Tarifas impostas pelos Estados Unidos e impactos nos Preços de Transferência

Donald Trump – Foto via Casa Branca

Por Ramon Tomazela

Em 09.07.2025, o governo dos Estados Unidos anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre as importações provenientes do Brasil. A medida, sem precedentes nas relações comerciais bilaterais entre os dois países, representa um dos maiores episódios de tensão no comércio internacional envolvendo o Brasil.

A justificativa formal apresentada pelo governo norte-americano está baseada em três aspectos: (i) uma alegada perseguição política contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, (ii) a suposta hostilidade do governo brasileiro em relação às empresas de tecnologia norte-americanas; e (iii) um suposto déficit comercial estrutural desfavorável aos Estados Unidos nas trocas com o Brasil.

Os dois primeiros argumentos, de natureza política, extrapolam o âmbito do comércio internacional e não serão abordados neste comentário. Já o terceiro argumento, que teoricamente poderia servir de base para a aplicação da Seção 232 do “Trade Expansion Act” de 1962, não encontra respaldo nos dados econômicos oficiais. De fato, em 2024, os Estados Unidos registraram superávit de aproximadamente US$ 7,5 bilhões nas transações com o Brasil, saldo positivo que se repetiu no primeiro semestre de 2025 (cerca de US$ 1,7 bilhão). No longo prazo, dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços mostram que os Estados Unidos têm superávit com o Brasil desde 2009, acumulando US$ 43 bilhões em dez anos.

Assim, a alegação de déficit comercial por parte do Presidente Trump parece ter sido utilizada apenas como um fundamento formal para aplicar a Seção 232 do “Trade Expansion Act”, afastando a necessidade de aprovação pelo Congresso norte-americano e ampliando a margem de manobra do Poder Executivo para eventual justificação da medida perante a Organização Mundial do Comércio (“OMC”).

A imposição unilateral de tarifas de 50% sobre os produtos exportados do Brasil, baseada em alegações inconsistentes de ameaça à segurança nacional, insere-se no contexto atual de “trade war”, no qual medidas tributárias e aduaneiras são utilizadas como instrumentos de política externa, marcando um retorno ao protecionismo comercial, que rompe décadas da política de livre comércio que se seguiu após a Segunda Guerra Mundial. Essas medidas, além de acirrarem tensões nas relações econômicas globais e provocarem impactos sobre juros e câmbio, afetam, em maior ou menor grau, setores relevantes da economia brasileira, como petróleo, café, soja, suco de laranja, algodão, tabaco, celulose, carne bovina, aço e aviação.

  1. A relação entre tarifas e preços de transferência

Em regra, as tarifas incidem diretamente sobre o valor aduaneiro das mercadorias importadas, interferindo na relação entre custo dos bens vendidos e o lucro tributável dos grupos multinacionais.  Isso porque quanto maior o valor do produto, maior será a tarifa devida nos Estados Unidos, o que reduz, por consequência, o lucro tributável do importador. Inversamente, a atribuição de valor mais baixo ao produto tende a mitigar o impacto da tarifa, mas eleva o lucro tributável do importador nos Estados Unidos. Essa relação inversa entre as tarifas e os preços de transferência pactuados nas relações comerciais entre partes relacionadas no Brasil e nos Estados Unidos evidencia o desafio dos grupos multinacionais em conciliar o controle de preços de transferência com custos adicionais decorrentes da guerra comercial.

  • Estratégias para mitigação dos impactos das tarifas

Estratégias para mitigar o impacto das tarifas ou, ao menos, evitar ônus adicionais no controle dos preços de transferência, envolvem diversas medidas, que variam caso a caso, a depender da estrutura do grupo multinacional. A título ilustrativo, é possível citar estratégias como alteração da cadeia de suprimento, alocação contratual de riscos tarifários, desagregação do preço do produto, revisão dos métodos de preços de transferência, celebração de acordos prévios de preços de transferência, entre outras.

A alteração da cadeia de suprimento não é uma medida imediata e simples de ser implementada, mas pode trazer resultados mais sustentáveis e duradouros. Em geral, pretende-se minimizar a exposição tarifária por meio da escolha estratégica da jurisdição de origem dos bens, aproveitando tratados comerciais ou regimes preferenciais. Para tanto, é possível (i) realocar etapas de produção ou montagem em países com acordos de livre comércio ou tarifas reduzidas para exportação para os Estados Unidos; ou (ii) usar operações de industrialização por encomenda para alterar a origem aduaneira do produto, o que dependerá da avaliação das “rules of origin” aplicáveis a cada produto. Em contrapartida, há custos logísticos e operacionais que precisam ser examinados à luz do caso concreto, tendo em vista que, no caso de cadeias de suprimentos globais altamente integradas, pode ser difícil alterar rapidamente as origens das atividades de produção.

A alocação contratual dos riscos tarifários, embora não mitigue, necessariamente, o impacto da tarifa sobre o produto em si, pode evitar efeitos indesejados no controle de preços de transferência, com reflexos adversos na valoração aduaneira. Como exemplo, quando o distribuidor nos Estados Unidos é responsável pelo pagamento das tarifas no momento da importação, o custo total de aquisição do produto importado aumenta, mas o preço de revenda aos clientes locais pode não acompanhar essa elevação proporcionalmente, reduzindo a margem operacional. Se a política de preços intragrupo não ajustar esse efeito, a margem do distribuidor pode ficar abaixo do intervalo arm’s length, exigindo a recomposição da margem.

