BID destina US$ 2 bi para apoiar a adaptação dos estados à reforma tributária

Sede do BID em Washington, D.C, nos Estados Unidos – Foto via Wikimedia Commons

Por Regina Krauss

Com a promulgação da reforma tributária e a criação do IBS e da CBS, os estados brasileiros enfrentam o desafio de adaptar suas administrações tributárias a um novo modelo de arrecadação. Para viabilizar essa transição, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) lançou, em parceria com a Receita Federal, o Profisco III (Programa de Apoio à Gestão dos Fiscos do Brasil), com uma linha de crédito de US$ 2 bilhões.

Maria Cristina Mac Dowell, especialista principal da Divisão de Gestão Fiscal do BID, conversou com a revista sobre a nova versão do programa. “Todos os projetos estaduais contemplarão ações voltadas à reforma, como atualização e integração de sistemas, capacitação de servidores e revisão de processos para garantir conformidade com o IBS e a CBS”, afirmou. 

O programa também traz duas inovações relevantes: a inclusão de ações voltadas à qualidade do gasto público e a integração transversal da dimensão climática na gestão fiscal. Estados serão incentivados a criar marcadores orçamentários ambientais, incluir riscos climáticos nas projeções fiscais e utilizar dados fiscais para apoiar ações de controle ambiental.

O Profisco III é a mais recente fase de uma trajetória iniciada nos anos 1990, quando o BID passou a investir na modernização da Receita Federal e, posteriormente, nas administrações tributárias estaduais e municipais. Agora, o foco se volta à adaptação tecnológica e institucional dos estados para operar o novo sistema tributário nacional. Ao mesmo tempo, busca melhorar a qualidade do gasto público e incorporar a variável ambiental à gestão fiscal.

Gestão fiscal

Como recorda Mac Dowell, “desde o início de sua atuação na área, o BID tem priorizado a integração de três pilares: pessoas, processos e tecnologia. Essa abordagem foi consolidada nas duas primeiras fases do Profisco, que alcançaram praticamente todas as unidades da federação e geraram ganhos expressivos de arrecadação”.

No Profisco I, lançado em 2008, 23 unidades da federação receberam recursos para implantar sistemas como a Nota Fiscal Eletrônica e o SPED. O programa foi responsável por um aumento médio de 12% na arrecadação dos estados participantes em comparação com os demais. Já no Profisco II, com aporte de US$ 900 milhões, uma avaliação intermediária indicou crescimento de 5% na receita tributária dos 19 estados que aderiram.

Profisco III

Nesta nova fase, estão previstos US$ 2 bilhões, aproximadamente R$ 12 bilhões. Maria Cristina Mac Dowell conta que o primeiro projeto a ser aprovado será o do Estado do Amazonas, que não participou de programas anteriores. A escolha reflete o interesse do BID em destacar a dimensão ambiental desde o início desta nova fase. Além do Amazonas, já estão em negociação projetos com Ceará, Goiás, Maranhão e o Ministério da Fazenda. Outros estados — como Rio Grande do Sul, Piauí e Rio Grande do Norte — também apresentaram cartas-consultas.

Diferentemente de programas padronizados, cada projeto do Profisco III será elaborado com base no nível de maturidade da gestão fiscal de cada estado, avaliado por meio do instrumento MD-GFIS, desenvolvido pelo BID. Esse diagnóstico abrange mais de 100 processos de trabalho e permite desenhar projetos personalizados e alinhados às melhores práticas nacionais e internacionais.

Apoio técnico 

“A reforma do Brasil é a mais estruturante que vimos na América Latina nos últimos anos. Ela abrange um terço da nossa carga tributária, o equivalente ao valor da arrecadação total de alguns países”, lembra a analista. O BID tem colaborado também ajudando no intercâmbio de experiências, mostrando como funciona o IVA pré-preenchido do Chile e o modelo de cashback da Colômbia, por exemplo.

Segundo a representante do BID, a atuação técnica do banco tem sido fundamental para ajudar os estados a se prepararem para o novo modelo tributário. Um dos instrumentos centrais é o Modelo de Gestão da Administração Fiscal (MD-GFIS), desenvolvido em parceria com a Secretaria do Tesouro Nacional. 

A ferramenta mapeia mais de mil requisitos que refletem as melhores práticas nacionais e internacionais em mais de 100 processos de trabalho da administração fiscal. “São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco e outros estruturam a atuação da Secretaria da Fazenda com base na MD-GFIS. Em alguns casos, os requisitos foram incorporados a sistemas internos e os secretários acompanham os indicadores para garantir progresso”, complementa Mac Dowell.

Como aderir

Para que um estado participe do Profisco III, é necessário que tenha uma carta-consulta aprovada pela Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento e que também inclui o Ministério da Fazenda e o Itamaraty. Uma vez aprovada a carta, o BID envia uma equipe técnica ao estado para desenhar, em conjunto, as soluções que farão parte do projeto. 

“Trabalhamos com missões técnicas de cinco ou mais especialistas ao estado. Ajudamos na definição dos produtos e soluções e até apoiamos na elaboração da própria carta-consulta. O projeto é detalhado com base no valor pretendido, nas necessidades locais e na experiência de outros estados”, esclarece a analista.

No Brasil, a equipe fiscal do banco conta com cinco especialistas dedicados exclusivamente ao país — número inédito na instituição, reflexo do tamanho e da complexidade da agenda brasileira.

E os municípios?

Tradicionalmente, o banco atua com municípios por meio de programas como o PNAFM, com financiamento intermediado pela Caixa Econômica Federal. No Profisco III, porém, a representante do BID explica que a ideia é que capitais e grandes cidades possam contratar diretamente com o banco, enquanto cidades de médio e pequeno porte seriam atendidas via agente financeiro.

Essa mudança é importante, pois muitos municípios têm demonstrado interesse em receber a mesma assistência técnica que os estados. No entanto, o volume de recursos também é fator decisivo: para contratos diretos, o BID exige um valor mínimo viável para justificar a operação. “Muitos municípios querem o contrato direto justamente pela assistência técnica mais estruturada. Mas ainda estamos definindo com o Ministério da Fazenda qual será o modelo e o valor mínimo para viabilizar esses contratos”.

Reforma tributária em andamento

Maria Cristina explica que a reforma tributária aparece no Profisco III como um “produto genérico”, uma vez que há muitos pontos da reforma que ainda não foram definidos — especialmente no que diz respeito à atuação do Comitê Gestor, à arrecadação, à fiscalização e ao contencioso administrativo do novo imposto. 

Para não atrasar os projetos, o BID optou por “estruturar os contratos de forma flexível, que será detalhado mais adiante, quando houver diretrizes mais claras. Sabemos que haverá ajustes, mas não podemos esperar todas as definições para iniciar os trâmites”.


Maria Cristina Mac Dowell é Especialista Principal da Divisão de Gestão Fiscal do BID, onde coordena tecnicamente os programas de financiamento e assistência técnica nos temas de política e gestão de fiscal no Brasil. Foi pesquisadora do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Anteriormente foi Diretora-Geral da Escola de Administração Fazendária do Ministério da Fazenda. Sua trajetória inclui também a docência em cursos de graduação e pós-graduação em economia, além de consultoria para organismos internacionais como o Banco Mundial, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). É doutora em Economia pela Universidade de Brasília e possui mestrado em economia pela Universidade Federal de Pernambuco.


Esta reportagem foi publicada anteriormente na 3ª edição da Revista da Reforma TributáriaClique aqui para assinar e receber as próximas edições.

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