Atividade rural e letras de créditos: blindagens no relatório da reforma do IR vieram por sinalizações da MP 1.303, dizem especialistas

O relator da Reforma da Renda, deputado Arthur Lira (PP-AL) – Foto: Kayo Magalhães via Câmara dos Deputados

Por Gabriel Benevides, de Brasília

Uma das mudanças mais significativas do projeto de lei da reforma da renda (PL 1.087 de 2025) na tramitação na Câmara dos Deputados foi a determinação que blinda do Imposto Mínimo certos ganhos, como a parcela isenta da atividade rural e letras de crédito. 

Tributaristas consultados pelo Portal da Reforma Tributária dizem que as ações fazem sentido e vieram por causa da sinalização do governo com a medida provisória das aplicações financeiras (MP 1.303 de 2025).

A percepção dos especialistas é de que a MP mostrou que rendimentos hoje isentos podem receber cobranças no futuro. Assim, a reforma da renda teria se adequado para evitar lacunas neste ponto. 

Entenda a relação:

  • Reforma da Renda – Cria o Imposto Mínimo de 10% sobre rendimentos tributáveis para compensar a isenção de até R$ 5.000.
  • MP 1.303 – Determinava que alguns investimentos hoje isentos seriam tributados em 5% ou 7,5% a partir de 2026, como LCI (Letras de Crédito Imobiliário), LCA (Letra de Crédito do Agronegócio).

Sócio do escritório Charneski Advogados, Tiago Coster relembra que o texto original do governo previa no art. 16-A que não entravam no cálculo do Imposto Mínimo “os rendimentos de títulos e valores mobiliários isentos ou sujeitos à alíquota zero”

Com a edição da MP 1.303, adicionou-se nominalmente no PL 1.087 a exclusão de LCI, LCA e de outras formas de renda para deixar o texto conforme já se previa inicialmente.

“Acho que o Congresso quis fechar essa porta. Na medida em que se deduz a LCA e outros rendimentos assimilados da tributação mínima da renda, exclui a cobrança em qualquer hipótese. Tendo alíquota zero, sendo isenta, tendo uma alíquota de 5%. Continua fora do cálculo”, declara Coster.

Tiago Coster
Na imagem, Tiago Coster – Foto Dviulagção via Charneski Advogados

COO da empresa de tecnologia ROIT, o tributarista Ricardo de Holanda concorda com essa análise. Cita como exemplo também a LCA

“A MP 1.303 trazia a previsão de tributação da LCA, por exemplo, de 7,5%. Caso esse título não fosse excluído do cálculo do IPRFM [Imposto de Renda de Pessoas Físicas Mínimo], na prática, a taxação poderia chegar aos 10%”, diz.

Ricardo de Holanda Janesch

Ambos os advogados consideram que as exclusões foram um avanço. As mudanças foram aceitas pelo relator do projeto na Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL).

A reforma da renda foi aprovada por unanimidade na Câmara dos Deputados no fim de setembro. A MP das aplicações caducou porque os congressistas barraram a votação.

ATIVIDADE RURAL

Outra alteração adicionada por Lira foi a exclusão de ganhos da atividade rural isenta na base de cálculo do Imposto Mínimo. A nova redação teve pouco alarde do relator e foi noticiada com destaque posteriormente pela imprensa.

Ambos da área de Tributário do Machado Meyer, o sócio Luiz Rosa e a advogada Thais Albanezi consideram que a mudança foi necessária porque a cobrança da atividade rural atualmente é regida por meio de uma legislação específica.

A lei em questão é a nº 8.023 de 1990, que determina no art. 4º a tributação da renda líquida – quando são excluídas as despesas e investimentos incorridos para o desenvolvimento da atividade rural.

Assim, a avaliação dos especialistas é que houve uma adequação à norma já vigente para o setor.

“Ao excluir da base de cálculo a parcela isenta relativa à atividade rural, o legislador reconhece as particularidades do setor e mantém a coerência do regime tributário já existente”, escrevem Rosa e Albanezi em uma análise feita a pedido do Portal.

RUSGA NO SENADO

O relator da reforma da renda no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), criticou os regimes de exceção do Imposto Mínimo adicionados pela Câmara. Chamou essas previsões de “problemas”.

Ele disse que o impacto fiscal das exclusões não foi considerado no projeto, o que traria a necessidade de uma análise maior para definir a necessidade de compensação.

Tiago Coster avalia que a retirada dos títulos citados nominalmente tendem a ser inválidas, tendo em vista que o projeto original do governo já previa a não incidência de Imposto Mínimo sobre o que hoje é isento.

Por outro lado, a questão da atividade rural poderia levantar essa discussão –mesmo que o impacto seja pouco significativo em relação ao projeto como um todo.

“Realmente, pode ter uma disparidade de valores que a Receita pensava que ia arrecadar frente à isenção [relativa à atividade rural], afirma.

Luiz Rosa e Thais Albanezi descartam o impasse em ambos os casos. Segundo eles, mesmo o ponto sobre a atividade rural não merece uma atenção sobre o impacto orçamentário.

“Em reformas tributárias, é comum que ajustes orçamentários necessários sejam realizados posteriormente ou em próximas etapas das discussões no processo legislativo. Não nos parece que há aqui uma renúncia de receitas por parte da União, mas sim uma adequação do escopo da nova incidência”, escrevem os advogados.

A crítica de Calheiros é um recado para Arthur Lira. Ambos são opositores políticos e devem concorrer ao Senado por Alagoas em 2026.

“Tivemos alguns outros problemas. Na tramitação, a Câmara dos Deputados introduziu benefícios a pessoas jurídicas, como ganhos com títulos de mercado financeiro e lucros de corporações privadas –dentre outras matérias”, declarou Calheiros. 

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