
Como costuma ocorrer em períodos de grandes mudanças institucionais, a Reforma Tributária vem sendo defendida por diferentes segmentos da sociedade como uma solução capaz de atender a múltiplos objetivos.
Há quem veja no novo modelo de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA-dual) um passo importante para aproximar o Brasil dos padrões da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Outros sustentam que o sistema trará mais justiça fiscal, ajudando a reduzir desigualdades e a estimular o crescimento econômico. Mas, em geral, o principal argumento em favor da reforma é sempre o mesmo: a redução da complexidade do sistema de arrecadação.
Se essas promessas serão efetivamente cumpridas, apenas o tempo dirá. No entanto, o exame das primeiras medidas de implementação já permite identificar tendências importantes. Uma delas é a aposta na chamada apuração assistida.
Esse novo mecanismo substitui o modelo atual de apuração que, na prática, transfere ao contribuinte toda a responsabilidade pelas declarações e demais obrigações acessórias. De tempos em tempos, por meio de fiscalizações, os procedimentos já concluídos são reexaminados e, em caso de erros ou irregularidades, lavra-se o auto de infração.
Com a apuração assistida, de forma semelhante ao que já ocorre com a declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física, todo esse processo passará a ser centralizado nos sistemas da própria Receita Federal, que informará automaticamente os créditos e débitos decorrentes das entradas e saídas de mercadorias dos estabelecimentos do contribuinte.
Nesse novo sistema — atualmente em desenvolvimento pelo Serpro — as transações tributáveis serão apuradas automaticamente, gerando uma espécie de “banco de apuração mensal”. Tudo parte da emissão das notas fiscais eletrônicas, que já informam à Receita quais contribuintes terão débitos a pagar e quais poderão tomar créditos relativos àquelas operações, como na aquisição de insumos, por exemplo.
Como o sistema oferecerá uma apuração praticamente pronta, semelhante a uma declaração pré-preenchida, caberá ao contribuinte apenas realizar os ajustes necessários ou incluir informações que, por algum motivo, não tenham sido captadas pelo sistema automatizado.
A proposta é positiva porque cria maior transparência e previsibilidade na relação entre Fisco e contribuinte, que deixa de se basear em encontros pontuais e tensos durante as fiscalizações. Em tese, com o sistema operando de forma eficiente, as operações seriam validadas quase em tempo real, reduzindo erros, litígios e custos de conformidade.
O problema surge, contudo, quando se percebe que todo o bom funcionamento da Reforma passa a depender dessa nova variável-chave: o sistema de apuração. E é justamente nesse ponto que as certezas desaparecem.
Do lado do Fisco, todo o trabalho desenvolvido até aqui está concentrado na Receita Federal, com participação ainda limitada do Comitê Gestor dos Estados e Municípios, que será responsável por fiscalizar a outra metade do IVA dual. Parte-se, assim, da premissa de que ambos os órgãos manterão entendimentos uniformes e padronizados sobre os sistemas de apuração, o que é uma aposta ousada. Afinal, caso surjam divergências, ninguém sabe ao certo quem terá a palavra final (ou, pior, se ambos a terão).
Do lado dos contribuintes, como tudo será automático e imediato, surge uma nova urgência: a atualização e a parametrização dos sistemas internos, que precisarão ser compatíveis com a plataforma de apuração. A qualidade e o monitoramento das informações tornam-se fundamentais para evitar erros que possam resultar no pagamento indevido de tributos ou na tomada irregular de créditos.
Já é possível sentir no mercado uma certa euforia em torno dessas mudanças, mas entre a concepção e a execução há um longo caminho a percorrer. A apuração assistida pode, se espera, representar um salto de eficiência e confiança mútua entre Fisco e contribuinte — desde que venha acompanhada de coordenação institucional, maturidade tecnológica e regras claras de governança. Mas são desafios bastante complexos para uma reforma que promete simplificar.
Guilherme Saraiva Grava é tributarista do Diamantino Advogados Associados.
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