O contador do futuro: não gera guias, ele transforma negócios!

Por Caroline Souza

Nunca vivemos uma transformação tão profunda na história tributária do Brasil desde a Constituição de 1988. A Reforma Tributária não é apenas uma mudança de regras—é uma revolução que redefine o papel do contador, saindo da figura do “gerador de guias” para se tornar um estrategista essencial na saúde financeira das empresas. 

Se muitos acreditavam que o contador trabalhava apenas para o governo, agora ele será o braço direito dos empresários, garantindo perenidade e decisões mais assertivas em um cenário de caos ao longo da transição (2026 a 2032), com uma perspectiva de simplificação dos tributos sobre o consumo.

Existem muitas mudanças de paradigma com a aprovação da EC 132/2023 e a LC 214/2025, como, por exemplo, o crédito tributário agora passar a ser financeiro, e não mais escritural, necessariamente o direito a crédito passa a ter relação com sa extinção do débito pelo fornecedor, que é o contribuinte, ou pelo adquirente, através do RAD – Recolhimento pelo Adquirente – permitido pela LC 214/2025, enquanto não implementado o Split Payment. Ainda, teremos o fim da tributação cumulativa para grande parte das atividades, com algumas exceções, e caminharemos para uma não-cumulativa mais ampla de fato. Contaremos com uma base de cálculo e um fato gerador abrangentes, porém, com uma legislação de IVA-Dual (CBS + IBS) mais uniforme.

Toda mudança exige uma nova perspectiva, uma nova jornada, postura diferente dos demais, e claro, um profundo conhecimento das implicações em toda a cadeia de valor – do escritório contábil, e principalmente dos clientes.

O que muda na prática para o contador?

A reforma impactará profundamente os processos, as leis e como os contadores trabalham, desde sistemas de emissão de XML, o processamento de notas, apuração, obrigações acessórias, até os preços brutos e líquidos. Importante ressaltar que inclusive os preços dos serviços contábeis – honorários – deverão ser afetados, afinal, a carga tributária maior e a carga de trabalho maior, devem ser repassadas ao cliente, para isso, torna-se fundamental a análise do perfil dos clientes da base, para mapear quem terá direito a créditos (meio de cadeia) e quem não terá (fim de cadeia). Por óbvio, os clientes que não terão direito a apropriação de crédito, terão maior sensibilidade a qualquer mudança de preços, afinal, qualquer aumento de preço para o negócio dele representa aumento de custo efetivo.

Não sabe diferenciar o “meio da cadeia” e o “fim da cadeia” tributária? Te explico:

  • meio de cadeia são empresas do lucro real, lucro presumido e simples nacional em regime regular (com IVA por fora da guia do simples), que apropriam e geram créditos integrais de IVA (CBS + IBS)
  • fim de cadeia são empresas do simples nacional em regime irregular (com IVA por dentro da guia do simples, com % reduzido), pessoas físicas, produtores rurais não contribuintes (que faturam até 3,6 MM ao ano e não optaram em recolher IVA), pessoas físicas, MEI, transportadores autônomos, que não apropriam e não geram créditos integrais de IVA (CBS + IBS).

Algumas mudanças importantes na rotina dos contadores, na ‘vida real’, elenco abaixo alguns exemplos:

  • Sistemas: A adaptação não se limita à emissão de XMLs e notas fiscais. Envolve a reconfiguração completa de ERP, estoque, contas contábeis, novas bases de cálculo, alíquotas, regras de apropriação de créditos, obrigações acessórias, dentre outros fatores. A integração entre módulos de vendas, compras, estoque e financeiro será crucial para garantir a conformidade, principalmente dos créditos tributários das compras, e gestão do fluxo de caixa;
  • Preços: A transição para o IVA dual (CBS e IBS) deve alterar significativamente a carga tributária em diferentes setores e produtos. Isso exige uma revisão da formação de preços, considerando o impacto na margem de lucro e na competitividade dos clientes;
  • Análise do Perfil dos Clientes: Entender a necessidade dos clientes será essencial para entender como auxiliar na jornada de transição da reforma tributária.
    • Se a maioria dos clientes for “meio de cadeia”: 

Em geral, empresas de médio, grande porte. Exemplos incluem indústrias, atacadistas e grandes varejistas. Para esses, a gestão eficiente dos créditos tributários será um diferencial competitivo, análise de novos preços de compras e vendas, saldos credores acumulados e recuperação de créditos, análise de DRE e seus impactos, fluxo de caixa, será um diferencial.

  • Se a maioria dos clientes for “fim de cadeia”: 

Em geral, empresas de pequeno porte. Exemplos incluem prestadores de serviço, como manutenção, arquitetos, bares e restaurantes. A abordagem para esses clientes tende a ter foco no planejamento tributário, com cálculos demonstrativos de impacto em preço bruto, preço líquido, carga tributária, para auxiliar na melhor decisão sobre o futuro.

