No cenário da reforma tributária, o diferencial competitivo das empresas são as pessoas

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Por Rafael Savassi, do Tax Is Cool Plus

Estamos a exatos 6 meses de 2026 e muitos ainda não perceberam que a reforma tributária não inicial efetivamente em 01/01/2026, mas já começou faz tempo.

Isso quem diz é o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, alertando que as empresas que não começaram a se preparar para a transição da reforma tributária “já estão atrasadas”.

O secretário foi elegante em sua colocação. Afinal, o ano é 2025. O projeto da reforma foi apresentado em 2019. O parecer do Senado, preservou a estrutura principal da reforma tributária aprovada na Câmara, mantendo a maioria dos artigos inalterados. Naquela oportunidade, já se era sabido a tributação do consumo seria na sistemática do IVA, com base ampla, cobrado “por fora” e no destino, com não-cumulatividade plena e poucas alíquotas e exceções.

Os riscos e obrigações fiscais, estão claros para todos, mesmo que alguns adotem o subterfúgio do suposto desconhecimento. 

A essa altura do campeonato, ainda há departamentos jurídicos focados em ajustes sistêmicos de TI, sem enxergar que estamos diante de um acontecimento histórico, com profunda transformação dos negócios e repleta de oportunidades. Sim, oportunidades diante da liberdade de remodelar operações e negócios, sem as antigas amarras tributárias. 

Em pesquisa recente, dados mostram que as empresas estão preocupadas com o impacto da reforma, porém mais 60% das empresas ainda não iniciaram estudos estruturados sobre os impactos da reforma nos negócios.

A reforma tributária não é sobre tributos, mas sobre negócios.

A Reforma Tributária no Brasil transcende a mera atualização de códigos fiscais, representa uma reconfiguração paradigmática da estrutura econômica e operacional das empresas.

Não se trata apenas de uma mudança nas alíquotas ou na base de cálculo, mas de uma alteração fundamental na filosofia tributária do país.

Essa transformação exige que as organizações elevem sua perspectiva, movendo-se de uma mentalidade de compliance reativo para uma abordagem estratégica e proativa, cuja execução dependerá, em última instância, da capacidade de seu capital humano de interpretar, adaptar-se e inovar.

A urgência para a adaptação não é apenas retórica, mas um imperativo econômico.

As empresas, auditorias, advogados, acadêmicos estão focando na problematização e riscos, seguindo uma cartilha que irá uniformizar e pasteurizar todas as empresas.

Além do Compliance: O imperativo estratégico

A urgência para a adaptação não é apenas retórica, mas um imperativo econômico.

Poder-se-ia argumentar, com uma dose de pragmatismo, que a adaptação se resumirá a investimentos em tecnologia e à busca por eficiências fiscais. 

Contudo, essa visão ignora um ponto fundamental: a tecnologia é uma ferramenta, não a estratégia em si. Um sistema de ERP, por mais avançado que seja, não renegocia contratos, não redesenha uma cadeia de suprimentos nem inspira uma equipe de vendas a explorar novas oportunidades regionais. 

A tecnologia otimiza a execução de uma estratégia que deve ser concebida, validada e disseminada por pessoas. É a capacidade analítica e criativa humana que transformará os dados gerados pela tecnologia em vantagem competitiva real.

A reforma exige uma reavaliação profunda dos modelos de negócios. O foco não pode mais ser apenas em garantir a conformidade fiscal, mas em otimizar a estrutura tributária para maximizar a eficiência operacional e a competitividade. 

Isso implica em revisão completa do modelo de negócios:

  • Otimização da cadeia de valor: Repensar a localização de fábricas, centros de distribuição e escritórios, bem como as estratégias de aquisição e venda, para aproveitar os benefícios do princípio do destino e a não cumulatividade plena.
  • Gestão de riscos e oportunidades: Identificar proativamente os riscos fiscais e operacionais, ao mesmo tempo em que se exploram novas oportunidades de mercado que podem surgir com a simplificação e a transparência do novo sistema.
  • Impacto nas operações empresariais: Vendas, Cadeia de Suprimentos e Fluxos Financeiros

Além da tributação, diversos aspectos negociais devem ser observados:

  • Marketing e vendas. A estratégias podem ser ajustadas para destacar a transparência e a potencial redução da carga tributária em determinados produtos ou serviços, ou para focar em regiões com alíquotas mais favoráveis.
  • Logística e Armazenagem: A mudança para o princípio do destino pode incentivar a otimização da rede logística, com a reavaliação da localização de armazéns e centros de distribuição para minimizar custos de transporte e tributação.
  • Seleção de Fornecedores: A escolha de fornecedores pode ser influenciada pela sua localização e pela forma como a tributação se aplica à cadeia de suprimentos, buscando otimizar a recuperação de créditos.
  • Gestão de Estoques: A não cumulatividade plena pode impactar a gestão de estoques, incentivando a otimização para evitar capital parado em impostos.
  • Gestão de Créditos Tributários: A reforma promete uma maior transparência e agilidade na recuperação de créditos tributários, o que exige sistemas robustos para o controle e a apropriação desses créditos.
  • Planejamento de Cash Flow: Durante o período de transição, as empresas precisarão de um planejamento de cash flow meticuloso para gerenciar a coexistência dos dois sistemas tributários e os potenciais impactos na liquidez.
  • Investimentos e Capital de Giro: A desoneração de investimentos e exportações pode incentivar a expansão e a modernização, mas exigirá uma análise financeira aprofundada para capitalizar essas oportunidades.

A interpretação judicial e o cenário legal

A implementação de uma reforma tributária de tal magnitude introduz novos conceitos e inevitavelmente gerará um volume significativo de litígios e questionamentos jurídicos.

