
A Lei Complementar nº 214/2025 trouxe a regulamentação da reforma tributária sobre o consumo e, ao instituir os 2 novos tributos, a saber, o IBS e a CBS, evidenciou a principal característica destes novos tributos: a incidência ampla – e não mais fragmentada – sobre uma base idêntica.
Todas as operações onerosas com bens e serviços[1] serão tributadas pelo IBS/CBS, com algumas exceções, trazendo maior simplicidade com a redução do número de leis e custos com conformidade; e promovendo maior justiça fiscal, já que tanto bens quanto serviços serão tributados da mesma forma, reduzindo os atuais conflitos de competência entre Estados e Municípios[2].
De acordo com o artigo 4º da lei complementar, o IBS/CBS incidirão sobre todas as operações onerosas, sendo que a norma trouxe uma lista exemplificativa, incluindo (i) compra e venda, troca ou permuta, dação em pagamento e outras espécies de alienação; (ii) locação; (iii) licenciamento, concessão ou cessão; (iv) mútuo oneroso; (v) doação com contraprestação em benefício do doador; (vi) instituição onerosa de direitos reais; (v) arrendamento, inclusive mercantil; e (vi) prestação de serviços; e, além disso, reforçou que operações realizadas com ativo não circulante ou no exercício de atividade econômica não habitual (atividades esporádicas) também estão no campo de incidência.
Olhando para a lista exemplificativa, nos chama atenção o fato de que a doação com contraprestação em benefício do doador será tributada pelo IBS/CBS. Ou seja, além das alterações sobre as regras do ITCMD[3] e que, portanto, impactam as doações, os contribuintes do IBS/CBS deverão avaliar situações de doação com encargo, remuneratória ou condicional. Daí a importância de extrairmos o conceito de onerosidade não só para esta hipótese específica, mas para outras que passarão a se sujeitar ao IBS/CBS em razão da ampla incidência tributária.
“Por mais que a incidência ampla e a identidade do IBS/CBS reduzam a infinidade de disputas do nosso contencioso tributário, há novas situações e controvérsias com potencial de gerarem autuações fiscais ou um novo contencioso.”
Uma outra situação já objeto de controvérsia com relação aos tributos federais (PIS, COFINS, IRPJ, CSLL, ISS) e que possivelmente gerará controvérsias com a reforma tributária. A eventual tributação pelo IBS/CBS dos valores recebidos pelas empresas centralizadoras de empresas do mesmo grupo econômico em razão do compartilhamento de custos e despesas decorrentes de atividades de “back office”[4].
O parágrafo 3º do artigo 4º da Lei Complementar nº 214/2025 prevê que, para a tributação de operações onerosas, é irrelevante a forma do negócio jurídico ou a obtenção de lucro. Tal previsão permitiria afirmar que os valores recebidos em decorrência de um compartilhamento de custos e de despesas estaria sujeito ao IBS/CBS, ainda que se trate de um reembolso de despesa. O assunto encontra-se analisado de forma excelente em artigo de Sérgio André Rocha e Diogo Olm Ferreira intitulado “Compartilhamento de custos em grupos empresariais: tratamento para o IBS e a CBS”, publicado no Consultor Jurídico.
A questão se coloca sob o prisma da sua onerosidade (contraprestação, reembolso e existência de lucro), mas também pode ser tratada com base na acepção de que são tributos que incidem também sobre operações não onerosas.
De acordo como artigo 5º da LC 214/2025, o IBS/CBS também incidem sobre operações não onerosas, definidas em lei complementar[5], como operações entre partes relacionadas, inclusive quando não há onerosidade ou quando os valores praticados são inferiores às práticas de mercado. Assim, cabem às empresas avaliarem a manutenção dos contratos de compartilhamento de custos e despesas com a vinda da reforma tributária.
Além da questão posta acima, destacamos também que, dentre as operações não onerosas, a lei complementar trouxe o fornecimento de brindes e bonificações, exceto aquelas que estejam destacados no documento fiscal e não dependam de evento posterior. Atualmente, os contribuintes, especialmente do setor do varejo, discutem se os valores recebidos no bojo de contratos de descontos comerciais seriam receita para fins da incidência de PIS e COFINS em razão dos conceitos de “descontos incondicionais” e “condicionalidade”, sendo que há precedente favorável do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo ser um redutor de custo e não uma receita tributável[6].
É um ponto que merece atenção das empresas, especialmente porque há setores que utilizam sistemas de descontos como parte de suas estratégias comerciais quando da aquisição de produtos pelos seus fornecedores.
Por fim, mas ciente de que não estamos esgotando o tema, a regulamentação prevê a incidência de CBS/IBS em operações de redução de capital que, atualmente, são consideradas operações neutras, ao prescrever a incidência dos novos tributos sobre “transmissão, pelo contribuinte, para sócio ou acionista que não seja contribuinte no regime regular, por devolução de capital, dividendos in natura ou de outra forma, de bens cuja aquisição tenham permitido a apropriação de créditos pelo contribuinte, inclusive na produção”, com as exceções previstas no artigo 6º[7].
Finalizamos este artigo destacando que, por mais que a incidência ampla e a identidade do IBS/CBS reduzam a infinidade de disputas do nosso contencioso tributário, há novas situações e controvérsias com potencial de gerarem autuações fiscais ou um novo contencioso. Devemos nos ater aos princípios informadores da reforma tributária e ao artigo 110[8] do Código Tributário Nacional (CTN), que continuará sendo um grande aliado nos limites necessários para que prevaleça os conceitos de direito privado, em prol da segurança jurídica e visando evitar abusos.
[1] Móveis, imóveis, materiais, imateriais (incluindo energias com valor econômico), inclusive direitos
[2] Tivemos disputas emblemáticas como a tributação de softwares e outras ainda sem definição no setor de construção civil.
[3] Progressividade da alíquota de ITCMD: Alteração trazida pelo artigo 1º da EC 132/23, que modificou o art. 155, §1º, da CF/88, com a inclusão do inciso “VI”: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; § 1º O imposto previsto no inciso I: VI – será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação“.
[5] A saber, (i) fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços; (ii) fornecimento de brindes e bonificações; (iii) transmissão de bens pelo contribuinte para sócio ou acionista que não seja contribuinte do IBS/CBS, por devolução de capital, dividendos in natura ou outra forma; e (iv) demais fornecimentos não onerosos ou a valor inferior ao de mercado de bens ou serviços por contribuinte a parte relacionada (controlador, controlada, coligada, e demais entidades definidas na lei, podendo ser física, jurídica ou sem personalidade jurídica)
[6] Recurso Especial nº 1.836.082, de 21/06/2023, da Primeira Turma do E. STJ, relatoria da Ministra Regina Helena Costa.
[7] “Art. 6º O IBS e a CBS não incidem sobre:
(…)
III – baixa, liquidação e transmissão, incluindo alienação, de participação societária, ressalvado o disposto no inciso III do caput do art. 5º desta Lei Complementar;
IV – transmissão de bens em decorrência de fusão, cisão e incorporação e de integralização e devolução de capital, ressalvado o disposto no inciso III do caput do art. 5º desta Lei Complementar”.
[8] “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Fernanda Ramos Pazello é sócia da área tributária de Tozzini Freire, especialista e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, co-fundadora do Women in Tax Brazil, membro das Comissões da OAB/SP e IASP/SP.
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Este artigo foi publicado anteriormente na 3ª edição da Revista da Reforma Tributária. Clique aqui para assinar e receber as próximas edições.