Cada nicho, cliente, exigirá uma abordagem específica, demandando do contador a capacidade de modelar cenários e prever impactos econômicos e financeiros.

Novos desafios na rotina contábil

Será preciso treinar equipes e clientes sobre impactos em:

  • Preços Brutos x Líquidos: A compreensão de como o IVA impacta a formação de preços e as margens, especialmente em setores com alta carga tributária ou que operam com substituição tributária / IPI  / PIS COFINS Monofásico;
  • Lucro Contábil vs. Fiscal: Entender o impacto em lucro será importante para a projeção de resultados junto ao cliente;
  • EBITDA: O impacto da estrutura tributária no EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation, and Amortization), um importante indicador de desempenho operacional, exigirá análise cuidadosa para evitar distorções;
  • Valor da Empresa no Mercado (Valuation): A mudança na carga tributária e na estrutura de créditos pode afetar o valuation de empresas, exigindo que o contador auxilie na reavaliação de ativos e passivos fiscais.
  • Contratos: A necessidade de revisar e renegociar cláusulas contratuais, especialmente aquelas relacionadas a impostos, para evitar desequilíbrios econômico-financeiros. Parceria com advogados ou uso de tecnologias disponíveis no mercado, como ROIT START, pode ser uma excelente alternativa para conferir celeridade ao tema;
  • Dentre tantos outros temas específicos, como o simples nacional com regime regular e irregular, para empresas de pequeno porte.

Em 2026, entra em cena a apuração assistida e a DERE (Declaração Especial para Regimes Específicos), exigindo ainda mais dedicação e estudo. A apuração assistida representa um sistema governamental que auxiliará na consolidação e cálculo dos tributos, aumentando a transparência e a fiscalização em tempo real. Já a DERE será fundamental para empresas que se enquadram em regimes fiscais diferenciados, como cooperativas, instituições financeiras, planos de saúde, e outras atividades previstas na LC 214/2025.

Estas mudanças demandarão do contador um conhecimento profundo das exceções e particularidades. A parte de compliance e a gestão de riscos começarão a fazer cada vez mais parte do dia a dia da contabilidade.

Como abrir ‘espaço’ na agenda para se dedicar ao tema da reforma?

Não há milagre… o dia tem 24 horas para todos nós, portanto, investir em tecnologia, contratação de pessoas tecnicamente capacitadas, de preferência melhores do que você mesmo, para lidar com o dia-a-dia operacional, será essencial. O time deve conseguir lidar com os clientes, reuniões, cálculos, apuração de guias, conciliação contábil, fechamento de balancete, envio de parcelamentos, auditoria, atendimento a fiscalizações… e por aí vai! 

A rotina é cruel, sei disso, já trabalhei também em escritório de contabilidade, por 4 anos, no início da minha carreira, e tenho conhecimento de causa. Por isso posso afirmar categoricamente que, ficar atolado em trabalho operacional não pode ser uma opção. Investir agora em treinamento, time qualificado e tecnologias de ponta, podem significar o sucesso, ou o fracasso do seu escritório de contabilidade. O contador deve focar em vender e assessorar o cliente com qualidade, ou seja, focar na estratégia do escritório.

O contador como protagonista

A reforma tributária do consumo é a maior mudança estrutural brasileira e é também a chance de reforçar o verdadeiro valor do contador: não apenas cumprindo obrigações fiscais e contábeis, mas interpretando dados fiscais e financeiros para identificar oportunidades de otimização, orientando estratégias de negócios (como planejamento tributário, decisões de investimento e fusões/aquisições) e garantindo que os negócios prosperem em um ambiente tributário complexo. 

O contador se torna um consultor de negócios, fornecendo ideias proativas e antecipando problemas. Quem se adaptar, investir em conhecimento e tecnologia, e desenvolver uma visão estratégica, será indispensável para seus clientes.

Conclusão: um novo tempo para a contabilidade

Mais do que números, o contador do futuro será um consultor estratégico, ajudando empresas a navegar na transição tributária com segurança, antecipando riscos e estratégias. 

A reforma não é um obstáculo – é a oportunidade de provar que a contabilidade vai muito além do fiscal, transformando-se em um pilar fundamental para o sucesso do cliente nos negócios. 


Caroline Souza. Sócia na ROIT, CFO, líder do tema reforma tributária. Contadora e Advogada, Strategy & Innovation em Harvard. MBA em planejamento tributário, curso de CFO pelo Insper. Professora na FIPECAFI, Contabilidade Facilitada, FBT, IPOG, Trevisan. Palestrante. VP de finanças na Assespro-PR.

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