O STF terá um papel central na pacificação de entendimentos e na formação de jurisprudência. Suas decisões serão cruciais para a segurança jurídica e a previsibilidade do novo sistema. A interpretação de princípios constitucionais e a validação de leis complementares serão determinantes.

Nesse cenário, deve ser observada que a visão econômica do direito nos julgamentos do STF é inquestionável, como detalhadamente analisada por Márcio Morad em obra que analisa com profundidade o comportamento do STF quando diante de argumentos relativos aos impactos financeiro-orçamentários aos entes federados nos julgamentos tributários com repercussão geral. 

As decisões do STF, terão impactos econômicos significativos, tanto para empresas quanto para consumidores, devido à sua função de uniformizar a interpretação da legislação federal e julgar casos de grande repercussão. Essas decisões podem afetar preços, custos, competitividade e até mesmo criar mercados. 

Então, em breve, as definições unicamente técnicas e tributárias, sem a reflexão de líderes de negócio adaptadas a realidade de cada empresa, serão analisadas por um único órgão federal, em uma canetada. Logo, planejamentos tributários de prateleira, com a mera conformidade com as novas regras, terão o mesmo destino. 

Sejamos otimistas, já que o objetivo desse artigo é a valorização do capital humano, do pensamento estratégico. Na hipótese de todas as empresas estarem totalmente em conformidade com a nova tributação, indaga-se: todas sobreviverão aos novos tempos ou aquelas que ousaram pensar em questões operacionais do negócio terão vantagens?

A perspectiva de juristas como Richard Posner, que defendem a aplicação da análise econômica ao direito, torna-se ainda mais relevante. Nesse cenário, o tributarista ocupa uma posição estratégica.

O Elemento Humano e Liderança 

No centro de toda essa transformação, está o capital humano. A adaptação à nova realidade tributária não é apenas uma questão de sistemas e processos, mas de pessoas e suas capacidades:

  • Desenvolvimento de novas habilidades: Profissionais de contabilidade, finanças, supply chain, TI e jurídico precisarão desenvolver novas competências. Isso inclui o domínio das novas regras tributárias, a proficiência em ferramentas de análise de dados para otimização fiscal, e a capacidade de pensar estrategicamente sobre as implicações fiscais em todas as decisões de negócio.
  • Cultura de Colaboração: A complexidade da reforma exige uma colaboração interdepartamental sem precedentes. As equipes de compliance, finanças, vendas, supply chain e TI precisarão trabalhar de forma integrada para identificar sinergias, mitigar riscos e otimizar processos.
  • Liderança Transformadora: A liderança desempenha um papel crucial em fomentar uma cultura de adaptação e inovação. Como Nietzsche sugeriu em sua filosofia do “Wille zur Macht” (Vontade de Potência), a capacidade de superar desafios e de se transformar é um motor fundamental da existência. 

No contexto empresarial, isso se traduz na necessidade de líderes que inspirem suas equipes, comuniquem a visão da mudança e empoderem os colaboradores para abraçar a incerteza e construir soluções. A liderança deve ser capaz de transformar a “crise” da mudança em uma oportunidade de crescimento e fortalecimento organizacional.

Em suma, a Reforma Tributária é um divisor de águas que exige uma reorientação estratégica completa. 

As empresas que prosperarão serão aquelas que enxergarem além da complexidade inicial, investirem no desenvolvimento de seu capital humano e adotarem uma postura proativa, transformando a adaptação em uma vantagem competitiva sustentável. 

Antes de qualquer conclusão recorro novamente a Nietzsche. As convicções rígidas podem impedir a busca pela verdade (no caso oportunidades), pois tendemos a fechar nossas mentes para outras perspectivas.


Rafael Savassi é especialista em Inteligência Artificial para Negócios (FEA/USP), Advogado (UFMG), Contador (PUC), Administrador de Empresas (SEBRAE-MG), Mentor de Empreendedorismo e Inovação (AB2L – Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), com experiência na  gestão de jurídico tributário  interno de empresas (Vivo, Brastemp/Whirlpool, IFood, Atlas Schindler, Hughes Telecomunicações via satélite), bem como em bancas de advogados (Castro Barros, Mariz de Oliveira, Dias de Souza, Sacha Calmon e Misabel Derzi, Rolim). Parceiro internacional da Sommet Global (BPO, Tax & Accounting Experts) e fundador de startup de mentoria e cursos on-line (Business Intelligence 4 You).

Esse artigo foi escrito por integrantes do Tax Is Cool Plus, escola de protagonismo para profissionais e comunidades de tax.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.


Referências Bibliográficas.

APPY, Bernard. O bom imposto no Brasil: simplificação para crescer. São Paulo: Editora Unesp, 2024.

DELOITTE. Reforma Tributária: A hora da estratégia. São Paulo: Deloitte Touche Tohmatsu, 2024.

GOMES, João; SILVA, Maria. A dimensão humana das transformações organizacionais: o caso da reforma tributária. GV-Executivo, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 45-52, jan./mar. 2024.

NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

MELO, José Eduardo Soares de. O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): Comentários à Emenda Constitucional nº 132/2023. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024.

MORAD, Márcio Abbondanza. Reflexões sobre a consideração de impactos financeiro-orçamentários aos entes federados nos julgamentos tributários do STF: análise dos casos com repercussão geral no quinquênio 2019-2023. Ed. Dialética, São Paulo, set. de 2024.

NIETZSCHE, Friedrich. A Vontade de Poder. Tradução de Marco Aurélio Werle. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 7th ed. New York: Aspen Publishers, 2007.

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