Reforma Tributária e seus impactos nos custos com fornecedores: por que vale renegociar contratos agora

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Por Liêda Amaral e Fábio José Lira dos Santos

É hora de agir e os empresários precisam estar alinhados às mudanças decorrentes da edição da LC 214/2025, a Reforma Tributária sobre o Consumo (RTC).

As alterações de maior impacto referem-se à tributação no destino e na fórmula de cálculos dos tributos nas operações de aquisições e saídas de produtos e serviços. Até então os tributos eram embutidos no preço (cálculo por dentro), a partir da RTC o tributo passa a ser calculado “por fora” da operação.

Consequentemente, o preço que você negocia com fornecedores provavelmente passará a não equivaler mais ao que ele realmente consome para entregar o produto ou serviço. Desta forma é essencial readequar os contratos e rever as cláusulas de preço.

Cabe aos contadores atualizarem as práticas de determinação de margens e precificação dos produtos e serviços. Os empresários devem buscar assessoria jurídico tributária para redigir novas cláusulas contratuais para que a equipe responsável pelas compras leve à mesa de negociação. 

Na prática, haverá mais transparência quanto a carga tributária de cada operação. O IBS e a CBS aparecem separadamente do preço. O que significa que o preço praticado ao cliente fica líquido de tributos.Como consequência direta para sua empresa, os números de margem bruta, EBITDA e lucro podem sofrer alterações significativas, tendo em vista que o tributo não entra mais na formação da receita.

Mas afinal, como precificar? Possivelmente você deverá usar cláusulas de “preço líquido + tributos por fora” ou ter ajustes automáticos (quando as alíquotas mudarem), gross-up. 

Calculando:

E1 – Manutenção do preço final de determinado produto: R$ 100,00.

O cálculo antes da reforma (com ICMS à alíquota de 18% e PIS e Cofins à alíquota de 9,25% e que o ICMS seja excluído de sua base de cálculo do PIS e da Cofins, todos os tributos foram incluídos no preço):

Considere que parte do preço que não é tributo (base líquida) fica em torno de R$ 74,41 e os citados tributos somam R$ 25,60 aproximadamente. Caso o cálculo fosse elaborado ¨por fora¨ e partindo da premissa que os novos tributos (IBS/CBS) tenham por alíquota 28%, a base líquida passaria a R$ 78,12 e o tributo por fora ficaria em R$ 21,87.

Percebe-se que a base líquida aumenta, o que pode mudar suas métricas de desempenho. Neste contexto, seria salutar reavaliar metas e KPIs.

E 2 – supondo que o empresário resolva manter o preço líquido (para o cliente) em R$ 80,00

No cálculo anterior à reforma tributária (por dentro), o preço final ao cliente ficaria em torno de R$ 107,50. Se calculados por fora, o preço ao cliente ficaria em torno de R$ 102,40.

Ou seja, para manter o preço ao cliente estável, o empreendedor precisaria ajustar o contrato para considerar os tributos por fora.

E você deve estar se perguntando o que deveria ser ajustado nos contratos, o primeiro passo seria definir o que é “Preço Líquido” (sem IBS/CBS) como referência de equivalência econômica.

Incluir cláusulas para tributos por fora e ajustes automáticos (gross-up). Revisar eventuais cláusulas que usam métricas como receita, margem, EBITDA para refletir o novo ambiente.

Além disso, não pode deixar de lado a possibilidade de “não cumulatividade” plena, onde créditos de IBS/CBS podem existir, mas dependem do mix de itens comprados e vendidos.

Como renegociar?

Elabore um diagnóstico tributário do “antes vs. depois” contemplando fornecedores, itens, NCM, projeções. Demonstre bases, débitos, créditos e o imposto líquido. Padronize o que é preço líquido escriturado e o projetado com os novos parâmetros da reforma, e defina como devem ocorrer os ajustes (gross-up, true-up).

Elabore um plano de implementação com prazos e responsabilidades. Caso haja os contratos com órgãos públicos, incluir análise dos dispositivos legais inerentes às operações. 

Impactos setoriais (visão prática)

Saúde: alguns serviços com alíquotas menores; créditos em itens como Órteses, Próteses e Materiais Especiais /medicamentos. O desafio é segregar serviços de materiais para maximizar créditos. 

Tecnologia (SaaS, cloud, licenças): menos insumos físicos, maior responsabilidade de plataformas. Uma alternativa seria separar hardware/infra e software, manter preço líquido com tributos por fora e usar faturas separadas (split billing) quando necessário.

Logística e Transporte: a tributação no destino muda a cadeia de suprimentos. Recomenda-se revisar cláusulas de entrega (CIF/FOB) e trabalhar com “por fora” sempre que possível.

Indústria: incentivos de ICMS vão reduzindo ao longo do período de transição é essencial renegociar com fornecedores para manter margens.

É mandatário ao ambiente jurídico e de compras adotar o formato “preço líquido + tributos por fora” com gross-up (embutir impostos) e true-up (True-up é um ajuste contábil para reconciliar valores financeiros estimados com valores reais). Defina SLAs (Acordos de Nível de Serviço) para reequilíbrio. 

Por sua vez o ambiente financeiro das empresas deverá reestruturar suas  metas e covenants (acordos), simulando cenários por canal, região e regime tributário. 

O ambiente operacional e de infraestrutura de TI deverá investir em ajustes do ERP para destacar valores por fora, monitorar créditos IBS/CBS e reconciliação de faturas.

