
Por Caroliny Barbosa, de São Paulo
O quinto painel da Semana de Direito Tributário da PUC-SP, realizado na manhã de quinta-feira (21), trouxe à mesa os desafios da contabilização, dos regimes especiais e dos setores sensíveis diante da Reforma Tributária.
Entre as falas que marcaram o encontro, a professora Maria Leonor Leite Vieira destacou que o Estado de São Paulo já se prepara para autuar empresas em 2026, ano em que a legislação prevê apenas testes sem arrecadação.
Para ela, a iniciativa abre caminho para judicialização em larga escala, já que ainda não há comitês instalados para julgamento administrativo. “O Estado de São Paulo já está preparado e, em 2026, vai autuar as empresas. Nós vamos judicializar tudo, porque não tem comitê ainda para julgar”, afirmou.
Contabilização do IBS e CBS ainda sem consenso
O professor Edison Fernandes ressaltou a ausência de definições sobre como IBS e CBS deverão ser registrados na contabilidade das empresas. O tema, segundo ele, pode gerar interpretações distintas e impactos práticos em licitações, contratos e índices financeiros.
“Podemos ter duas empresas registrando de maneiras diferentes, e isso impacta índices usados em licitações ou cláusulas de crédito bancário”, afirmou. Ele acrescentou que a falta de orientação formal pode levar a soluções diversas até que o mercado encontre um padrão: “Algumas pessoas estão esperando um documento oficial, mas, se houver convergência prática, esse documento sequer será emitido”.
O professor lembrou ainda que o IPI deve servir de precedente na contabilização do IBS e da CBS, e não o ICMS, como alguns têm defendido. “O que temos hoje mais próximo de IBS e CBS é o IPI, e nem todo o IPI, mas aquele aplicado entre indústrias”, explicou. A comparação, segundo ele, ajuda a mostrar que os novos tributos tendem a ser registrados de forma semelhante, mas ainda restam incertezas quanto ao reconhecimento de créditos e ao impacto em contratos comerciais e financeiros.
Zona Franca de Manaus preservada e ampliada
A advogada Talita Pimenta Félix e o professor Ângelo de Angelis destacaram a posição diferenciada da Zona Franca de Manaus na Reforma. O regime foi preservado por mais 50 anos a partir de 2033, enquanto os demais incentivos fiscais estaduais se extinguem no mesmo prazo.
Pela distância logística e pelos custos elevados da região, a manutenção dos benefícios fiscais foi defendida como essencial para preservar a competitividade das empresas instaladas no Polo Industrial de Manaus.
“A Zona Franca foi criada para proteger a Amazônia, estimular o desenvolvimento regional e assegurar soberania em uma área estratégica do país”, afirmou Talita.
Ângelo complementou explicando que a Reforma ampliou o alcance da ZFM: “A reforma já incluiu comércio e serviço dentro deste novo regramento, o que parece ter sido uma boa decisão para reduzir litígios”. Ele detalhou ainda que as operações da Zona Franca se dividem em três grandes blocos — entradas, saídas e operações internas — cada um com tratamento tributário específico.
Segundo o professor, a lógica de incentivos seguirá a técnica da suspensão e conversão em isenção já conhecida em regimes especiais, mas novas dúvidas surgem sobre o aproveitamento de créditos: “Esses créditos vão se acumular. Mas eles são monetizáveis? Eu acho que não. É um ponto para reflexão”.
Incertezas na transição
O painel deixou claro que a promessa de simplificação da Reforma ainda convive com muitas zonas cinzentas. Enquanto São Paulo já anuncia autuações em 2026, especialistas como Edison Fernandes lembram que o primeiro ano da transição pode se limitar ao destaque em nota fiscal, funcionando como um “ensaio” sem impacto contábil direto.
Na Zona Franca de Manaus, o princípio do destino ameaça esvaziar a arrecadação local, e por isso a preservação de benefícios por mais 50 anos foi defendida como uma questão de sobrevivência. Mas o regime também trouxe novos elementos de disputa: ficaram de fora produtos como armas, bebidas alcoólicas e automóveis, além da polêmica inclusão do petróleo, vista por alguns como medida feita sob encomenda para uma empresa.A ausência de definições claras sobre contabilização e regimes especiais mostra que a narrativa de simplificação da Reforma ainda esbarra em contradições. Entre divergências contábeis, regimes especiais e a perspectiva de litígios já em 2026, a sensação deixada pelo debate é que a Reforma ainda está longe de oferecer previsibilidade. Como resumiu Maria Leonor, “vamos ganhar dinheiro com essas coisas, porque não há como escapar da judicialização”.
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