Efeitos colaterais da reforma tributária nas cessões não onerosas ou a valor inferior ao de mercado

Por Roberto Casarini, André Novaski e Thiago Amaral

Os contribuintes fazem contas para definir se a reforma tributária do consumo irá aumentar ou diminuir a sua carga tributária, assim como focam seus esforços para adaptar sistemas aptos a emitir notas fiscais para evidenciar o início da cobrança da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) a partir de 2026.

É importante estar atento aos efeitos colaterais da reforma tributárias sobre as estruturas jurídicas que prevejam ou dependam de cessões não onerosas de bens e serviços, ou até mesmo as operações contratadas sem uma margem de lucro de mercado.

Cessão não onerosa de bens e serviços, incluindo o comodato de imóveis rurais e urbanos

A cessão não onerosa de bens e serviços é plenamente válida e regulada pelo ordenamento jurídico brasileiro – e pode ocorrer de forma definitiva ou temporária. É comum os contribuintes celebrarem o comodato de imóveis rurais ou urbanos por inúmeros motivos.

O comodato pode decorrer por conta da: (1) alocação do patrimônio entre membros da mesma família no contexto de planejamentos sucessórios; (2) alocação de imóveis rurais entre empresas do mesmo grupo econômico, principalmente em decorrência das restrições para a propriedade de terra rural por não residentes e (3) alocação de imóveis entre pessoas jurídicas e pessoas físicas em estruturas que envolvam a atividade rural por meio de pessoa física e o planejamento sucessório mediante holding patrimonial.

A nova legislação prevê a incidência de IBS e CBS sobre cessão não onerosa de bens e serviços entre partes relacionadas, como sócios ou familiares, com base no valor de mercado, assim entendido como o valor praticado em operações comparáveis entre partes não relacionadas. Além disso, a referida incidência poderá não gerar crédito para fins da não cumulatividade.

As situações descritas acima acerca do comodato de imóveis rurais ou urbanos são meramente exemplificativas para situar uma inovação trazida pela reforma tributária que representa um custo tributário inédito para as estruturas que prevejam a cessão não onerosa de bens e serviços entre partes relacionadas.

Rateio de despesas de backoffice

Os contratos de rateio de despesas de backoffice são contratos atípicos que foram validados pelas autoridades fiscais federais para permitir a eficiente alocação de equipes de backoffice que atendem mais de uma empresa do grupo econômico.

Contudo, a reforma tributária também estabelece a incidência de IBS e CBS (a valor de mercado) não apenas nas cessões não onerosas de bens e serviços, mas também naquelas que não estabeleçam uma margem de lucro de mercado entre partes relacionadas. Dessa forma, é fundamental a revisão e a rediscussão dessas estruturas, frente aos riscos e à eficiência fiscal de rateios de despesas já implementados ou a serem implementados.

É importante reavaliar o modelo para ponderar a sua viabilidade dentro de um contexto de incidência do IBS e da CBS, inclusive sob a perspectiva da não cumulatividade ampla que acompanha os novos tributos. As novas regras de preço de transferência já tinham afetado os contratos internacionais de rateio de despesas e agora a reforma tributária passa afetar os contratos locais de rateio de despesas.

Planejamento sucessório e patrimonial

Ainda no contexto da reforma tributária, uma estrutura que poderá demandar revisões e ajustes, quando se pensa em planejamento patrimonial e sucessório, é a constituição de holdings para alocação de imóveis familiares, prática comum, que facilita a sucessão e pode gerar eficiência fiscal.

Atualmente, essa estrutura permite a tributação de receitas de aluguéis e venda de imóveis via pessoa jurídica no regime de lucro presumido, com alíquotas efetivas significativamente menores (14,53% para aluguéis e 6,73% para vendas) quando comparadas às alíquotas aplicadas para a pessoa física (alíquotas progressivas até 27,5% para aluguéis e até 22,5% para vendas).

Contudo, a reforma tributária trará impactos relevantes para holdings familiares integralizadas com imóveis utilizados pela própria família, sem cobrança de aluguel. Três aspectos merecem destaque nesse sentido em relação à incidência do IBS/CBS

  • Tributação de aluguéis: A receita de locação, antes isenta de ISS, passará a ser tributada pelo IBS/CBS, gerando um novo custo fiscal.
  • Cessão não onerosa: A nova legislação prevê a incidência de IBS e CBS sobre o uso gratuito de imóveis entre partes relacionadas, como sócios ou familiares, com base no valor de mercado da operação.
  • Fatores de redução e regras transitórias: Existem fatores de redução de IBS/CBS para a locação (70%) e a venda (50%) de imóveis, além de regras transitórias para os contratos já firmados.

Mais pontos de atenção

Outros temas fiscais vinculados à tributação (1) de dividendos pelo imposto de renda; (2) das doações e heranças pelo Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD); (3) da transferência de imóveis pelo Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e (4) de ativos financeiros offshore pelo imposto de renda também devem ser considerados pelos contribuintes no contexto das mudanças tributárias que já aconteceram ou devem acontecer em breve.

O assunto ainda está em andamento e dependerá, em grande medida, da interpretação que será conferida pelo Judiciário. Ainda assim, é essencial que os contribuintes estejam atentos desde já aos possíveis impactos e considerem a revisão de suas estruturas e seus contratos.


Roberto Casarini, André Novaski e Thiago Amaral são sócios da área tributária do Demarest Advogados.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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