
Por Wagner Dirlon
A Reforma Tributária em curso no Brasil — com a substituição do ICMS, ISS, PIS e Cofins por novos tributos como o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) — traz uma série de inovações importantes. Uma delas diz respeito à definição do “local da operação”, que é o critério determinante para saber onde o imposto será devido e para qual ente federativo ele será destinado.
A proposta busca corrigir distorções históricas ao adotar a lógica da tributação no destino, ou seja, no local onde efetivamente ocorre o consumo. Porém, por trás desse avanço conceitual, esconde-se uma série de pontos polêmicos, operacionais e jurídicos que merecem atenção.
📍 O que muda com a nova definição de “local da operação”?
A nova legislação define regras distintas conforme a natureza da operação — se envolve bens materiais, bens imateriais ou serviços, se é presencial ou não presencial, se é onerosa ou gratuita, e se o consumo ocorre no Brasil ou no exterior.
De forma geral:
- Para bens materiais, o local da operação será onde ocorre a entrega ou disponibilização ao destinatário.
- Para serviços e bens imateriais, será o domicílio do adquirente (em transações onerosas) ou do destinatário (em transações não onerosas).
- Em importações, mesmo que contratadas no exterior, o local da operação será o Brasil se o consumo ocorrer aqui.
Essas mudanças visam tornar o sistema mais justo, mas geram implicações práticas e jurídicas complexas. A seguir, apresentamos os principais pontos de tensão.
⚖️ Oito polêmicas em torno do “local da operação”
1. Destino Final em Operações Não Presenciais: A Teoria não Combina com a Prática
Empresas terão que identificar o destino final informado pelo adquirente, o que nem sempre é claro ou fixo — especialmente no comércio eletrônico, entregas múltiplas ou intermediadas por plataformas. Essa incerteza abre margem para interpretações divergentes entre contribuinte e Fisco, gerando insegurança e risco de autuações.
2. Domicílio de Pessoas Jurídicas: Qual Estabelecimento Deve Ser Considerado?
A regra define que o local da operação é o estabelecimento para o qual o bem ou serviço é fornecido, mas isso se torna confuso em empresas com várias filiais, centros de distribuição ou operações descentralizadas. Qual será o critério em operações de software em nuvem, por exemplo?
3. Critérios Subjetivos para Pessoas Físicas: Um Convite à Judicialização
Para pessoas físicas, fala-se em “habitação permanente” ou “relações econômicas mais relevantes”. Mas e no caso de nômades digitais, estudantes, expatriados, ou profissionais que dividem residência entre estados diferentes? A subjetividade dessa definição pode estimular planejamentos tributários abusivos ou litigiosidade.
4. Diferença Entre Operações Onerosas e Não Onerosas: Uma Brecha para Arbitragem Tributária
A distinção entre operações com e sem contraprestação muda o local da tributação — uma brecha que pode ser usada por empresas para “simular” doações, bônus ou fornecimentos gratuitos e, assim, influenciar o local de incidência do tributo. A fronteira entre planejamento lícito e evasão será tênue.
5. Importação de Serviços com Adquirente no Exterior: O Risco de Bitributação
Mesmo que o serviço seja contratado e pago por empresa estrangeira, se o uso ocorrer no Brasil, o imposto incide aqui. Isso pode colidir com tratados internacionais, gerar bitributação e comprometer a competitividade de empresas brasileiras inseridas em cadeias globais.
6. Multiplicidade de Locais de Operação: O Pesadelo Logístico do Compliance
Apesar da promessa de simplificação, a exigência de apurar o tributo conforme o local do consumo multiplicará as obrigações acessórias — especialmente para empresas que atuam nacionalmente. O risco é substituir a guerra fiscal por um custo excessivo de conformidade.
7. Disputa Federativa Recarregada: Agora, Pelo Destino
Ao mudar o foco da tributação do local de origem para o de destino, estados produtores (como São Paulo e Minas Gerais) alertam para a possível perda de arrecadação, enquanto estados consumidores (como Maranhão ou Bahia) pressionam por maior participação. A transição será longa e politicamente sensível.
8. Serviços Digitais e Plataformas Online: Como Rastrear o Consumidor Real?
A tentativa de localizar o consumo via IP, geolocalização ou endereço informado enfrenta limitações técnicas e éticas. Em um mundo digital, globalizado e descentralizado, essa rastreabilidade pode ser facilmente manipulada, fragilizando a eficácia da regra e incentivando a erosão da base tributária.
💡 Conclusão: um avanço com armadilha
A proposta da Reforma Tributária, ao definir regras para o local da operação com foco no destino do consumo, avança rumo a um sistema mais coerente e moderno. No entanto, a tecnicalidade elevada, os critérios subjetivos e os impactos operacionais ainda não estão suficientemente resolvidos.
Empresas precisarão revisar seus processos, sistemas e estruturas de governança tributária. Já o legislador e os entes federativos devem buscar equilíbrio entre justiça fiscal e viabilidade operacional, sob pena de trocar um problema antigo (a guerra fiscal) por uma nova complexidade disfarçada de progresso.
Wagner Dirlon tem sólida vivência em liderança estratégica e gestão de pessoas, com foco em transformação de processos, melhoria contínua e desenvolvimento de equipes de alto desempenho. É Head of Finance & Tax Services Brazil na Neodent. É fundador da Leading IsCool.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.