcelamento do solo) e os redutores sociais 210001–210003.
Mesmo que haja alguma dispensa pontual de emissão de documentos fiscais em 2026 para o setor, hipótese ainda não regulamentada, todas as empresas receberão notas fiscais de fornecedores com esses novos campos. Isso exige capacidade imediata de leitura, interpretação e contabilização das novas nomenclaturas, já que pela primeira vez essas entradas impactarão diretamente créditos, débitos e a linha final do resultado e margem de lucro.
2. Regras setoriais: regimes, redutores e desafios práticos
A LC 214/2025 redesenhou o tratamento do setor imobiliário e de construção, com regimes e redutores específicos:
- Venda de unidades de incorporação e parcelamento do solo → regime de caixa (art. 262): o imposto só se apura no recebimento efetivo e com redutor de 50%. Isso muda a lógica atual, pois até hoje o regime era definido pelo enquadramento do IRPJ (lucro presumido/Simples podiam adotar caixa; lucro real, competência). Agora, a regra é por atividade, não pelo regime de tributação.
- Serviços de construção civil → regra geral de competência, com o fato gerador no fornecimento (execução concluída ou medições parciais), e com redutor de 50%.
- Serviços de intermediação imobiliária (corretagem e administração) → também seguem a lógica do regime de caixa e com redutor de 50%.
- Locação, cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis próprios → regime de caixa, mas com redutor de 70% (art. 261).
Na prática, uma mesma empresa poderá, simultaneamente:
- apurar recebimentos de incorporação em regime de caixa,
- tributar serviços de obra e intermediação em competência com redutor de 50%,
- aplicar redutor de 70% sobre locações.
Isso exige controles internos segregados por atividade e por empreendimento, sob pena de inconsistência fiscal.
4. E a tão falada DERE?
A Declaração Eletrônica de Regimes Específicos (DERE) segue como grande incógnita. O que se sabe até agora:
- O sistema está em desenvolvimento,
- Será voltada especialmente para setores com regimes diferenciados/específicos
- Mas não há leiaute, prazo ou regulamentação específica publicada.
Na prática, o mais provável é que 2026 já traga a obrigação de emitir NF-e/NFS-e para aqueles já emitem hoje, e a DERE venha como obrigação acessória complementar, sem substituir a nota fiscal. Para o setor imobiliário, até o momento, não existe norma oficial confirmando sua aplicação para o setor e em 2026.
5. O que sua empresa pode e deve fazer já em 2025
Mesmo sem todas as respostas, o cenário exige preparação imediata. Aqui está o checklist mínimo:
- Organizar o CIB de cada imóvel (SPEs, unidades, terrenos).
- Monitorar os valores de referência, pois eles servirão de base para o redutor de ajuste a partir de 2027.
- Parametrizar sistemas internos para leitura de NF-e/NFS-e com IBS/CBS, validando corretamente CST, cClassTrib, bases e alíquotas.
- Segregar atividades por regime (caixa ou competência), conforme cada operação.
- Treinar a equipe para interpretar os novos códigos e leiautes, já que em 2026 você receberá e precisará contabilizar documentos fiscais nesse padrão.
- Acompanhar a implantação da NFS-e nacional nos municípios, especialmente em serviços de construção, intermediação e administração imobiliária.
Conclusão
A Reforma Tributária já tem suas fundações erguidas: CIB, valor de referência, regimes específicos e novos leiautes fiscais. Mas as paredes ainda estão sendo levantadas, e a planta final, especialmente quanto à DERE, segue em aberto.
O que está claro é que 2026 não será um ano de espera, mas de adaptação prática. As empresas que se organizarem desde já terão tranquilidade para atravessar a transição; as que não se prepararem, enfrentarão caos e perda de competitividade.
No setor imobiliário, como em qualquer grande obra, o segredo está na preparação: projeto bem feito, execução no prazo e controle fino de cada detalhe.
Se este conteúdo ajudou a clarear os próximos passos, siga acompanhando nossas atualizações. Cada semana trará novas definições e ajustes, e manter-se informado pode ser o diferencial para transformar desafios em oportunidades.
Lilian Ribeiro é sócia fundadora e advogada do Ribeiro Silva Advogados, onde lidera a área Tributária. Com mais de 10 anos de atuação no direito tributário, sua expertise se destaca em projetos de Reestruturação Empresarial, Planejamento Tributário e Estruturação de Operações e Negócios, com foco estratégico no mercado imobiliário
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.