
Por Eurico Marcos Diniz de Santi
§1. Introdução
A Região Norte totaliza uma área de aproximadamente 3.853.331 km²: (i) Acre, aproximadamente 164.123 km²; (ii) Amapá, aproximadamente 142.778 km²; (iii) Amazonas, aproximadamente 1.559.146 km², (iv) Pará, aproximadamente 1.247.689 km²; (v) Rondônia, aproximadamente 237.576 km², (vi) Roraima, aproximadamente 224.299 km² e (vi) Tocantins: aproximadamente 277.720 km².
Ou seja, desta imensa área de 3.853.331 km² da Região Norte, apenas cerca de 11.300 km² corresponde à área delimitada e destinada geograficamente aos generosos benefícios da Zona Franca de Manaus (ou Polo Industrial de Manaus – PIM).
O Sistema CBS/IBS desonera todos os contribuintes de TODOS OS ESTADOS BRASILEIROS que exercem atividade econômica mediante as garantias constitucionais do crédito amplo, da desoneração do investimento e da exportação, e imediata devolução dos créditos acumulados em dinheiro (45 dias).
Ou seja, O Sistema CBS/IBS oferece o maior dos benefícios fiscais que é a não cumulatividade plena, de modo a impor resíduo tributário zero a toda atividade econômica exercida em todo território nacional, desonerando, também, o investimento, a importação e a exportação de todos os estados da Região Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).
Portanto, o limitado cerco territorial do Polo Industrial de Manaus (PIM = ZFM) representará inevitável conflito de competividade no interior da própria Região Amazônica. Cria-se, assim, seríssimo problema de confronto entre: (i) os generosos incentivos fiscais da reduzida e quase insignificante área de 11.300 km², em que se encontra instalada a ZFM e (ii) todo o resto dos 3.853.331 km² da Região Amazônica que se encontram na mesma situação de todos os demais estados do Brasil, que conjuntamente serão beneficiados pela completa desoneração do Sistema CBS/IBS (resíduo tributário zero em toda cadeia produtiva).
Destarte, a motocicleta (e.g.) produzida no Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins ou em todo o restante do Estado do Amazonas, fora do “cercadinho” de 11.300 km², ainda que contíguos às áreas da ZFM, até poderiam produzir motocicletas, mas estes veículos seriam cerca de 35% mais caros que as mesmas motocicletas produzidas no cercadinho vizinho de 11.300 km² da ZFM. Nesta mesma situação de inferioridade competitiva encontrar-se-iam todos os demais estados da federação.
É preciso entender que todos os contribuintes inscritos no Clube de Privilegiados do IVA” de todos os estados brasileiros gozam de novel Sistema CBS/IBS que além de eliminar a tributação em cascata, desonera o investimento e a exportação. O fim da tributação em cascata obrigará, mediante a negociação dos contratos de direito privado, fornecedores a baixar seus preços no decorrer do período de transição.
Além disso, o novo federalismo cooperativo que se instalará no Comitê Gestor – que pertence a todos os entes subnacionais, conforme a competência compartilhada outorgada pela Constituição – contará com toda a força política da Região Norte, que se encontrará em plena sinergia com os demais estados brasileiros. Em conjunto, os estados da Federação exercerão a governança necessária para solucionar eventuais abusos da ZFM, por meio da adoção de mecanismos de governança do Comitê Gestor.
Este processo começou em 2020, quando todos os Estados brasileiros condicionaram o apoio do CONSEFAZ à manutenção do equilíbrio competitivo da Zona Franca de Manaus. Mas equilíbrio contra quem?
Tal debate entre os distintos Estados, Distrito Federal e Municípios assumirá ainda mais relevância diante da criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, criado justamente para reduzir as desigualdades regionais e sociais mediante a realização de projetos e obras de infraestrutura, fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras e promoção de ações com vistas ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação (art. 159-A, da Constituição).
Todos estamos juntos para ajudar a colaborar para o alinhamento, harmonia e sinergia na realização dos valores maiores da Reforma Tributária (aumento da produtividade, fim da guerra fiscal e insegurança jurídica): eis o objetivo deste texto.
§2. Não há texto sem contexto.