O board deve ser permanentemente alimentado com memórias comparando “antes vs. depois” e educado para um processo de gestão da mudança tributária.

Não esqueça que os números nos exemplos apresentados no decorrer do texto são meramente ilustrativos. 

Por que o fim da ST tende a reduzir carga em vários setores

O regime de substituição tributária (ST) presume uma margem (MVA/TVA) para formar a base do ICMS “subsequente”. Quando a margem real de mercado é menor do que a presumida, o imposto fica maior que o devido — e vira custo.

O STF, no RE 593.849 (Tema 201), firmou a tese de que é devida a restituição da diferença do ICMS pago a maior quando a base efetiva é inferior à presumida, reconhecendo esse descompasso entre preço real e MVA. 

Esse problema tende a ser mitigado pela Reforma Tributária, tendo em vista a EC 132/2023 instituiu o IVA dual (IBS/CBS) e a LC 214/2025 regulamentou sua incidência por fora e o recolhimento na liquidação (split payment), deslocando a tributação para o preço efetivamente praticado e reduzindo o espaço para presunções amplas como a da ST.

Construção civil: caso emblemático

A cadeia de materiais de construção  historicamente operou com MVA elevadas na ST. Em São Paulo, por exemplo, a Portaria SRE nº 8/2023 fixou IVAs como 76% para argamassas, 67% para tubos e acessórios de plástico, 62% para revestimentos de PVC, 60% para chapas/plásticos auto-adesivos, além de percentuais ainda mais altos em itens específicos, 83% para portas/janelas de plástico e 149% para papel de parede, evidenciando a magnitude das presunções adotadas.

Essas tabelas, contudo, não capturam a intensidade de descontos comerciais e a competição típica do varejo e dos home centers, o que frequentemente resulta em superavaliação da base. A própria jurisprudência do STF, no RE 593.849, consolidou que há direito à restituição do ICMS pago a maior quando a base real fica abaixo da presumida, reconhecendo esse descompasso entre preço praticado e presunção.

Com o IBS/CBS, a base de cálculo passa a refletir o preço efetivamente praticado, sem substituição tributária generalizada. Assim, nas operações em que a MVA presumida superava o markup real, a carga tende a se reduzir. Além disso, a transição até 2033 substitui gradualmente o ICMS e o ISS pelo IBS e, ao final desse período, os regimes de ICMS-ST ficam, na prática, descontinuados.

Como demonstrar a redução — roteiro auditável

1) Cluster por NCM/SKU de 12–24 meses;

2) reconstrução do preço efetivo (com descontos/bonificações); 

3) apuração da margem real e comparação com MVA/TVA vigente; 

4) mensuração de ΔICMS\Delta ICMSΔICMS por item; 

5) mapa de ganhos contratuais (renegociação com fornecedores, revisão de listas por canal).

 Esse passo a passo conversa com a orientação do texto-base para migrar a contratos de “preço líquido + tributos por fora” e cláusulas de ajuste automático (gross-up/true-up).

Considerações Finais 

Em síntese, a Reforma Tributária sobre o Consumo desloca a formação de preços para o modelo “por fora” e com incidência no destino, tornando a carga de cada operação mais transparente e exigindo reprecificação imediata, revisão de contratos e ajustes de governança , haja vista que  receita, margem bruta, EBITDA e lucro passam a refletir tributos destacados e não mais embutidos no preço. 

Nesse contexto, empresas devem migrar para cláusulas de “preço líquido + tributos por fora”, com gross-up e true-up automáticos, além de revisar métricas, covenants e a política de créditos (não-cumulatividade do IBS/CBS), sempre amparadas por um diagnóstico “antes vs. depois” por fornecedor/NCM/SKU para orientar renegociação e equivalência econômica. 

Operacionalmente, é crucial adaptar o ERP e os fluxos de faturamento para evidenciar valores por fora, controlar créditos de IBS/CBS, conciliar faturas  e abastecer o board com comparativos contínuos de desempenho. 

Por fim, à medida que ICMS e ISS cedem lugar ao IBS até 2033, os regimes de ICMS-ST perdem vigência prática, tendo em vista que  a base passa a refletir o preço efetivo cadeias em que a MVA presumida superava o markup real tendem a registrar redução de carga, convertendo em vantagem competitiva quem agir já reprecificando, renegociando e atualizando sistemas.

Pensando nos desdobramentos da Reforma Tributária sobre os diversos setores da economia, será realizado, nos dias 2 e 3 de outubro, o Congresso Empresarial, Tributário e Contábil da Paraíba (CETC-PB) em conjunto com o Aconcarf Itinerante. O evento tem como objetivo discutir os impactos da Reforma, esclarecer dúvidas e apresentar soluções práticas para empresas e profissionais. Entre os temas centrais, estará o futuro do Simples Nacional diante da nova sistemática tributária.

A programação reunirá conselheiros do CARF, auditores da Receita Federal, advogados, contadores, empresários e especialistas, promovendo um espaço de debate qualificado sobre os caminhos possíveis para enfrentar as mudanças.

As inscrições podem ser realizadas pelo site: www.aconcarfparaiba.com.br


Liêda Amaral, contadora e consultora (com experiência na Receita Federal e na prática de consultoria da BSSP)

Fábio José Lira dos Santos ( Auditor registrado na CVM e na prática de consultoria da BSSP e Professor da UFPB)


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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