
Por Gabriel Benevides, de Brasília
A Receita Federal já começou a preparar os trâmites para a adaptação à reforma do Imposto de Renda. Presidente do Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita), Dão Real disse que as mudanças devem envolver sistemas e capacitação de pessoal.
A principal alteração será a harmonização da fiscalização do IR da pessoa física com as empresas.
O projeto de lei da reforma da renda (PL 1.087 de 2025) está na Câmara dos Deputados. O texto estabelece a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil ao mês e cria uma tributação mínima para as altas fortunas como forma de compensação.
“No momento que se estabelece uma alíquota mínima com um teto, com uma barreira vinculada à tributação da pessoa jurídica, sou obrigado a fiscalizar as duas entidades, pessoa física e pessoa jurídica”, declarou Dão em entrevista ao Portal da Reforma Tributária.
Há uma movimentação no Legislativo para desidratar as ações de tributação da alta renda. Alternativas que circulam no Congresso incluem uma cobrança maior das apostas on-line, por exemplo.
Dão Real avalia que a única forma de bancar a isenção se dá com os próprios aumentos de IR para a renda maior. Segundo ele, uma outra fonte traria perdas de arrecadação para os estados e municípios –que têm parte do imposto pago por funcionários públicos repassados para si.
“Não tem outra alternativa, a única alternativa que tem para compensar a perda de arrecadação tem que ser dentro do Imposto de Renda. Porque qualquer medida de compensação que não tenha relação com o IR afeta as receitas de estados e municípios”, disse.
Questionado se a reforma da renda foi amena em relação ao potencial de mudanças, o presidente do Sindifisco respondeu que poderiam haver medidas mais intensas. Sugeriu a tributação direta de lucros e dividendos isentos.
Leia abaixo a entrevista na íntegra. As perguntas do Portal da Reforma Tributária estão sinalizadas em negrito. As respostas de Dão Real, em itálico.
Há um movimento no Congresso para desidratar o imposto mínimo às altas rendas como forma de compensar a isenção da reforma. O senhor avalia que há outra alternativa além do que já está no projeto?
Não tem outra alternativa. A única alternativa que tem para compensar a perda de arrecadação tem que ser dentro do Imposto de Renda, porque qualquer medida de compensação que não tenha relação com o IR afeta as receitas de estados e municípios, porque metade do IR pertence para estados e municípios.
Então, a compensação tem que acontecer no Imposto de Renda e a única forma de compensar dentro disso é cobrando o imposto de quem não paga, de quem paga menos. Ou seja, é o setor mais alto da sociedade, o setor mais rico, então a única forma de compensação é dentro do Imposto de Renda, tributando o setor que paga menos hoje.
Cria-se a dúvida sobre a necessidade de noventena para o projeto. É realmente obrigatória? Alguns congressistas dizem que não.
Pela Constituição não precisa da noventena, mas tem decisões na Justiça que orientam o respeito à noventena para qualquer cobrança de tributos.
Então a noventena serviria mais para evitar judicialização?
Exatamente.
O secretário especial da Receita, Robinson Barreirinhas, disse que é impossível que haja evasão fiscal para outros países com a reforma da renda. Segundo ele, qualquer lugar do mundo tem uma tributação maior que a proposta na reforma. O senhor concorda com a avaliação?
Sim, sem dúvida. A tributação no Brasil, uma alíquota mínima de 10% é muito menor do que a forma como se tributa em outros países, inclusive lucro de dividendos. Por exemplo, em todos os países se tributa lucro de dividendos distribuídos, o Brasil não tributa. Ou seja, quando a gente estabelece uma alíquota mínima de 10%, a gente está ainda num nível inferior ao que é praticado nos demais países -exceto paraísos fiscais.
Mas os paraísos não podem entrar na evasão fiscal?
Ninguém foge para o paraíso fiscal, o pessoal manda dinheiro para o paraíso fiscal. Ninguém foge para viver no paraíso fiscal. Então, os negócios de quem tem conta em paraíso fiscal permanecem no país. Eles só mandam a sua renda para lá.
A remessa de lucros e dividendos para paraísos fiscais, os negócios no Brasil, e remessa de lucros e dividendos para o paraíso fiscal será tributada igual.
E o senhor avalia que a reforma da renda poderia ser ainda mais incisiva ou está sendo, de certa forma, amena?
Muito amena, muito amena. A reforma poderia ser muito mais incisiva. Por exemplo, no mundo ideal, deveria ser revogada a isenção sobre lucros e dividendos distribuídos.
Isso no mundo ideal. Simplesmente revogando a isenção sobre lucros e dividendos, colocando o país no mesmo nível dos demais países do mundo, exceto Estônia, a gente poderia ter quase R$ 200 bilhões a mais de arrecadação do Imposto de Renda. Ou seja, poderia corrigir toda a tabela do IR.
Do ponto de vista dos auditores, dos trabalhadores, vai mudar de alguma forma a dinâmica de trabalho por causa da reforma?
Está sendo trabalhado. Ou seja, muda completamente a forma de fiscalizar o Imposto de Renda no Brasil. Porque passamos a fiscalizar o Imposto de Renda comparando a tributação da pessoa física com a pessoa jurídica. Atualmente não se faz isso.
Atualmente se fiscaliza a pessoa jurídica e fiscaliza o trabalhador que ganha salário. Então, no momento que se estabelece uma alíquota mínima com um teto, com uma barreira vinculada à tributação da pessoa jurídica, eu sou obrigado a fiscalizar as duas entidades, pessoa física e pessoa jurídica. Isso envolveria que tipo de mudança?
Seriam mudanças de capacitação ou de sistema?
Sistemas, capacitação, sistemas eletrônicos. Tem toda uma estrutura que precisa ser modificada. Já está sendo modificada.