O novo Sistema CBS/IBS estabelece que além dos textos legais é relevante analisar as enunciações enunciadas que fundamentaram os textos da Emenda Constitucional n. 132/23 e das respectivas leis. Nesse sentido, conforme consignado na Nota Técnica nº 1/2015 do CCiF, a Reforma Tributária buscou concretizar quatro objetivos políticos e econômicos: (i) eficiência econômica nacional (aumento da produtividade); (ii) desoneração completa do setor produtivo relativamente aos tributos incidentes sobre o consumo; (iii) exercício da cidadania fiscal como instrumento político da carga tributária; e (iv) empoderamento do contribuinte econômico.
O alcance desses objetivos políticos e econômicos é incompatível com a concessão discricionária de benefícios fiscais pelos entes da Federação ou mesmo por uma área delimitada e bastante restrita do território nacional, como é o caso da ZFM.
A não cumulatividade e a neutralidade são os mais poderosos incentivos fiscais da Reforma Tributária, pois desoneram completamente todo o setor produtivo. Os quatro pilares que garantem a efetivação da não-cumulatividade plena do Sistema CBS/IBS são primeiro, a existência do Comitê Gestor para reter os créditos e não permitir que eles entrem no tesouro; segundo, a legislação que assegura o crédito amplo; terceiro, o direito ao crédito vinculado ao pagamento; e, quarto, a devolução rápida dos créditos acumulados (45 dias).
No novo Sistema instituído pela Reforma Tributária, portanto, hipóteses de não incidência, isenções e créditos presumidos perdem funcionalidade e sentido: eles interrompem a cadeia e criam cumulatividade. Por serem carcaças do modelo de tributação indireta do ISS/ICMS/IPI/PIS/COFINS, tais figuras não têm espaço no novo Sistema CBS/IBS. Mas como conciliar o Sistema CBS/IBS com as imunidades tributárias, como, por exemplo, a Zona Franca de Manaus? O objetivo deste artigo é justamente apontar os possíveis limites e desafios atrelados à manutenção da Zona Franca de Manaus na Reforma Tributária, mormente diante do princípio do federalismo cooperativo.
§3. O contexto histórico-legislativo dos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus
A ZFM foi instituída pela Lei nº 3.173/57. Conforme o artigo 1º desse diploma normativo, a ZFM seria destinada ao “armazenamento ou depósito, guarda, conservação beneficiamento e retirada de mercadorias, artigos e produtos de qualquer natureza, provenientes do estrangeiro e destinados ao consumo interno da Amazônia, como dos países interessados, limítrofes do Brasil ou que sejam banhados por águas tributárias do rio Amazonas”.
Em 1967, o Decreto-Lei nº 288/67 não apenas revogou a Lei nº 3.173/57 e, portanto, o dispositivo acima transcrito, como também concedeu à ZFM as características que lhe são hoje peculiares, tornando-a uma área de livre comércio que goza de incentivos fiscais especiais. A finalidade declarada do Decreto-Lei era “criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos” (art. 1º).
No que concerne aos incentivos fiscais da área, o tema foi objeto de regulação pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 288/67, que instituiu um regime fiscal vantajoso à região, isentando do Imposto de Importação – II e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI tanto a entrada na área de mercadorias estrangeiras destinadas ao consumo interno, quanto a sua industrialização. Tal regime fiscal foi objeto de expressa recepção pela Constituição de 1988.
Mais especificamente, o art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT manteve a ZFM com suas características de área de livre comércio, de exportação e importação e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos contados a partir da promulgação da Constituição. Referido prazo foi estendido duas vezes: primeiro, em dez anos, pela Emenda Constitucional nº 42/03 (artigo 92 do ADCT) e, em seguida, em mais cinquenta anos, pela Emenda Constitucional nº 83/14 (artigo 92-A do ADCT).
Vale destacar que, ao apreciar a ADI nº 310, o Supremo Tribunal Federal decidiu que embora o artigo 3º do Decreto-Lei n. 288/67 faça referência somente ao II e ao IPI, todos os benefícios tributários da ZFM em vigor no período anterior à Constituição de 1988 teriam sido por ela recepcionados. É dizer: os benefícios tributários da ZFM englobam todos os tributos, e não apenas o II e IPI.
