Especialistas apontam fragilidades em documentos da Fazenda sobre alta no IOF

Fachada do Ministério da Fazenda
Fachada do Ministério da Fazenda – Foto: Marcelo Camargo via Agência Brasil

Por Gabriel Benevides, de Brasília

Especialistas em direito tributário apontaram fragilidades em documentos que embasaram as decisões do governo durante o impasse do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). 

O Portal da Reforma Tributária teve acesso a ofícios, notas técnicas e outras documentações sobre o tema por meio de um pedido de Lei de Acesso ao Ministério da Fazenda.

Um dos textos é uma minuta do decreto e um anexo com as justificativas que o governo elaborou para promover a alta do IOF de algumas categorias.

No geral, a equipe econômica tem publicamente tentado associar a alta a mudanças de regulação. A premissa é que a alta do imposto não veio para aumentar a arrecadação, mas que o efeito nos cofres públicos seria uma consequência.

Os textos apresentados via LAI só reforçam esse ponto de vista, considerado errôneo pelos especialistas consultados pela reportagem.

Sócio da Advocacia Dias de Souza, Júlio César Soares fala em uma visão enviesada que não justifica a medida. Ele afirmou que esperava mais de documentos que deveriam servir para embasar uma medida com a proporção do impasse do IOF.

“De alguns documentos, como resposta da receita e a nota informativa, eu esperava um pouco mais. Porque, assim, tem um problema difícil aqui, muito grande. E eu achei os documentos um pouco pobres com relação às justificativas que o governo adotou para poder instituir as majorações”, disse.

Júlio Cesar Soares – Foto: Reprodução via Advocacia Diaz e Souza

Leia abaixo a íntegra do documento:

A minuta do decreto que alterou o texto afirmava que o objetivo da alta do IOF era:

“Alterar alíquotas de IOF incidentes em operações de crédito, de câmbio, de seguro e de valores mobiliários com o intuito de promover a harmonização em relação a efeitos decorrentes de alíquotas atualmente aplicáveis, fortalecendo os instrumentos de política econômica e promovendo maior eficiência e isonomia no âmbito do mercado financeiro”

Segundo os tributaristas, a confirmação é de que a intenção com o texto era meramente arrecadatória. COO da ROIT, Ricardo de Holanda disse que houve uma tentativa de “travestir uma medida arrecadatória em um imposto que não tem caráter arrecadatório”.

O anúncio do novo IOF foi realizado no mesmo dia que o Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas. Naquela época, esperava-se um incremento de R$ 20,5 bilhões na arrecadação de 2025. Esse montante foi utilizado para fechar as projeções e evitar um congelamento maior no Orçamento.

A projeção de receita para este ano agora é próxima de R$ 12 bilhões, por causa dos recuos realizados no decreto.

O Portal da Reforma Tributária entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda via e-mail e deu a oportunidade de fazer comentários sobre o assunto abordado nesta reportagem. O órgão respondeu que “não vai comentar”

“REAÇÃO NEGATIVA DO MERCADO”

Logo que o 1º decreto do IOF foi editado em 22 de maio, a equipe econômica revogou parte da incidência do novo imposto sobre fundos no exterior.

Um dos documentos foi enviado pelo Ministério da Fazenda ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No texto, reconhece-se que o recuo inicial veio por causa da “forte reação negativa do mercado”.

Segundo os tributaristas, esse trecho mostra que toda a alta do IOF foi pensada com pouco planejamento nas reações e com pouco planejamento.

“Não anteviram muitas coisas que podiam vir. Essa é uma delas. A reação ao Fdic e risco sacado também acho que é algo que eles não previram de modo adequado”, declarou Ricardo.

Ricardo de Holanda Janesch – Foto: Reprodução via ROIT

FRAGILIDADES METODOLÓGICAS

Outro documento que chamou a atenção dos tributaristas foi uma nota da Receita Federal de 9 de junho, com estimativas de arrecadação para o IOF crédito e as outras categorias. 

O desincentivo aos empréstimos por causa da maior carga tributária é um ponto minimizado nas análises. No detalhamento da minuta, dados da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) sobre o aumento do custo de crédito em até 40% são citados. Porém, não aparenta haver uma checagem independente.

O  texto também cita que uma amenização na taxa do chamado risco sacado (antecipação de recebíveis) seria suficiente para “mitigar as distorções […] mencionadas, buscando uma maior eficiência no funcionamento do mercado de crédito”.

Sócia na Simões Pires e ex-PwC, a consultora tributária Paula Romano diz que o aumento do IOF associado à taxa básica de juros (Selic) alta tende a trazer um desincentivo à tomada de crédito. Segundo ela, os mais afetados foram aqueles que precisavam do dinheiro para a atividade produtiva.

“Acho que tem um efeito bem deletério para a economia”, declarou a especialista ao Portal.

Sobre o crédito de pessoa jurídica, a nota técnica considera as seguintes premissas para a elaboração das estimativas:

  • Utilização de estatísticas do Banco Central.
  • Crescimento do crédito de 0% ao ano em 2025, 10% em 2026 e 5% em 2027.

Leia abaixo o documento em questão:

Ricardo de Holanda também alertou para a possibilidade de retração econômica por causa do cenário econômico de juros altos.

“Ao incrementar a tributação, o crédito fica ainda mais caro. Nesse cenário, temos que considerar pelo menos a possibilidade de retração do crédito e uma desaceleração econômica”, avaliou.

Paula relata que alguns dos seus clientes já mostraram preocupação com o custo de crédito elevado. Para ela, é um sinal de que as medidas do IOF contribuirão para uma desaceleração nos empréstimos.

“Tenho atendido diversos clientes, extremamente preocupados, porque tem, por exemplo, em suas políticas, o estabelecimento da necessidade de captar dinheiro sempre com prazo até 365 dias. E é para atividade produtiva […] Isso não está sendo avaliado nesses documentos com estes elementos”, disse.

ÍNTEGRA DOS DOCUMENTOS

Leia abaixo todos os documentos obtidos pelo Portal da Reforma Tributária compilados em um único PDF:

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