
Por Maria Isabel Ferreira e Paola Dôliveira
A reforma tributária sobre o consumo não é apenas regulatória. Ela representa uma transformação tecnológica, comportamental e estratégica, que redefine a lógica do sistema tributário brasileiro e o papel do profissional de Tax.
Os Application Programming Interfaces (APIs) – que podemos definir como conjuntos de regras e padrões que permitem que diferentes sistemas conversem entre si – tornam-se a nova linguagem do Fisco, conectando empresas, ferramentas de Enterprise Resource Planning (ERPs) e soluções governamentais em um ecossistema digital unificado.
Nesse novo cenário, os ERPs deixam de ser simples sistemas de registro transacional e assumem a função de hubs tributários, passam a ser a principal interface sistêmica para os profissionais de tributos.
Uma das principais inovações é o conceito de compliance by design. A partir de agora, a legislação já nasce digital: os textos legais chegam aos contribuintes sob a forma de parâmetros.
O Fisco passa a fornecer o cálculo dos tributos antes da emissão da Nota Fiscal, alterando radicalmente a lógica atual de conformidade. Isso representa uma mudança de paradigma: primeiro nasce a estrutura do ecossistema digital e, depois, vêm os detalhes da norma — fato gerador, base de cálculo e definição de alíquotas.
A lei nasce digital e os contribuintes passam a operar diretamente sobre essa base parametrizada.
Novas soluções, novos papéis
A reforma introduz um ecossistema tecnológico robusto. Entre os destaques, incluem-se:
- Calculadora tributária disponibilizada em código aberto. Ela fornece dados aos contribuintes e está acessível desde a fase de testes;
- Gerenciador de conformidade, uma solução baseada 100% em dados de transação e no comportamento dos contribuintes;
- APIs conectores, que possibilitam integrações nativas, reduzindo sistemas paralelos e viabilizando conectividade sem atritos.
É muito importante ressaltar a essência dessa transformação: se antes o papel do profissional tributário era garantir a entrega correta e tempestiva das obrigações fiscais, agora o Fisco assume o compliance. Ao profissional de Tax, cabe um papel estratégico: validar, analisar e planejar.
O ERP como hub tributário
Com a centralidade das APIs, os ERPs passam a ser peças-chave nesse ecossistema. Além de se conectar diretamente às soluções do Fisco, eles se transformam em validadores tributários em tempo real, permitindo:
- Transparência na comunicação com o Fisco;
- Automação dos processos fiscais;
- Redução de erros e retrabalho.
Essa integração eleva a importância dos ERPs, que deixam de ser ferramentas operacionais para se tornarem interfaces estratégicas entre empresas e autoridades fiscais.
Outra mudança significativa é a unificação do ambiente de circulação dos documentos fiscais. Eles passam a transitar em um sistema nacional integrado e, em alguns casos, sua emissão poderá ser provida diretamente pelo próprio Fisco.
O documento fiscal deixa de ser uma simples “obrigação acessória” para se tornar protagonista:
- Consolida a relação de consumo;
- Garante a transparência das operações;
- Alimenta todas as partes envolvidas — inclusive o Fisco — com dados em tempo real.
Uma revolução silenciosa
Todas essas transformações dão forma a uma espécie de “revolução silenciosa”, que muda a dinâmica entre empresas, ERPs, soluções fiscais e Fisco, permitindo que as validações ocorram sem sistemas paralelos e apenas com integrações nativas.
No novo contexto, as funções que antes eram dedicadas a parametrizar cálculos, corrigir obrigações, preencher guias e processar pagamentos dão lugar a atividades de curadoria de dados, análises preditivas e geração de valor estratégico.
Em resumo, o Tax deixa de ser operacional para se posicionar como um hub de inteligência tributária.
Vale salientar que as mudanças trazidas pela reforma vão muito além dos aspectos técnico e regulatório. Elas impactam a tecnologia, o modelo de negócios e a forma como os profissionais interagem com o sistema tributário.
Por isso, as organizações devem se preparar para redirecionar competências, investir em análise crítica, desenvolver habilidades digitais e reimaginar as carreiras dos profissionais de tributos.
Essa é uma oportunidade única de reposicionar o papel da área de Tax como protagonista da transformação.
Maria Isabel Ferreira é sócia-líder de Tributos Indiretos da KPMG no Brasil.
Paola Dôliveira é sócia de Tax Transformation & Innovation da KPMG no Brasil.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.
Este artigo foi publicado anteriormente na 4ª edição da Revista da Reforma Tributária. Clique aqui para assinar e receber as próximas edições.



