Antecipei um título na reforma, e agora? Reflexões sobre operações com factorings e securitizadoras

Reprodução: Freepik.

Por Bruno Bubani e Jefferson Oliveira, do Tax is Cool Plus

Uma prática muito comum no mercado é a realização da liquidação antecipada de recebíveis e desconto de títulos. A liquidação antecipada de recebíveis e desconto de títulos consiste na inclusão de um novo elemento, C (factoring, etc), na operação realizada entre B (vendedor, fornecedor, prestador de serviço) e A (cliente), através da qual C antecipa com deságio(desconto) à B os valores a vencer, ou até vencidos, devidos por A originalmente à B, passando C a ser detentor do direito de receber de A os valores, inclusive multas e juros.

Em que pese seja comum e relativamente simples (A compra de B e paga para C; B vende para A e recebe de C), essa operação possui mecanismos jurídicos e financeiros que serão impactados à luz das disposições da Lei Complementar 214/25 e que, talvez, ainda precisem de regulamentação para trazer mais segurança e transparência.

Segundo o artigo 182 da LC 214/25, as operações de factoring e antecipação de recebíveis constituem serviços financeiros sujeitos à incidência do IBS e da CBS, de modo que na operação descrita acima passaremos a ter, no mínimo, dois fatos geradores independentes: 

1º Fato Gerador: operação de venda de B para A

– Sujeito passivo: B

– Sujeito ativo: Estado/Município de A

– Base de cálculo: Valor da operação de B para A

– Alíquota: Definida pelo Estado/Município de A

2º Fato Gerador: operação de antecipação de C para B

– Sujeito passivo: C

– Sujeito ativo: Estado/Município de B

– Base de cálculo: Deságio de C para B – despesas (art. 193, §1º)

– Alíquota: Definida pelo Estado/Município de B

Acontece que, o art. 12, §1º da Lei Complementar nº 214 estabelece que o valor da operação compreende todo o montante cobrado pelo fornecedor, incluindo juros, multas e encargos. Isso significa que, se o cliente (A) atrasar o pagamento, os acréscimos também integrarão a base de IBS e CBS, o que, se não for feito automaticamente, demandará um ajuste pelo sujeito passivo.

Conforme Nota Técnica 2025.002, a nota de débito/crédito deve ser emitida para fins de ajustes, sendo obrigatório a vinculação da nota fiscal de origem:

Se NF-e de crédito (tag: finNFe=5) e tpNFCredito=”01-Multa e juros” ou tpNFCredito=”03-Retorno”:

 – Chave de acesso referenciada deve estar autorizada existir e não estar cancelada.

Nota Explicativa: Em operação entre empresas, o fornecedor pode cobrar multa e juros do cliente e no valor cobrado de juros e multas, incide o IBS e a CBS. O fornecedor deve emitir uma nota de débito do tipo “multa e juros” para que o adquirente do regime regular possa se creditar do valor pago. Caso o fornecedor não emita a nota de débito, o adquirente tem como alternativa emitir uma nota de crédito, do tipo ”01-Multa e juros” para se creditar. Esse crédito é condicionado à emissão do evento “Aceite de débito na apuração por emissão de nota de crédito” pelo fornecedor e a quitação do débito correspondente em sua apuração.

Em uma operação exclusivamente entre A e B, o atraso de A ensejaria a incidência de multa e juros a serem pagos à B, sobre os quais incidirão IBS e CBS automaticamente ou por meio de ajuste de débito por B. Ocorre que, havendo a antecipação de valores de C à B, C se subsume nos direitos do credor, passando a deter o direito ao recebimento integral dos valores devidos por A à B, inclusive aqueles oriundos da mora (juros e multas).

Não restam dúvidas de que as multas e juros se sujeitarão à incidência do IBS/CBS, porém, nas hipóteses de antecipação ainda não está claro se o sujeito passivo a quem competirá emitir a nota de ajuste de débito sobre os encargos moratórios será B ou C, bem como as consequências disso.

Quanto à problemática da sujeição passiva, identificamos as seguintes hipóteses:

1ª hipótese – uma vez que os juros e multa compõe o valor da operação, que efetivamente ocorreu entre B e A, ainda que o título de crédito tenha sido cedido por B à C, com todos os riscos e direitos; quando da liquidação por A com atraso, caberá à B o controle e a emissão do ajuste de débito de IBS/CBS. 

