
O setor empresarial acompanha com expectativa a tramitação do PLP 108, norma que regulamenta pontos centrais da reforma tributária. O que deveria representar estabilidade transformou-se em motivo de apreensão, já que o texto aprovado na Câmara voltou do Senado profundamente alterado e, em breve, retornará à Casa de origem. A sucessão de emendas e substitutivos transmite a sensação de uma reforma conduzida às pressas, com riscos evidentes para a segurança jurídica e para a capacidade de planejamento das empresas.
As mudanças não se resumem a ajustes marginais. A cada rodada de discussão, o projeto sofre dezenas de alterações. No Senado, foram mais de 500 emendas analisadas, com várias acolhidas na versão final. Alíquotas de referência, desenho do Comitê Gestor do IBS, tratamento do ITCMD, regime do imposto seletivo, responsabilidade de marketplaces: pontos centrais para a vida econômica do país mudam de redação em questão de semanas. Para quem precisa contratar, investir e precificar com antecedência, a instabilidade compromete decisões de médio e longo prazo.
A tramitação acelerada chama ainda mais atenção diante da relevância do projeto. Trata-se de uma norma destinada a reorganizar a tributação do consumo pelas próximas décadas, mas sua redação vem sendo alterada quase diariamente, em meio a concessões políticas e negociações de bastidores. O acolhimento de emendas em ritmo tão intenso evidencia um problema de fundo, que é a falta de amadurecimento técnico. Uma reforma dessa magnitude deveria contar com debate público consistente, estudos de impacto e cronograma realista de adaptação. O que se observa, no entanto, é uma sucessão de mudanças que reforça a percepção de que se legisla sem a maturação adequada.
O calendário torna o quadro ainda mais delicado. A transição para o novo modelo começa já em 2026 e o regime definitivo entrará em vigor em 2029. Isso significa que, em menos de três anos, empresas terão de adaptar sistemas, rever contratos e recalibrar modelos de negócio. Entretanto, a cada ida e vinda do projeto no Congresso, as bases projetadas se deslocam, reduzindo justamente a previsibilidade que deveria ser o maior ativo da reforma.
Essa instabilidade pesa diretamente sobre o setor privado. As empresas necessitam de horizontes estáveis para investir, firmar contratos de longo prazo e planejar sua expansão. Quando as regras mudam de forma recorrente, perde-se a capacidade de prever custos e margens, o que leva à postergação de projetos e a decisões cada vez mais dependentes de cenários transitórios.
Os riscos se tornam ainda mais claros diante das alterações feitas no Senado, como a criação de um contencioso nacional integrado, a responsabilização de plataformas digitais, a mudança na base histórica das alíquotas e o teto do imposto seletivo para bebidas açucaradas — medidas aprovadas em ritmo acelerado, sem discussão pública consistente e sem cronograma que assegure tempo realista de adaptação ao contribuinte.
Alguns setores já sentem com maior intensidade os efeitos dessa imprevisibilidade. O comércio eletrônico, por exemplo, passa a lidar com novas responsabilidades atribuídas a marketplaces, que poderão ser obrigados a recolher tributo quando fornecedores não cumprirem suas obrigações. No campo patrimonial, famílias e empresas ainda tentam interpretar como as novas regras de ITCMD e progressividade serão aplicadas. Até mesmo o setor de bebidas açucaradas observa o risco de mudanças súbitas em sua carga tributária. Tudo isso enquanto a base de cálculo do IBS, fundamental para precificação e contratos, continua em disputa.
Em vez de consolidar um marco estável para a tributação do consumo, o processo atual transmite ao contribuinte a ideia de que a cada novo parecer podem surgir obrigações inesperadas. Essa percepção corrói a confiança e reforça a visão de que o sistema nascerá sujeito a correções constantes, judicializações e disputas interpretativas. A experiência brasileira mostra que reformas conduzidas sem tempo adequado de maturação tendem a gerar elevado contencioso judicial, prolongando por anos a insegurança que justamente se buscava eliminar.
É natural que uma reforma dessa magnitude demande ajustes, mas há diferença entre aperfeiçoamento e improviso. O volume e a velocidade das mudanças sinalizam improviso, e improviso em matéria tributária custa caro — não apenas em carga, mas em insegurança. Essa insegurança se traduz em custos adicionais de conformidade, em litígios e, sobretudo, em retração do investimento produtivo. Empresas que precisam decidir hoje onde e como alocar capital se deparam com um projeto de lei que muda de direção a cada semana, como um navio sem bússola em mar revolto.
Se a intenção do legislador é entregar um sistema mais simples, transparente e competitivo, o caminho passa por dar previsibilidade. Isso exige consolidar o texto, conter a enxurrada de emendas e oferecer tempo realista para adaptação. Do contrário, a reforma que prometia estabilidade corre o risco de inaugurar uma nova era de incertezas.
João Pedro Tavares, advogado do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados.
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