
Por Enzo Bernardes
O presidente executivo do Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja), Márcio Maciel, afirmou que caso o Imposto Seletivo seja aplicado de forma descalibrada, pode afetar o mercado cervejeiro. Com isso, proporcionalmente, as cervejas de menor valor devem sofrer um impacto mais significativo.
O objetivo do Imposto Seletivo é desestimular o consumo de produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas, cigarros, refrigerantes, combustíveis fósseis e outros produtos classificados como nocivos:
“A ideia do Imposto Seletivo é você mudar comportamentos, fazendo com que empresas que poluem ou coloquem produtos que afetem de maneira negativa a saúde e o meio ambiente, façam produtos que afetem menos. Consumidores que consomem esses produtos cada vez consumam menos ou procuram alternativas que causem menos impacto”, disse.
Márcio alerta que, caso o preço da cerveja aumente, o efeito natural é que a população consuma bebidas alcoólicas de menor custo, porém de qualidade inferior e maior teor alcoólico, sendo mais prejudiciais à saúde:
“As pessoas não vão parar de beber. Elas vão procurar alguma coisa mais barata. Por isso que a questão do Imposto Seletivo não é você banir um produto. É você direcionar as pessoas para um consumo de produtos com menor externalidade negativa, no caso com menor teor alcoólico”.
Ele argumenta que a cerveja é uma das bebidas mais consumidas pelo brasileiro, não só por ser uma paixão nacional, mas também por ser bastante democrática:
“Você encontra cervejas de R$ 2; você encontra cerveja de R$ 50; você tem cerveja para todos os bolsos e todos os gostos no Brasil. Assim, você consegue ser democrático. Se você deixa a cerveja muito mais cara, ela deixa de ser democrática.”
Imposto Seletivo
Márcio explica que o Sindicerv e o setor cervejeiro de modo geral nunca se opuseram à implementação do Imposto Seletivo. Ele afirma que isso se deu a partir de um dos princípios da reforma tributária do consumo: a neutralidade de cargas.
Segundo ele, o Sindicerv nunca exigiu uma diminuição de cargas tributárias, mas sim o mantimento da carga tributária atual, sem aumentos. A cerveja no Brasil possui a maior carga tributária da América Latina (56%):
“Se você já tem a maior carga tributária da América Latina, você já tem um sistema tributário que te penaliza de produzir no estado e vender para outro. Muito pelo contrário, tem que abraçar a reforma porque ela vai simplificar. A gente tá trabalhando para que ela seja neutra”, afirma.
Ele explicou que as premissas apresentadas pelo governo parecem estar alinhadas com os princípios defendidos pelo sindicato, especialmente no que diz respeito à manutenção da carga tributária. Uma das propostas do Sindicerv é a definição de uma carga média para o setor.
Márcio afirma que, se a proposta do governo é garantir a neutralidade tributária, é fundamental que esse compromisso seja efetivamente cumprido:
“Se o presidente da República se elegeu falando que o brasileiro vai poder comer picanha e beber cerveja de novo, não faz o menor sentido a cerveja ter sua carga tributária aumentada. Especialmente, quando você está falando de um produto nacional, produzido por brasileiros e do Brasil. Um produto que é a verdadeira paixão nacional. E outro, quando a gente está falando de bebida alcoólica, é o produto que menos tem álcool dentro de um recipiente”, argumenta.
Teor alcoólico
Defendido pelo Sindicerv e implementado na reforma, o Imposto Seletivo vai definir as alíquotas a partir da taxa de teor alcoólico das bebidas: quanto maior, mais imposto deve pagar. Dessa maneira, a cerveja, bebida que tem o menor teor alcoólico, será a bebida que terá menor tributação. Essa medida segue as orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde).
Márcio destaca que, neste momento de implementação da reforma, o mais importante para as cervejarias é manter a confiança e não agir com medo:
“O que ela tem que se preparar é entender seus números, entender como a reforma vai poder melhorar o negócio dela, seja se manter ou sair do Simples. Hoje, 82% das cervejarias no Brasil estão no Simples.”
Ele explica também que, para os pequenos produtores de cerveja, que representam mais de 80% do mercado de cervejeiros, haverá uma tributação reduzida. Essa decisão foi alcançada depois de muita articulação envolvendo o sindicato e o Congresso:
“Quem está no imposto seletivo e for pequeno produtor de bebida alcoólica, cerveja, cachaça, uísque, vinho, vai pagar o imposto seletivo com redutor em cima do que aquele produto pagaria. Então, assim, vai permitir uma maior competitividade no negócio deles dentro da cadeia, dentro do setor que eles estão inseridos”, explicou.
Participação do sindicato nas decisões
Márcio reforça que a missão do Sindicerv é participar dos debates públicos levando dados técnicos para que as melhores decisões sejam tomadas. Ele diz que desde 2019, o sindicato tem o histórico de conversar com o Poder Executivo e o Legislativo para falar sobre reforma tributária.
O sindicato representa 85% do mercado de cerveja, e duas de suas principais associadas são empresas globais: Ambev e Heineken. Essas duas empresas fizeram um estudo aprofundado de como se pratica o Imposto Seletivo ao redor do mundo, que existe desde o século XIX, na Inglaterra:
“O Imposto Seletivo não é novo nem a progressividade. Então a gente estudou e viu que recomendação da OMS, da OCDE, Banco Mundial, FMI, os reguladores financeiros, regulador de saúde, regulador geral, de políticas públicas, recomendam que a melhor forma de você afastar o consumo nocivo de bebida alcoólica é você tributar de maneira progressiva as bebidas”, disse.
Países como França, Alemanha e Estados Unidos utilizam a tributação progressiva. A partir disso, o sindicato estudou a aplicação do Imposto Seletivo em outros países, traduziu os materiais e as levou às discussões.
O princípio da tributação por teor alcoólico já estava, inicialmente no PLP 68, e posteriormente passou por ajustes propostos pelo Sindicerv:
“A gente fez discussão técnica, levamos posicionamentos. O mesmo posicionamento que a gente levou para o Ministério da Fazenda, para a Sert, para o Congresso, a gente defendeu em audiência pública. Participamos de todas as audiências públicas que envolveram o imposto seletivo e falamos na imprensa. O que eu posso dizer é que a nossa forma de trabalhar foi expor o que é feito com resultados positivos no mundo inteiro. E, felizmente, eu acho que a gente teve um resultado positivo com isso”, afirmou.
A relevância da cerveja
A cerveja, além de ser uma bebida tradicional que faz parte da cultura do Brasil, estando presente em celebrações, encontros familiares, eventos esportivos e momentos de lazer, movimenta uma cadeia produtiva que gera empregos, renda e desenvolvimento econômico.
O Brasil é o 3º maior produtor de cerveja no mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos. Em 2023, 15,4 bilhões de litros de cerveja foram produzidos. Além disso, o setor contribui para 2% do PIB e gera mais de 2,5 milhões de empregos em sua cadeia produtiva.
Com a maior carga tributária da América Latina, o setor cervejeiro gerou, em 2023, mais de R$ 50 milhões de tributos pagos.
Esta reportagem foi publicada anteriormente na 3ª edição da Revista da Reforma Tributária. Clique aqui para assinar e receber as próximas edições.



