
O propósito desta reflexão consiste em evidenciar que diversos dispositivos constantes na Lei Complementar nº 214/2025 permanecem em estado de lacuna normativa, carecendo de forma mais precisa, de regulamentação infralegal que lhes confira plena eficácia jurídica e operacional.
Com vistas a ilustrar tal constatação, será apresentada uma análise pontual dos artigos 108 e 109 da mencionada lei complementar, de modo a demonstrar a necessidade de regulamentação para a adequada concretização das diretrizes ali delineadas.
01. Breve Comentário Acerca do Art. 108 e sua correlação com os Arts. 47 a 56
Seção IV Da Desoneração da Aquisição de Bens de Capital
Art. 108. Fica assegurado o crédito integral e imediato de IBS e CBS, na forma do disposto nos arts. 47 a 56, na aquisição de bens de capital.
A Lei Complementar nº 214/2025 dispõe que tanto o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) quanto a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) possuem como hipótese de incidência toda e qualquer operação de natureza onerosa envolvendo bens ou serviços. Tal abrangência normativa alcança, inclusive, as operações realizadas com ativos não circulantes, compreendendo, nesse espectro, os bens de capital — a exemplo de máquinas, equipamentos e congêneres.
O Artigo 108 da Lei Complementar nº 214/2025 insere-se na Seção IV, que trata da Desoneração da Aquisição de Bens de Capital, e estabelece uma garantia fundamental. assegura-se ao contribuinte o direito ao crédito integral e imediato do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços) nas aquisições de bens de capital, observando-se a disciplina prevista nos artigos 47 a 56 da mesma Lei.
Em outras palavras, o dispositivo consagra a neutralidade tributária na aquisição de ativos destinados à produção, permitindo que o ônus fiscal não se converta em custo definitivo, mas seja recuperado de forma célere e integral, reforçando o princípio da não cumulatividade.
Para compreender a extensão dessa prerrogativa, é imprescindível analisar os Arts. 47 a 56, que delineiam o regime da não cumulatividade e da apropriação de créditos. O Art. 47 inaugura a sistemática, dispondo que o contribuinte sujeito ao regime regular poderá apropriar créditos do IBS e da CBS sempre que ocorrer a extinção, por qualquer modalidade prevista no art. 27, dos débitos relativos às operações em que figure como adquirente, ressalvadas as hipóteses de uso ou consumo pessoal e outras exceções legais.
Essa apropriação deve ser feita de forma segregada para cada tributo, vedando-se compensações cruzadas entre IBS e CBS, e condiciona-se à comprovação da operação mediante documento fiscal eletrônico idôneo.
Os parágrafos do art. 47 detalham aspectos técnicos. Os créditos corresponderão aos valores destacados nos documentos fiscais ou aos créditos presumidos previstos em lei, aplicam-se inclusive às aquisições de optantes pelo Simples Nacional.
Concomitantemente, dispensam comprovação de extinção dos débitos em operações com combustíveis sob regime específico e impõem o estorno proporcional em casos de perecimento, deterioração, roubo ou furto de bens do ativo imobilizado, segundo critérios de vida útil e depreciação regulamentares.
Também se prevê a possibilidade de apropriação de créditos pelo fornecedor em devoluções ou cancelamentos de operações por adquirentes não contribuintes. Os artigos subsequentes (48 a 56) complementam essa disciplina, tratando de hipóteses específicas de manutenção, estorno e vedação de créditos, bem como da forma de cálculo e dos prazos aplicáveis.
Em síntese, esses dispositivos consolidam o regime da não cumulatividade plena, assegurando que o IBS e a CBS não onerem a cadeia produtiva, mas incidam apenas sobre o valor agregado, em consonância com os princípios constitucionais da neutralidade e da eficiência econômica.
Assim, o art. 108, ao remeter aos Arts. 47 a 56, não apenas garante a apropriação imediata dos créditos na aquisição de bens de capital, mas também vincula essa prerrogativa às regras técnicas que asseguram sua efetividade e integridade, constituindo um mecanismo essencial para a desoneração do investimento produtivo e para a preservação da competitividade empresarial no novo modelo tributário.
02. Breve Comentário Acerca do Art. 109
Art. 109. Ato conjunto do Poder Executivo da União e do Comitê Gestor do IBS poderá definir hipóteses em que importações e aquisições no mercado interno de bens de capital por contribuinte no regime regular serão realizadas com suspensão do pagamento do IBS e da CBS, não se aplicando o disposto no art. 108 desta Lei Complementar.
O Artigo 109 da Lei Complementar nº 214/2025 introduz uma faculdade normativa relevante, conferindo ao Poder Executivo da União, em ato conjunto com o Comitê Gestor do IBS, a prerrogativa de estabelecer hipóteses específicas em que as importações e aquisições internas de bens de capital, realizadas por contribuintes sob o regime regular, possam ocorrer com suspensão do pagamento do IBS e da CBS. Essa suspensão, contudo, não se confunde com a desoneração prevista no art. 108, pois, expressamente, o dispositivo ressalva que, nessas hipóteses, não se aplica a disciplina do crédito integral e imediato assegurada pelo artigo anterior.
