
Por Matheus Reis
Reduzir a carga tributária sem correr riscos é o desejo de qualquer médico que, além do jaleco, precisa assumir o papel de gestor. Essa realidade é cada vez mais frequente: ainda durante a formação, ninguém planeja abrir um CNPJ, mas a dinâmica do mercado de trabalho força o profissional de saúde a se tornar empresário, seja à frente de uma clínica, consultório ou sociedade médica.
Esse movimento ocorre em um cenário de queda no poder aquisitivo da classe. Segundo dados do Ministério da Saúde, a remuneração média do médico caiu pela metade desde 2019, pressionada pela verticalização do setor, pelo avanço das grandes instituições e pela falta de reajuste compatível com a inflação. A contradição é evidente: exige-se do médico formação longa, dedicação intensa e atuação em cenários de alta complexidade, mas o retorno financeiro real diminui a cada ano.
Nesse contexto, o planejamento tributário deixa de ser um detalhe técnico e passa a ser questão de sobrevivência. Hoje, muitos médicos pagam mais impostos do que deveriam. A Receita Federal estima que a classe tenha recolhido cerca de R$ 5,79 bilhões a mais em 2023 e R$ 6,63 bilhões em 2024, apenas por erros de enquadramento. Valores que poderiam ser reinvestidos em infraestrutura, atualização profissional, contratação de equipes ou até em qualidade de vida.
É justamente aqui que entra a equiparação hospitalar, prevista na Lei nº 9.249/1995. Ela reduz a base de cálculo do IRPJ de 32% para 8% e da CSLL de 32% para 12%. Na prática, a carga efetiva de impostos no Lucro Presumido pode cair de cerca de 32,68% para 14,53%, podendo chegar a algo próximo de 10% em clínicas com alto volume cirúrgico. Uma diferença que representa, para muitos médicos, a viabilidade do negócio.
Durante anos, o tema gerou dúvidas. Afinal, seria seguro aplicar o benefício sem hospital próprio? A Receita restringia a interpretação, exigindo estrutura física construída segundo normas da Anvisa. Isso excluía clínicas que atuavam em centros cirúrgicos de terceiros ou até em regime de Home Care.
O Parecer SEI nº 7.689/2021, publicado em junho de 2025 pela PGFN, pôs fim a essa controvérsia ao alinhar-se à jurisprudência consolidada do STJ (Tema 217). A decisão confirmou que não é necessário ter hospital próprio: basta que os serviços médicos sejam prestados em ambientes licenciados e que a sociedade seja empresária (LTDA ou S.A.), registrada na Junta Comercial e com alvará sanitário válido.
Ou seja, centros cirúrgicos de terceiros, clínicas ambulatoriais e até serviços de Home Care podem ser enquadrados, desde que cumpram os requisitos sanitários. A única exceção clara permanece para consultas médicas simples, que não se encaixam no conceito de serviços hospitalares.
Hoje, a equiparação hospitalar conta com três pilares que sustentam sua segurança: a Receita Federal, que publicou soluções de consulta detalhando os critérios e confirmando o
enquadramento para sociedades empresárias, inclusive unipessoais do tipo LTDA; o Judiciário, que desde 2008 mantém decisões reiteradas do STJ favoráveis ao contribuinte; e a prática de mercado, que se consolidou de forma acelerada — somente entre janeiro e abril de 2025 foram protocolados mais de 20 mil pedidos de restituição, número equivalente a todo o volume registrado em 2023.
Trata-se, portanto, de uma decisão estratégica para médicos e clínicas. Reestruturar a sociedade para o modelo empresarial pode exigir esforço, mas o ganho tributário é expressivo, legítimo e sustentável. É importante: valores pagos nos últimos cinco anos podem ser recuperados, ampliando o retorno da mudança.
Ignorar a dimensão tributária da prática médica é contribuir para um cenário de desequilíbrio. Médicos sobrecarregados com plantões, responsabilidades técnicas e exigências legais não deveriam ser tratados pelo fisco da mesma forma que prestadores de serviço comuns. A saúde, assim como a educação, é atividade essencial e de função social — e mereceria, inclusive, políticas tributárias específicas.
Enquanto isso não acontece, a equiparação hospitalar se apresenta como ferramenta concreta para aliviar a carga sobre os profissionais, fortalecer a sustentabilidade financeira das clínicas e garantir melhores condições de atendimento à população. Quando o médico consegue equilibrar sua atuação clínica com uma gestão tributária eficiente, não é apenas ele que ganha: quem se beneficia é todo o sistema de saúde.
Escrito por Matheus Reis, CEO da Back4YOU.
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