
Por Luiz Roberto Peroba e Mariana Monfrinatti
Muito se fala sobre a Zona Franca de Manaus e sua criação como mecanismo de desenvolvimento econômico e social das regiões amazônica e adjacentes, sobretudo por meio dos variados incentivos fiscais a operações de importação, internas e interestaduais ocorridas ou iniciadas no seu território e que abrangem diversos tributos hoje previstos no ordenamento jurídico brasileiro, em especial aqueles incidentes sobre o consumo.
Pouco se fala, contudo, do potencial de exploração da Zona Franca de Manaus ainda não aproveitado, comumente justificado pela sua distância dos grandes mercados consumidores e alegada dificuldade logística e de infraestrutura para se operar pela região.
Ocorre que, com a implementação da Reforma Tributária do Consumo, a exploração da Zona Franca de Manaus, e dos benefícios fiscais a ela inerentes, apresenta-se não só como uma oportunidade negocial, mas como medida de efetiva sobrevivência para segmentos que hoje em grande medida dependem de tratamentos tributários diferenciados que logo deixarão de existir. Também por isso o potencial da Zona Franca de Manaus deve ser debatido e rapidamente considerado pelas empresas que atuam no Brasil.
De forma objetiva e simplificada, a Reforma Tributária do Consumo, aprovada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2024, prevê a unificação do PIS e da COFINS na CBS e do ICMS e do ISS no IBS, além limitar o escopo de incidência do IPI e criar o Imposto Seletivo para bens com externalidades negativas.
Como consequência, os variados incentivos fiscais hoje existentes atrelados ao PIS, à COFINS, ao ICMS, ao ISS e ao IPI deixarão gradualmente de existir entre 2026 e 2032, na medida em que os respectivos tributos forem extintos (ou, no caso do IPI, tiver seu escopo limitado). Em contrapartida, após a plena implementação da Reforma Tributária do Consumo, não serão permitidos tratamentos tributários diferenciados de CBS e IBS, com apenas duas exceções (i) bens e serviços excepcionados das regras gerais, por previsão constitucional, como alimentos da cesta básica e medicamentos, e justamente (ii) operações realizadas na Zona Franca de Manaus.
É essencial ter em mente que muitos dos benefícios fiscais federais hoje existentes independem do local onde a empresa está localizada, já que voltados a produtos ou serviços específicos. Ademais, considerando a autonomia dos Estados e Municípios em conceder incentivos, sobretudo sobre suas operações internas, as empresas comumente usufruem de benefícios de ICMS e ISS conferidos por Entes cuja localização se apresente eficiente do ponto de vista logístico, em adição à vantagem tributária.
Essa reflexão é de extrema importância, pois, já a partir de 2026 e até 2032, esses incentivos fiscais deixarão por completo de existir e, exceção feita aos produtos e serviços com tributação beneficiada por previsão da própria Emenda Constitucional, qualquer tratamento tributário diferenciado de CBS e IBS estará diretamente condicionado à exploração da Zona Franca de Manaus.
Segundo dados divulgados pela Receita Federal do Brasil, extraídos das informações prestadas pelas empresas na entrega da sua respectiva DIRBI, os montantes de incentivos fiscais utilizados de janeiro a setembro de 2024 somaram cerca de R$ 111 bilhões, sendo cerca de R$ 7 bilhões vinculados à Zona Franca de Manaus, demonstrando a predominância de tratamentos tributários incentivos advindos de outras fontes.
É bem verdade que dentro desses R$ 111 bilhões estão incentivos que tangenciam tributos não afetados pela Reforma Tributária do Consumo, como desoneração da folha de salários, bem como incentivos que seguirão sendo aplicáveis a segmentos excepcionados pela própria Reforma. Ainda assim, não há dúvidas de que montantes relevantes advêm de benefícios que deixarão de existir, em especial créditos presumidos de PIS/COFINS e isenções e reduções de carga tributária de ICMS, que, segundo os dados da DIRB, aproximaram-se de R$ 30 bilhões no período indicado.
A economia tributária advinda do uso de incentivos está diretamente vinculada à saúde financeira das empresas beneficiárias que, sem eles, tendem a enfrentar fortes impactos nos seus resultados e até mesmo na manutenção das suas operações.
Nesse contexto, para os setores que não possuirão automaticamente cargas tributárias reduzidas de CBS e IBS, operar pela Zona Franca de Manaus pode se apresentar como uma oportunidade, dada a preservação dos incentivos fiscais às operações realizadas/iniciadas naquela região, ao menos até 2073 (e com potencial renovação).
Dentre os tratamentos diferenciados que serão aplicáveis à região no contexto da Reforma, vale destacar: (i) para importações, suspensão de CBS e IBS, com conversão em isenção se o bem for consumido em processo industrial ou registrado no ativo imobilizado por 48 meses, além de créditos presumidos de IBS para bem importado para revenda dentro da região; (ii) para operações internas, dependendo do bem/serviço, alíquota zero de CBS e IBS ou crédito presumido de IBS; e (iii) para operações interestaduais, variados créditos presumidos de CBS e IBS ou alíquota zero, a depender do produto/serviço e da origem da operação.
Sabemos que alguns setores, até mesmo por questões geográficas e climáticas, estão operacionalmente impedidos de deslocar suas operações para a Zona Franca de Manaus, como em grande parte é o caso do agronegócio.
No entanto, outros segmentos historicamente usuários de incentivos fiscais em grande escala tendem a não enfrentar esse mesmo empecilho, como, por exemplo, fabricantes de aeronaves e suas peças e produtos químicos, que, segundo dados divulgados da DIRBI, utilizaram, respectiva e aproximadamente, R$ 5 bilhões e R$ 2 bilhões em benefícios fiscais alheios à Zona Franca de Manaus, entre janeiro e setembro de 2024.
Dessa forma, a ponderação de eventual deslocamento para a Zona Franca de Manaus é válida e, para isso, as empresas já devem quantificar os impactos em suas transações advindos da extinção de benefícios fiscais hoje utilizados e simular cenários comparativos entre os custos advindos da mudança e operação pela Zona Franca de Manaus versus a economia tributária projetada advinda do uso do tratamento diferenciado atribuído à região.
Neste ponto, é válido mencionar que, apesar de receios comuns quanto à logística da região, a Zona Franca de Manaus já conta com significativa infraestrutura industrial além de diversificada e estruturada malha de transporte, que engloba desde portos fluviais, aeroportos, hidrovias até rodovias, além de ser uma região alvo de investimentos contínuos, advindos de variados programas feriados, com previsão orçamentária.
A depender de cada caso concreto, pode-se chegar a conclusão de que o mais conveniente é utilizar os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus de forma indireta mediante parcerias logísticas e uso de modais mistos ou até mesmo introduzir na cadeia industrial a figura do “manufacturing as a service”, no qual uma empresa da Zona Franca de Manaus realiza industrialização por encomenda de terceiros não lá localizados.
As oportunidades são variadas e, em um cenário de completa mudança da tributação sobre o consumo e consequente necessidade de revisão e ajustes em modelos de negócio, a Zona Franca de Manaus deve ser examinada e ponderada como efetiva oportunidade negocial e ser considerada em futuros planejamentos financeiros, comerciais e tributários.
Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.
Mariana Monfrinatti é associada da área tributária do escritório Pinheiro Neto.
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