
Por Maria Isabel Ferreira e Tatiana Amaral
Os royalties pagos ao governo pela exploração de recursos naturais têm natureza de compensações financeiras, conforme estabelecido nas Leis n.º 9.478/1997 e n.º 7.990/1989. Não são contraprestações por bens ou serviços, mas obrigações legais associadas ao direito de exploração concedido pelo poder público.
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 4846, firmou entendimento de que os royalties possuem natureza jurídica de compensação financeira não tributária e de receita originária da União, tendo em vista a propriedade federal dos recursos minerais.
Ou seja, os royalties são devidos por uma imposição legal, estando vinculados ao regime jurídico das concessões públicas.
A Lei Complementar n.º 214/2025 definiu que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) incidem sobre operações onerosas envolvendo bens ou serviços, incluindo licenciamento, concessão e cessão de direitos. Ademais, definiu que são irrelevante para a caracterização das operações sujeitas à incidência do IVA-Dual o cumprimento de exigências legais, regulamentares ou administrativas.
Surge então uma pergunta: o pagamento de royalties ao governo poderia ser interpretado como uma concessão onerosa com bens ou serviços?
Para muitos especialistas em direito tributário, a resposta é “não”. Eles justificam que os royalties não decorrem de uma relação de mercado, mas de um regime jurídico público. Logo, não se caracterizariam como fato gerador do IBS ou da CBS.
Risco de interpretação ampliada
A possibilidade de o Fisco adotar uma interpretação ampliada da legislação traz algumas preocupações, pois, na ausência de uma exclusão expressa, pode-se sustentar que os royalties configuram uma forma de concessão onerosa de direito.
Tal interpretação abriria caminho para a tributação dos valores pelo IBS e pela CBS. Como consequência, o tema poderia migrar rapidamente para a esfera judicial, trazendo insegurança jurídica e alongando a solução por anos.
Além da insegurança jurídica, há um efeito econômico imediato a ser considerado. O setor de recursos naturais já enfrenta uma carga tributária elevada e complexa, sendo onerado, inclusive, com a incidência do Imposto Seletivo a partir de 2027. A eventual incidência de IBS e CBS sobre royalties representaria aumento significativo da carga tributária, com impacto direto na competitividade e no apetite por investimentos.
Empresas poderiam ser obrigadas a provisionar valores adicionais ou repensar planos de expansão, em um cenário que demandaria maior previsibilidade para atração de capital e manutenção de operações.
O debate sobre a incidência de IBS e CBS sobre royalties governamentais vai muito além do que uma questão técnica jurídico-tributária: trata-se de um teste para a segurança jurídica da Reforma Tributária.
Por um lado, há espaço para interpretações ampliadas; por outro, a natureza jurídica dos royalties, como compensação financeira legalmente prevista, parece indicar que tais valores não devem compor a base de incidência dos novos tributos.
Sem clareza legislativa, cresce o risco de judicialização, com impactos para empresas, governo e sociedade. Mais do que nunca, assegurar a segurança jurídica é um fator determinante para o sucesso da reforma.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
IV – utilizar tributo com efeito de confisco;
V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
VI – instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
O recebimento da compensação é um direito constitucionalmente garantido aos entes federativos que sofrem os danos ambientais diretos ou indiretos decorrentes do desenvolvimento da produção ou movimentação do petróleo e gás natural, em razão do ônus que os mesmos têm que suportar quando da referida exploração.
De fato, o §1° do artigo 20 da Constituição, na redação atual dada pela Emenda Constitucional nº 102/2019, assegura aos entes federativos a titularidade do direito à participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, garantindo a eles a participação no resultado ou a compensação financeira por essa exploração. Relevante mencionar que a Política Nacional do Petróleo foi criada pela Lei n° 2.004/53, que previu, em seu artigo 27, a obrigação da sociedade e suas subsidiárias a pagar trimestralmente a compensação financeira indenizatória aos estados, Distrito Federal e municípios, correspondente a 5% sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás extraído de seus respectivos territórios, onde se fixar a lavra do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, operados pela Petrobras, sendo 70% aos estados produtores, 20% aos municípios produtores e 10% aos municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural. Na mesma esteira, tem-se o Decreto n° 01/91, que estabelece a compensação financeira aos Municípios onde se localizarem as instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou gás natural será devida na forma legal. No ponto, cabe esclarecer que a compensação financeira, indicada nos dispositivos legais supratranscritos, passou a ser chamada de royalties a partir da publicação da Lei n° 9.478/97, a qual manteve os critérios de distribuição do valor mínimo de 5%, conforme previa a Lei 7.990/89.
Sob a denominação de participações governamentais, o artigo 45 da Lei 9.478/1997 prevê quatro diferentes espécies de pagamentos que a empresa concessionária ou extratora deverá pagar: a) bônus de assinatura; b) royalties; c) participação especial e d) pagamento pela ocupação ou retenção de área. Dessa forma, royalties pode ser definido como preço público pago ao proprietário do recurso natural não renovável que for extraído, inserido ou consumido no processo produtivo ou no processo de exploração desse bem, isto é, tem vinculação com a produção ou exploração de petróleo, gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos. Tanto no sistema de exploração por contratos de concessão, quanto no de partilha, existem royalties a serem pagos ao entes federativos.
Maria Isabel Ferreira é sócia-líder de Tributos Indiretos da KPMG no Brasil.
Tatiana Amaral é gerente sênior de Tributos Indiretos da KPMG no Brasil.
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