A alternativa natural seria recalibrar o preço de transferência entre o principal e o distribuidor nos Estados Unidos para compensar o impacto da tarifa. O exportador no Brasil reduz o preço de venda intragrupo da mercadoria, compensando o efeito da tarifa a ser paga pelo importador nos Estados Unidos. Com isso, o custo total do distribuidor (preço + tarifa) retorna a um patamar que permite a obtenção de margem de lucro alinhada ao padrão “arm’s length”. Como a tarifa é calculada sobre o valor da importação, se o preço de compra é reduzido, a base de cálculo da tarifa também diminui, facilitando a manutenção da margem de lucro. O problema que surge é que, se o ajuste de preço for significativo, há risco de questionamentos sob o enfoque valoração aduaneira, pois a autoridade alfandegária pode entender que o preço foi manipulado artificialmente para reduzir a tarifa. A tendência é que U.S. Customs and Border Protection (CBP) avalie estratégias para subvalorizar o preço da mercadoria. 

Nesse cenário, uma opção seria estruturar contratualmente o reembolso das tarifas fora do preço de transferência da mercadoria, ou seja, o exportador no Brasil, que atua como empreendedor, compromete-se, via contrato, a reembolsar o distribuidor nos Estados Unidos pelo montante efetivamente pago a título de tarifa, após a importação. Nesse caso, o valor aduaneiro (“transaciton value”) declarado para fins de tarifa é o preço real de transação e a tarifa é tratada como despesa extraordinária, sendo ressarcida pelo exportador no Brasil para que a margem do distribuidor volte ao intervalo “arm’s length”. O racional para essa abordagem estaria relacionado às assunções de risco na transação controlada e ao fato de que o benchmarking do lucro da parte testada não foi afetado pelas tarifas. Como exemplo, a depender do perfil funcional, pode-se sustentar que o distribuidor nos Estados Unidos não assumiu o risco de tarifas, seja por seu perfil funcional, seja por ausência de poder decisório sobre a origem da produção ou a estratégia comercial.

A desagregação do preço do produto pretende reduzir a base tarifária sobre a qual incide o percentual ad valorem da tarifa aduaneiro, mantendo a remuneração pelos demais componentes da operação (intangíveis, serviços, suporte administrativo) fora do valor da mercadoria importada. O racional envolve a separação contratual de preços para (i) fornecimento do bem físico, (ii) licença de uso de ativos intangíveis associados à mercadoria, (iii) serviços de suporte, marketing ou pós-venda. Essa desagregação precisa ser avaliada com cautela à luz da política de preços de transferência e dos componentes que integram o valor aduaneiro da mercadoria.

Como exemplo, na legislação norte-americana (19, § 1401a do “U.S. Code”), o valor da transação compreende não apenas o preço pago ou a pagar pela mercadoria, mas também certos componentes que refletem custos ou pagamentos economicamente vinculados à operação de importação, tais como: (i) os custos de embalagem; (ii) comissões de venda suportadas pelo comprador; (iii) o valor de serviços de suporte; (iv) royalties relacionados à mercadoria importada; e (v) os valores correspondentes a receitas provenientes de revenda, alienação ou uso posterior da mercadoria importada que revertam, direta ou indiretamente, ao vendedor. Esses elementos são adicionados ao preço principal da transação para se determinar o valor aduaneiro final sobre o qual incidirão as tarifas de importação.

A revisão do método de preços de transferência está relacionada ao fato de que, no método da margem líquida da transação (MLT), equivalente ao “Comparable Profits Method” (CPM) nos Estados Unidos, a margem operacional da parte testada pode ser comprimida pelas tarifas, que representam um custo alheio à sua gestão ou eficiência operacional. As transações comparáveis utilizadas no estudo de benchmarking, por sua vez, podem não estar sujeitas às mesmas tarifas, resultando em uma análise desequilibrada e que não reflete a lógica do padrão “arm’s length”. Em tal cenário, é conveniente reavaliar se o método de preços de transferência adotado continua adequado à nova realidade tarifária ou se há a possibilidade de efetuar um ajuste de comparabilidade para refletir o impacto da tarifa.

Por fim, uma alternativa relevante para mitigar os riscos de controvérsias envolvendo o impacto das tarifas sobre preços de transferência é a celebração de Acordos Prévios de Preços de Transferência (APAs) com a autoridade fiscal. Por meio de um APA, o contribuinte pode negociar antecipadamente com o Fisco os parâmetros de remuneração aplicáveis às transações controladas, considerando expressamente os efeitos de tarifas extraordinárias na margem da parte testada. Essa abordagem permite ajustar a política de preços intragrupo de forma prospectiva, garantindo que o custo adicional das tarifas seja devidamente alocado entre as entidades relacionadas de modo compatível com o padrão “arm’s length”, evitando margens artificiais ou distorcidas em razão de retaliações tarifárias.

  • Comentários finais

A interação entre políticas de preços de transferência e gestão tarifária exige uma abordagem integrada entre áreas fiscal, aduaneira, financeira e logística, pois as decisões de preços de transferência impactam o valor aduaneiro, as tarifas de importação e as margens tributáveis nos Estados Unidos. A recomendação central é que as empresas sejam proativas na análise dos possíveis cenários para mitigar tanto os riscos alfandegários quanto impactos no controle dos preços de transferência.


Ramon Tomazela é Sócio do Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados. Doutor e Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo. LL.M in International Taxation pela Universidade de Viena.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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