
Por Mário Heringer
O que deveria ser entretenimento, as ‘Bets’ e plataformas de apostas virtuais, transformou-se em uma tragédia silenciosa, um cassino no bolso, acessível 24h, induzindo à compulsão e ao vício. Vivemos um período de endividamento e desespero, onde muitos buscam o dinheiro “aparentemente fácil” das apostas.
O vício digital não é apenas químico, mas comportamental e perigosamente sedutor. O fácil acesso e o marketing agressivo criam a ilusão de controle e a promessa irreal de riqueza, capturando os mais vulneráveis. O vício em jogos (ludopatia) é um transtorno sério, reconhecido por ativar o sistema de recompensa cerebral de forma similar a substâncias psicoativas, gerando um ciclo destrutivo de culpa, baixa autoestima e isolamento.
Os números no Brasil refletem a escalada dessa crise. Segundo a Universidade de São Paulo (USP), em 2024, o país já possuía cerca de dois milhões de viciados em jogos, número que cresce exponencialmente. O vício já é o terceiro tipo de dependência mais comum, atrás apenas de tabaco e álcool.
Pesquisa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), de abril deste ano, indica que 15% da população brasileira já apostou e, o mais grave, 47% desse grupo está endividado. Os que buscam retornos rápidos sequer têm reserva financeira, provando que a aposta é motivada pelo puro desespero e pela necessidade urgente de quitar dívidas.
A situação se agrava conforme dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também de abril de 2025: estima-se que 11 milhões de brasileiros estejam em risco, com quase 1,5 milhão já apresentando dependência grave. O impacto financeiro é sentido no orçamento familiar, sobretudo nas classes de menor poder aquisitivo.
Após a euforia da vitória, que é pontual e ilusória, vem o inevitável declínio. Essa crise se manifesta em tragédias familiares brutais, como o caso chocante, em Minas Gerais, de uma mãe assassinada pelo filho por dívidas de jogos online. Retrato cruel de que apostas online estão desestruturando famílias e tirando vidas.
Se não agirmos para prevenir essa desestruturação, viveremos (e já iniciamos) um colapso para tentar sobreviver com esse dinheiro superficialmente fácil e mortal. A luta contra o Mapa da Fome foi inegavelmente vencida, mas de que adianta garantir o pão na mesa se o desespero empurra as pessoas para o risco das apostas? A vulnerabilidade que tiramos da fome é a mesma que as ‘Bets’ exploram.
Sou favorável ao jogo de cassino e ao jogo físico, pois estes, ao menos, geram desenvolvimento, emprego e um ambiente de maior controle. Há, ainda, um perigo técnico e ético no ambiente digital: o controle físico é muito mais fácil de ser realizado. Há sério risco de que sejam jogos dirigidos, com plataformas manipulando algoritmos e realizando práticas que desconhecemos, estimulando jogos irregulares e sem fiscalização, o que levanta riscos de lavagem de dinheiro e falta de transparência.
O Congresso Nacional deve agir imediatamente. Na recente votação do texto aprovado na madrugada pela Câmara, defendi veementemente o aumento da tributação sobre essa atividade. O jogo, a exemplo do cigarro e da bebida, precisa de uma taxação muito mais alta do que a imposta atualmente às “Bets”.
Esta não é apenas uma medida fiscal; é uma medida urgente de saúde pública, cujo recurso deve ser obrigatoriamente revertido ao tratamento e à prevenção do vício. É o reconhecimento de que o potencial de risco desta atividade não pode ser subestimado na vida de milhões de brasileiros, exigindo uma resposta estatal robusta e focada na proteção social, antes que a tragédia atinja proporções irreversíveis.
Mário Heringer é líder do PDT na Câmara e presidente do PDT de Minas Gerais
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