No âmbito da Reforma Tributária, a Emenda Constitucional n. 132/23 garantiu que o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus seria mantido, como se extrai do artigo 92-B do ADCT:
Art. 92-B. As leis instituidoras dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, da Constituição Federal estabelecerão os mecanismos necessários, com ou sem contrapartidas, para manter, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus pelos arts. 40 e 92-A e às áreas de livre comércio existentes em 31 de maio de 2023, nos níveis estabelecidos pela legislação relativa aos tributos extintos a que se referem os arts. 126 a 129, todos deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
(…)
A interpretação literal do disposto acima revela que relativamente ao IBS e à CBS, o constituinte buscou preservar o diferencial competitivo assegurado à ZFM, sem, contudo, alterar o seu alcance, seja para reduzi-lo ou ampliá-lo por meio da criação de novos benefícios fiscais. Tanto é assim que a manutenção da ZFM foi objeto de intensa negociação no contexto de aprovação de Reforma Tributária, uma vez que contraria a própria lógica do IBS e da CBS.
Nesse sentido, o IBS e a CBS foram desenhados para substituir o ISS, o ICMS, o IPI, o PIS e a COFINS, tributos incidentes sobre o consumo, e, ao mesmo tempo, exercerem uma função puramente arrecadatória. O IBS e a CBS foram desenhados para funcionar como um bom IVA, cujas características essenciais são as seguintes:
(i) cobrança em todas as etapas do processo de produção e comercialização do bem ou prestação do serviço;
(ii) incidência sobre uma base ampla, que abrange todos os bens (tangíveis e intangíveis) e serviços;
(iii) não cumulatividade plena, garantindo-se o direito de crédito ao tributo pago na etapa anterior;
(iv) neutralidade, de sorte que a incidência independe da forma como a produção e comercialização do bem ou prestação do serviço está estruturada;
(v) tributação no destino, de modo que o tributo incide sobre o consumo e não sobre a produção e comercialização do bem ou prestação do serviço.
Como apontei em conjunto com meus colegas ao elaborarmos a primeira nota técnica do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) – think thank independente criado com o propósito de desenhar a Reforma Tributária hoje em vigor – ao contrário da maioria dos países que possuem apenas um IVA, com base de incidência ampla e não-cumulativo, o Brasil possuía cinco tributos incidentes sobre bens e serviços (ICMS, IPI, ISS, PIS/COFINS), que contrariavam a lógica da tributação sobre o valor agregado. Isso porque, entre outras razões, tais tributos apresentavam (i) uma base de incidência altamente fragmentada setorialmente; (ii) uma legislação complexa caracterizada por uma profusão de alíquotas, exclusões de bases de cálculo, benefícios fiscais e regimes especiais; e (iii) distorções nas regras atinentes à não-cumulatividade plena devido às restrições ao direito de crédito do contribuinte.
Para alterar esse quadro, propusemos, desde a origem, que o IBS e a CBS adotassem as características essenciais de um bom IVA. Mais do que isso, enfatizamos que esses tributos teriam finalidade puramente arrecadatória e não se prestariam ao exercício de finalidades extrafiscais, cuja perseguição competiria exclusivamente ao Imposto Seletivo.
Logo, a concessão de regimes especiais ou mesmo a manutenção de tributação privilegiada para algumas regiões é incompatível com a sistemática do IBS e da CBS.
Não obstante, o debate político e democrático que culminou na aprovação da Reforma Tributária entendeu que deveriam ser mantidos, em caráter excepcional, os benefícios então outorgados à Zona Franca de Manaus, uma vez que representariam “o esforço na implantação de um projeto de desenvolvimento econômico e incentivo ao povoamento da região Norte, por meio do aumento da competitividade da indústria local”.
A manutenção da Zona Franca de Manaus, contudo, impõe desafios ao federalismo cooperativo instituído pela Reforma Tributária. É o que se passa a demonstrar.
