Uma transição tributária muito longa não funciona, diz especialista da Austrália

Robert Breunig

Por Enzo Bernardes e Douglas Rodrigues

No início dos anos 2000, a Austrália implementou um novo sistema tributário, o Goods and Services Tax (GST), um imposto aplicado à maioria dos bens e serviços vendidos no país. Esse tributo se encaixa nas características de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), garantindo que o imposto seja pago ao longo da cadeia de produção e venda, mas apenas pelo valor agregado em cada etapa. 

O GST se assemelha ao ICMS e ao ISS no Brasil, e tem como principais características a reivindicação de créditos por empresas, a isenção de impostos para alguns itens como serviços médicos, educação, alguns alimentos básicos e exportações e a aplicação de uma alíquota padrão estabelecida em 10%. 

Robert Breunig, renomado economista de políticas públicas da Austrália, disse, em Webinar do Portal da Reforma Tributária, que um dos trunfos para a aplicação do sistema foi a campanha de conscientização, o que produziu mais compreensão no sistema de imposto em geral. Breunig destaca que, durante o processo de implementação, agentes fiscais foram mobilizados para ir até a comunidade, oferecendo suporte direto e explicando em detalhes o funcionamento do novo imposto: 

“O governo enviou agentes fiscais para bater nas portas de lojas de café, restaurantes e pequenos negócios para explicar o novo imposto diretamente aos comerciantes e pequenos empresários”, disse.

O economista afirma que a preparação para a implementação do novo IVA foi o ponto principal para o sucesso, com uma forte estratégia de comunicação que serviu para cortar muita informação errada que estava sendo propagada: uma espécie de “campanha do medo”.

Desafios

Por mais que a aplicação do IVA na Austrália tenha sido um sucesso, o país também enfrentou desafios na implementação, como um escândalo envolvendo fraudes fiscais e a resistência inicial dos consumidores, que temiam um aumento generalizado dos preços: 

“Nós tivemos um pequeno escândalo sobre o GST há alguns anos, em que alguns agentes, que eram muito desonestos, convidavam clientes para montar negócios falsos. E esses negócios falsos não venderiam nada, mas eles comprariam coisas. Então eles enviariam o seu imposto de GST, com nenhum GST em venda e muitos GST em gastos”, disse.

Para superar esses impactos negativos, o governo estabeleceu um corte nos impostos sobre a renda, além de aumentar os benefícios sociais, com pagamentos para pessoas de idade, desempregados e famílias com filhos.

De acordo com Breunig, o que o governo fez foi esclarecer para a população que haveria sim um aumento na tributação com a alíquota de 10%, porém haveria uma compensação em qualidade de vida e benefícios sociais.

O economista afirma também que o IVA Australiano só cobre cerca de 50% do consumo de produtos e serviços. Ele afirma que uma das falhas do sistema é a não incidência sobre alimentação, saúde e educação privada, algo que ele mudaria se pudesse.

Sustentabilidade fiscal

Breunig afirma que a arrecadação do IVA foi muito bem aproveitada. Ele explica que a Comissão do Grão-Baixo é responsável por transferir recursos do governo federal para os estados, garantindo que cada região receba uma verba equivalente às suas necessidades:

“Olhamos as suas necessidades. Em alguns estados é muito mais caro oferecer educação, porque eles são muito remotos. E então, baseado nas necessidades e na capacidade de renda, nós damos de volta o GST”, explica.

Breunig relata que o IVA foi essencial para equilibrar a economia da Austrália durante duas décadas, mas a pandemia do COVID-19 forçou o governo a aumentar gastos e ampliar a dívida pública. Ele explica que para reequilibrar a economia, talvez seja necessário aumentar a alíquota do imposto para 12,5% ou 15%.

Outra ação importante para manter a sustentabilidade fiscal foi a criação do Charter of Budget Honesty, com mecanismos de monitoramento econômicos. Segundo Breunig, a gestão dos níveis de renda e o alcance de salários nacionais adequados para bufar contra as flutuações eram dois dos principais princípios do Charter of Budget Honesty:

“A Austrália está fazendo um bom trabalho e parece melhor do que outros países. Então parece haver um futuro de sustentabilidade fiscal e integridade monetária, porque eles estão interligados”, disse Simone Maria, economista e matemática.

A transição

Diferente de outros países, que adotam uma transição gradativa em relação aos novos impostos (é o que vai acontecer no Brasil de 2026 a 2033), a transição na Austrália foi direta, sem coexistência entre o antigo sistema e o novo sistema. Em 2000, o país implementou o IVA diretamente, após dois anos de planejamento e preparação.

A Índia, por exemplo, debateu a reforma da tributação sobre bens e serviços por 17 anos. O GST foi aprovado pelo Parlamento em 2016 e entrou em vigor em 1º de julho de 2017. Diferente da Austrália, a Índia não implementou uma alíquota única, optando por um sistema de múltiplas faixas tributárias (5%, 12%, 18% e 28%), além de isenções para produtos essenciais.

Breunig relata que já participou de reformas tributárias com transições graduais de até 10 anos. Ele afirma que isso foi um dificultador, já que o antigo e novo sistema funcionando aumentavam simultaneamente a burocracia e dificultava a implementação:

“Eu estive envolvido em outras reformas de imposto em que tentamos uma transição de dez anos, e o que acontece é que você chega à metade da transição e acaba ficando preso. E aí você está em um mundo pior, onde você tem múltiplos sistemas e você não está realmente recuperando as eficiências de uma mudança para o GST”, explica. 


Esta reportagem foi publicada anteriormente na 3ª edição da Revista da Reforma TributáriaClique aqui para assinar e receber as próximas edições.

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