Constata-se, à luz do que já foi exposto, que a Lei Complementar nº 214/2025 estabelece a incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) sobre operações envolvendo ativos não circulantes, abrangendo, nesse contexto, os bens de capital, tais como máquinas, equipamentos e demais congêneres.
Não obstante, verifica-se igualmente a previsão normativa de que a aquisição desses bens de capital poderá ocorrer sob o regime de suspensão da exigibilidade do IBS e da CBS, regime esse que, a depender do cumprimento dos requisitos estabelecidos no Art. 109 da referida lei complementar, poderá ser convertido em alíquota zero.
Em termos técnicos, o art. 109 cria um mecanismo de diferimento do ônus tributário, permitindo que, em situações definidas pelo regulamento, o contribuinte não desembolse os tributos no momento da aquisição ou importação, postergando a exigibilidade para etapa futura, sem prejuízo da incidência. Trata-se de um instrumento de política fiscal que visa conferir maior liquidez às operações de investimento, mitigando impactos financeiros imediatos, mas sem implicar renúncia definitiva da receita, diferentemente do crédito imediato previsto no art. 108.
Até o presente momento, não foram delineados os requisitos específicos para a fruição do regime de suspensão previsto no artigo 109 da Lei Complementar nº 214/2025. O referido dispositivo legal limita-se a conferir competência normativa para que ato conjunto do Poder Executivo da União e do Comitê Gestor do IBS discipline as hipóteses de incidência da suspensão, bem como os prazos e condições para sua eventual conversão em alíquota zero, após a efetiva incorporação do bem ao ativo imobilizado do contribuinte.
Em outras palavras, a norma estabelece tão somente a moldura jurídica necessária à concessão do benefício fiscal, mas sua concretização prática permanece condicionada à edição de regulamentação infralegal. Essa regulamentação deverá, por sua vez, definir com precisão quais bens de capital estarão abrangidos pelo regime, os procedimentos formais a serem observados pelos contribuintes e os prazos conferidos para a devida comprovação da incorporação ao ativo imobilizado.
Dessa forma, inexiste, no momento, um rol taxativo de situações ou critérios objetivos que permitam a aplicação imediata do regime de suspensão do IBS e da CBS às aquisições de bens de capital. Assim, recomenda-se que as pessoas jurídicas interessadas mantenham acompanhamento atento da futura publicação dos atos normativos correspondentes — que, a rigor, deverão ser materializados por meio de decreto federal e resolução emanada do Comitê Gestor do IBS —, de modo a estruturar adequadamente seus investimentos e mitigar eventuais riscos de autuação decorrentes do descumprimento das condições que vierem a ser fixadas.
03. Conclusão
Em conclusão, embora a Lei Complementar nº 214/2025 tenha instituído a possibilidade de suspensão do IBS e da CBS na aquisição de bens de capital, a efetiva aplicação desse benefício ainda depende da edição de regulamentação específica. Até que sejam definidos, por ato conjunto do Poder Executivo da União e do Comitê Gestor do IBS, os critérios, prazos e procedimentos para a fruição da suspensão e sua conversão em alíquota zero, não é possível às empresas adotar essa sistemática de forma segura.
A ratio legis desse dispositivo reside na busca por equilíbrio entre a neutralidade tributária e a gestão fiscal, permitindo ao Executivo calibrar a aplicação da suspensão conforme critérios de relevância econômica, setores estratégicos ou condições macroeconômicas, sempre observando os limites constitucionais e os princípios da legalidade e da transparência. Em síntese, o art. 109 não revoga nem restringe a desoneração do art. 108, mas cria um regime alternativo, excepcional e regulamentado, que poderá ser utilizado como instrumento de fomento ou ajuste econômico.
À vista do exposto, impõe-se aos contribuintes a necessidade de uma postura de vigilância normativa contínua, acompanhando com rigor a edição das disposições complementares que darão concreção ao regime em questão. Até que tal densificação normativa se efetive, revela-se prudente que os planejamentos tributários permaneçam ancorados no regime geral de incidência, de modo a não se projetarem compromissos sobre fundamentos jurídicos ainda carentes de plena positivação. Essa atitude preventiva não apenas configura uma estratégia de mitigação de riscos fiscais, mas também se apresenta como expressão de uma ética da conformidade, pela qual o agir econômico se mantém em consonância com a juridicidade vigente, evitando a tensão entre a expectativa normativa e a realidade fática.
Moises R. Coimbra é Consultor em Contabilidade Corporativa e Direito Tributário, e também Consultor Especialista em Reforma Tributária.
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