Quais os desafios da alta gestão face a um cenário de grandes mudanças  tributárias no Brasil?

Reprodução: Freepik.

    Por Filipe Rezende do Amaral

    O ano de 2026 se aproxima e traz consigo um contexto corporativo singular. Além da  implementação gradativa da Reforma Tributária do Consumo, o ambiente econômico  discute simultaneamente a tributação de dividendos, revisões em regimes especiais, a  reconfiguração de incentivos regionais e uma agenda eleitoral que tende a gerar  oscilações relevantes no comportamento de mercado e nas expectativas de  investidores.  

    Para completar, a curva tecnológica segue exponencial: automação fiscal, inteligência  artificial aplicada à tomada de decisão, integração de dados financeiros e contábeis e  novas plataformas regulatórias digitais, como o robusto sistema construído pela Receita Federal para monitoramento e apuração dos tributos advindos da Reforma Tributária.  

    Destaca-se ainda que nada disso ocorre de forma isolada, muito pelo contrário, cria um  cenário convergente que pressiona processos, pessoas, modelos de governança e a  própria capacidade de liderança das organizações.  

    É nesse ponto que a Reforma Tributária deixa de ser um projeto de adequação técnica  e passa a ser um ponto de inflexão estratégico. A transição não trata apenas de troca  de tributos, bases e alíquotas. Estamos diante de uma mudança que altera incentivos  econômicos e redistribui riscos e benefícios na cadeia produtiva, abrindo espaço para  revisão profunda do planejamento corporativo. Em muitos setores, práticas e regras que  por anos sustentaram margens e decisões estratégicas como localizações geográficas  e malha logística, sedem lugar a um ambiente mais neutro e comparável.  

    A pergunta que gestores seniores deveriam fazer não é “qual será a alíquota?”, mas  sim: “qual será o desenho mais eficiente do meu negócio diante de novas regras,  novos riscos e novas métricas?”.  

    Durante décadas, a gestão tributária foi predominantemente defensiva e orientada à  mitigação de riscos. Agora, passa a influenciar decisões estruturantes: expansão  geográfica, consolidação de operações, reorganização societária, revisão da cadeia  logística, recomposição de margens e reconfiguração do portfólio. Nesse novo contexto,  tributaristas que atuavam como especialistas normativos passam a ocupar lugar de  analistas de impacto econômico, estrategistas financeiros e interlocutores diretos com  conselhos e CFOs.  

    Esse movimento exige uma nova forma e um novo nível de governança dentro das  empresas. A área tributária deve conduzir a agenda, sem dúvidas, mas não pode (e  nem deve) fazer isso de forma isolada. Pricing, supply chain, controladoria,  planejamento financeiro, jurídico, TI entre outras áreas passam a ter uma correlação  direta com a área tributária e com a construção do planejamento estratégico das  companhias para os próximos anos. Decisões tributárias passam a ter marca de origem  estratégica e não operacional. E, nesse arranjo, a liderança executiva tem um papel  determinante: estabelecer prioridades, garantir coordenação entre áreas, provocar  simulações de cenário e dar velocidade a decisões críticas. 

    É preciso reconhecer que uma transição dessa magnitude também é emocional e  cultural. Mudanças normativas tendem a gerar incerteza, insegurança e resistência  natural ao ajuste do status quo. Nesse ambiente, líderes que comunicam com clareza,  que trazem visão de futuro e que conduzem equipes com propósito reduzem ruídos,  antecipam riscos e criam sensação de construção coletiva. O capital intelectual da  transformação será tão importante quanto o capital financeiro alocado nela.  

    Ao mesmo tempo, o ciclo tecnológico reforça esse desafio. Ferramentas de simulação,  integração de dados tributários com indicadores operacionais e soluções de automação  fiscal deixam de ser diferencial e passam a ser requisito mínimo. A tecnologia não  substituirá o olhar estratégico; ela ampliará a capacidade de decisão e reduzirá o custo  do erro. A liderança precisa absorver esse ponto: investir em tecnologia não é custo —  é proteção de margem futura.  

    Em paralelo, discussões sobre tributação de dividendos e revisão de regras sobre  rendimentos societários geram, inevitavelmente, deslocamento de valor entre sócios,  estruturas operacionais e planos de expansão. Em um ano eleitoral, esse redesenho  pode ocorrer em ritmo acelerado e com impacto direto sobre valuation, governança e  agendas de M&A. Mais uma vez, a alta gestão será cobrada não por ter a resposta  perfeita, mas por conseguir definir direções estratégicas, medir impactos e conduzir a  empresa com visão de longo prazo.  

    A Reforma Tributária — somada aos demais vetores transformadores — cria uma  agenda estratégica que não será opcional. E essa agenda tem nome: liderança  adaptativa. Empresas que tratam o tema apenas como conversão de sistemas ou como  cálculo de perdas e ganhos desperdiçarão uma oportunidade rara. As que  compreendem que se trata de uma reorganização estrutural fortalecerão seu  posicionamento competitivo.  

    No fundo, a reflexão central é simples: não é a reforma que mudará as empresas; são  as empresas que decidirão como transformarão a reforma em vantagem. A alta gestão  tem a chance — e a responsabilidade — de guiar esse processo.  

    Este é um momento em que o tributário deixa de representar apenas compliance, risco  e obrigações e passa a influenciar precificação, viabilidade de expansão, decisões de  capital, geração de valor ao acionista e sustentabilidade financeira de longo prazo.  

    O mercado exigirá clareza, coerência e coordenação entre áreas. E a liderança — agora  mais do que nunca — precisará ser capaz de não apenas interpretar o cenário, mas  mobilizar equipes, comunicar visão, tomar decisões difíceis e conduzir empresas ao  protagonismo.  

    A reforma será implementada. A tecnologia continuará avançando. As discussões sobre  tributação de resultados evoluirão. Mas a forma como cada empresa atravessará esse  ciclo dependerá diretamente da maturidade de sua liderança. Esse é o verdadeiro ponto  de inflexão: transformar um ciclo de mudança normativa em um ciclo de crescimento  estruturado.  

    Não há como negar que toda essa mudança e esse cenário transformará a forma como  as empresas fazem negócio no Brasil e, por isso, é inegável que terão ganhadores e  perdedores nessa verdadeira batalha, fica claro, portanto, que é o nível de preparação que vai definir de qual lado da mesa cada empresa estará.


    Filho, irmão, marido e pai. É advogado tributarista com mais de 15 anos da experiência na área tributária com passagens por Big4 e multinacionais.


    Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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