Nesse caso, considera-se que o valor da multa e dos juros irá compor o valor da operação realizada entre B e A, onde B figurou como sujeito passivo da obrigação tributária, de modo que, seguindo os acessórios o principal, B continuará figurando como sujeito passivo (e haja controle, governança e compliance para acompanhar essas movimentações de títulos antecipados sob guarida de outras empresas). 

Porém, fica a reflexão, se o fato gerador que atrai a incidência do IBS e da CBS sobre os encargos de mora só se realiza quando o detentor do título já não é mais B, e sim C, deverá B ser mantido como sujeito passivo da obrigação tributária nascida sob titularidade de C?

2ª hipótese – a operação entre C (factoring) e B (vendedor, fornecedor, prestador de serviço) deslocaria a sujeição passiva do IBS e da CBS sobre a mora de B para C, porquanto será C o titular do instrumento de crédito e detentor do direito de recebimento desses valores e, portanto, o sujeito passivo da obrigação tributária que nasceria com a mora, sujeitando-se à obrigação de emissão do ajuste de débito quando houver a liquidação do título por A. Ocorre que essa opção ainda poderá trazer impactos relevantes quanto à alíquota incidente e ao sujeito ativo da obrigação tributária.

Caso se entenda pela segunda hipótese, e pelo deslocamento da sujeição passiva de B para C, algumas lacunas também precisarão ser preenchidas: a alíquota de IBS/CBS também irá alterar de acordo com a atividade de B e C? Vai surgir uma nova relação entre C e A

Para além desses problemas, a própria operacionalização e precificação dos serviços de factoring e securitização deverá sofrer grandes mudanças com a incidência dos tributos por fora e o splitpayment, por exemplo, sobre qual valor ocorrerá o deságio e qual valor será antecipado? Com IBS/CBS ou sem? 

– Caso seja com tributos, as factorings e securitizadoras agora assumirão riscos de inadimplência tanto por A quanto por B, uma vez que caso B seja inadimplente em seus tributos, o valor que C eventualmente vier a receber de A será reduzido pelo splitpayment.

Título: R$ 1.000,00 | R$ 900,00 operação + R$ 100,00 IBS/CBS.

Deságio 20% s/ título: R$ 200,00 | Valor antecipado R$ 800,00. 

B inadimplente perante fisco | C recebe de A apenas R$ 900,00 | R$ 100,00 “splitado”.

Deságio sobre valor recebido arredondado 11%.

– Caso seja sem tributos, as empresas que antecipam valores com factorings e securitizadoras terão ainda menos capacidade financeira, pois o deságio ocorrerá sobre o valor “grossapado”. Porém, sendo B adimplente em seus tributos, quando da liquidação por A, C receberá o valor integral, sem splitpayment. 

Título: R$ 1.000,00 | R$ 900,00 operação + R$ 100,00 IBS/CBS.

Deságio 20% s/ gross up: R$ 180,00 | Valor antecipado R$ 720,00. 

B adimplente perante fisco | C recebe de A R$ 1.000,00.

Deságio sobre valor recebido 28%.

E nas hipóteses em que B quite o débito do período ou seja saldo credor e A quite o título com C mas o splitpayment ocorra de forma indevida, pelo tempo necessário de processamento das informações, quem deverá receber a restituição do splitpayment indevido em até três dias, B ou C? Se C, então teremos um reconhecimento do deslocamento da sujeição passiva?

Assim como essas, acreditamos que outras questões práticas ainda estejam sem respostas, e esperamos que o regulamento lance luz sobre isso.

A reforma tributária está obrigando às empresas a repensarem o seu modelo de negócio e operações, e não será diferente para as factorings, securitizadoras e as empresas que utilizam desses serviços. 

Esperamos que a regulamentação avance com mais detalhes sobre operações que fazem parte do dia a dia das empresas, mas enquanto isso, as empresas envolvidas nesse tipo de operação precisarão rever seus contratos e o modelo de negócio para mitigar riscos financeiros e fiscais.


Bruno Bubani é Líder do Comitê da Reforma Tributária do Tax is Cool Plus e Tax Governance Manager na PTAX | People & Tax Boutique.

Jefferson Oliveira possui mais de 18 anos na área fiscal e tributária, sendo formado em Contabilidade pela UNIESI e com MBA em Gestão Tributária e Fiscal pela Live University – Confeb. Atualmente, está como Analista Fiscal Sênior no grupo Brinquedos Estrela.

Esse artigo foi escrito por integrantes do Tax Is Cool Plus que fazem parte do Comitê de Reforma Tributária da escola.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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