§4. Zona Franca de Manaus e o federalismo cooperativo
A Constituição protege a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, atribuindo-lhe o status de cláusula pétrea (art. 1º, caput c/c art. 60, §4º). O federalismo é um mecanismo para dividir decisões e funções do governo. Como defendi na última década, a Reforma Tributária instituiu verdadeiro federalismo cooperativo entre os entes federados brasileiros, substituindo decisões excessivamente autônomas e independentes por decisões compartilhadas que demandam a harmonização das responsabilidades dos distintos entes.
O federalismo cooperativo pode ser facilmente compreendido pela metáfora de Morton Grodzins: enquanto o federalismo “tradicional” é simbolizado como um bolo de três camadas, o federalismo cooperativo é mais bem representado como um bolo mármore, caracterizado por uma mistura inseparável de ingredientes de cores diferentes, as cores aparecendo em padrões verticais e diagonais, e redemoinhos inesperados. Assim como as cores são misturadas no bolo mármore, também as funções são misturadas no federalismo cooperativo, de sorte que União, Estados, Distrito Federal e Municípios compartilham responsabilidades e competências para consecução de objetivos comuns.
Em recente julgado tributário, o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se manifestar sobre o pacto federativo e a sua influência na interpretação dos dispositivos constitucionais tributários. Na oportunidade, o Relator Ministro Edson Fachin, frisou que “ (…) repartir competências compreende compatibilizar interesses para reforçar o federalismo cooperativo em uma dimensão realmente cooperativa e difusa, rechaçando-se a centralização em um ou outro ente e corroborando para que o funcionamento harmônio das competências legislativas e executivas otimizem os fundamentos (art. 1º, da Constituição Federal) e objetivos (art. 3º, da Constituição Federal) da República”.
Nesse contexto, vê-se que a Reforma Tributária, toda ela, buscou assegurar o federalismo cooperativo. Isso porque, entre outras coisas, as normas introduzidas pela Emenda Constitucional nº 132/23 (i) estabelecem uma competência compartilhada entre União, Estados e Municípios, determinando, obrigatoriamente, uma legislação nacional comum sobre impostos de Estados e Municípios e sobre a contribuição social da União; (ii) estabelecem o princípio de destino para as operações sobre consumo e para definição do ente federado que fará jus a essa receita, retirando poder de Estados de origem de concederem benefícios fiscais; (iii) proíbem a concessão de benefícios relativos ao IBS e à CBS; (iv) determinam a criação de uma alíquota de referência para o IBS; (v) estabelecem a criação de um Comitê Gestor do IBS; (vi) preveem limites para a carga tributária futura, comparada com a carga tributária atual; (vii) preveem a criação de fundos de compensação para desenvolvimento regional e equalização de benefícios do sistema atual; e (viii) estabelecem condições e limitações para alterações na alíquota e na carga tributária, inclusive para renúncia de receita futura.
Veja-se, assim, que a Emenda Constitucional nº 132/23 estabeleceu diversas regras cuja finalidade é assegurar a harmonia dos entes federados na regulação e fiscalização do IBS e da CBS. É dizer: o IBS e a CBS são manifestações do federalismo cooperativo e, como tais, buscam superar a lógica de antagonismo e competição entre os diferentes entes federados por meio de seu desenho jurídico.
A manutenção da ZFM no âmbito da Reforma Tributária impõe desafios ao federalismo cooperativo.
Em primeiro lugar, é importante frisar que a ZFM (PIM) corresponde a uma área de 11.300 km² quadrados, que se encontra circunscrita a um irrisório espaço em relação às dimensões do estado do Amazonas (1.559.146 km²). Na realidade, embora a ZFM esteja centralizada em Manaus, ela não alcança todo o Estado do Amazonas e abrange cidades localizadas em Estados diversos do Estado Amazonas. Do ponto de vista do federalismo cooperativo, portanto, o primeiro desafio diz respeito às próprias disputas internas que podem eventualmente surgir no Estado do Amazonas (e nos demais estados da região norte), já que em razão da forma como delimitada, a manutenção da ZFM tende a atrair empresas comerciais e industriais para alguns Municípios em detrimento dos demais. Isso quer dizer que a ZFM impõe desafios à própria região amazônica.
