
Por João Vitor Prado Bilharinho
Em um cenário em que o contribuinte precisa recorrer aos tribunais para reafirmar o óbvio, o recente julgamento do Tema 1.273 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ganha relevância especial. Ao lembrar que o Mandado de Segurança é uma garantia constitucional, não uma concessão graciosa do Estado, a Corte estabeleceu um freio nas tentativas recorrentes do Fisco de restringir o direito de contribuintes por vias processuais.
Por unanimidade, a 1ª Seção do STJ entendeu que não há prazo decadencial para a impetração de mandado de segurança preventivo em matéria tributária quando se trata de obrigações que se renovam periodicamente — como o pagamento de impostos.
Ao negarem provimento aos REsps 2.103.305/MG e 2.109.221/MG, interpostos pelo estado de Minas Gerais, os ministros aprovaram a seguinte tese sugerida pelo ministro relator Paulo Sérgio Domingues:
“O prazo decadencial do art. 23 da Lei nº 12.016/2009 não se aplica ao Mandado de Segurança cuja causa de pedir seja a impugnação de lei ou ato normativo que interfira em obrigações tributárias sucessivas, dado o caráter preventivo da impetração decorrente da ameaça atual, objetiva e permanente de aplicação da norma impugnada.”
A discussão de mérito envolvia a existência, ou não, de prazo decadencial para impetração de Mandado de Segurança preventivos contra cobranças relativas às obrigações tributárias sucessivas — ou seja, aquelas que se renovam periodicamente a cada fato gerador (como é o caso do IRPF, ICMS, etc), em atenção ao artigo 23 da Lei 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança).
“Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.”
O fisco estadual entendia que o prazo decadencial de 120 dias para impetração do Mandado de Segurança preventivo teria como marco inicial a data de publicação do ato normativo que interfira em obrigações tributárias de trato sucessivo, conforme o artigo 23 da Lei 12.016/2009.
Em contrapartida, os contribuintes entendiam que o prazo decadencial do referido artigo 23 não se aplica aos Mandados de Segurança preventivos, que discutem obrigações tributárias de trato sucessivo. Isso porque, o prazo para impetração se renova periodicamente a cada cobrança, estando o Impetrante em um constante estado de ameaça de lesão.
Caso o entendimento do estado de Minas Gerais fosse acolhido, o contribuinte ficaria impedido de ajuizar Mandados de Segurança preventivos sobre obrigações tributárias sucessivas, após edição de ato normativo (por exemplo: Instruções Normativas, portarias, etc…), uma vez que a Súmula 266/STF prevê que “não cabe mandado de segurança contra lei em tese”.
Sobre essa problemática, o ministro relator afirmou que a lei tributária não gera obrigação tributária e, se assim fosse, não haveria necessidade de o contribuinte demonstrar a iminência de risco que justificasse a impetração de Mandado de Segurança, o que possibilitaria, inclusive, sua impetração contra lei em tese — incorrendo no óbice das Súmulas 266 (STF) e 430 (STJ).
Na verdade, essa controvérsia sequer deveria existir, tendo surgido como uma nova tentativa do fisco de limitar e cercear a possibilidade de o contribuinte buscar seus direitos constitucionalmente garantidos e contestar cobranças que entende indevidas.
Além disso, o ministro Teodoro Silva Santos apresentou voto-vogal para enfatizar que o Mandado de Segurança preventivo é uma importantíssima garantia constitucional concedida aos contribuintes, reforçando que sua previsão decorre de cláusula pétrea, elencada no art. 5º, inciso LXIX, da CF/88.
A conclusão do STJ enterra a pretensão do fisco de limitar os meios de defesa do contribuinte quanto às cobranças tributárias indevidas, o que já estava sedimentado na jurisprudência da própria Corte Superior.
Por se tratar de tema julgado na sistemática dos recursos repetitivos, a tese fixada pela Primeira Seção possui caráter vinculante perante todas as instâncias judiciais (com exceção do STF), nos moldes do artigo 927 do Código de Processo Civil. Assim, todos os juízes e tribunais ficam obrigados a seguir o entendimento ali firmado.
Apesar de ser um julgado importante e de extrema relevância, a mera necessidade de se discutir essa questão demonstra que, cada vez mais, os entes fazendários tentam transformar o Poder Judiciário em um meio arrecadatório estatal, através de reiteradas tentativas de supressão de direitos e garantias dos contribuintes.
Com a consolidação desse entendimento, o que se espera é que os entes fazendários abandonem sua atual postura de litigância arrecadatória, substituindo-a por uma atuação mais equilibrada e coerente na relação com o contribuinte.
João Vitor Prado Bilharinho é advogado da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados
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