Em segundo lugar, a ZFM impõe desafios ao federalismo fiscal seja porque mantém resquícios da guerra fiscal, buscando afastar a incidência dos novos tributos simplesmente para privilegiar os interesses da indústria incentivada localizada na ZFM; seja porque na nova sistemática as contas públicas de um ente influenciam as contas dos demais, de modo que eventual benefício fiscal concedido por um ente necessariamente terá de ser compensado pelos demais com o aumento de alíquotas do IBS para manutenção das respectivas receitas. Tal compensação não apenas limita a autonomia de Estados, Distrito Federal e Municípios de definirem suas alíquotas de IBS, como também interfere na alíquota de referência e, por consequência, na própria capacidade de arrecadação da União.
Nesse sentido, vale lembrar que nos termos do art. 156-B da Constituição, o Comitê Gestor será a entidade pública sob regime especial responsável por exercer as competências administrativas relativas ao IBS. No Comitê Gestor, Estados, Distrito Federal e Municípios serão representados de forma paritária. Isso significa que esses entes federados terão que exercer, em conjunto, a administração do IBS. Logo, a manutenção da ZFM é desafiadora porque tanto os estados da região norte quanto os demais estados da federação, além da maioria dos Municípios e do Distrito Federal, terão que sentar à mesa para solucionar os problemas atinentes à manutenção do conjunto de benefícios fiscais oferecidos à região.
§5. Conclusão
Perspectivas econômicas e estudos econômicos podem influenciar e, de fato, influenciaram a Reforma Tributária. Contudo, a partir da vigência das normas previstas na Emenda Constitucional nº 132/23 e na Lei Complementar nº 214/25, adentramos no reino do Direito, onde impera a dogmática jurídica.
Sistema econômico, sistema político e sistema jurídico devem ser considerados como sistemas independentes e que têm lógicas próprias, valores próprios e códigos próprios, conforme ensina a Teoria dos Sistemas (Niklas Luhmann e Marcelo Neves). Comunicação entre tais sistemas ocorre através de cópulas estruturais devidamente institucionalizadas pelos respectivos sistemas: a Política e a Economia entram para o Direito através dos códigos próprios institucionais específicos do Direito, tais como validade, vigência, eficácia legal, legalidade e constitucionalidade.
A eficácia social do Direito sobre a Economia tão somente será conhecida após a efetiva vigência do novo sistema tributário sobre o mundo real. É impossível, mesmo para a Economia, prever o futuro sem a experiência concreta da relação entre o novo sistema tributário e a economia brasileira.
Conforme as lições de Luiz Guilherme Piva, em “O Economista Infinito”, embora economistas amem fazer previsões, eles erram: “[O Teorema do Macaco Infinito de Émile Borel], de 1913, diz que um macaco, batucando aleatoriamente num teclado por um tempo infinito, tem probabilidade maior do que zero de produzir as obras completas de William Shakespeare. O curioso é que, recentemente, estudiosos afirmaram ter demonstrado, por meio de modelo matemático (veja só!), que isso jamais ocorreria antes do fim do Universo. Teríamos apenas a barulheira infinita da digitação. Daí que, analogamente, não teríamos nem a previsão da sequência correta do PIB do Brasil nos próximos dez anos, o que torna tal profusão de modelos econométricos uma história ‘cheia de som e fúria e vazia de significado’. Isso porque, advertem Hirschman e Krugman, ‘há mais coisas no ceú e na terra’ do que supõem muitos dos economistas.”
Portanto, a Economia pode informar e influenciar as definições e diretivas do Direito, contudo, a partir da vigência do Direito, o que importa é a interpretação segundo os critérios relevantes juridicamente definidos na lei e na Constituição. E nesse processo de interpretação do Direito, estudos econômicos tornam-se relevantes tão apenas como constituintes de fatos relevantes à medida que se subsomem aos critérios juridicamente relevantes definidos pelo Direito. Aliás, o direito positivo existe para superar a subjetividade das premissas econômicas subjetivas e sistemas morais sempre subjetivos.
É com base nessa intricada relação entre sistemas distintos que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, em conjunto, encontrar as melhores soluções para os desafios postos pela manutenção da Zona Franca de Manaus.
Eurico Marcos Diniz de Santi, diretor-fundador do CCiF, é professor da FGV Direito SP, onde é coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF).
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.



