
Por Flávia Gatti e Leticia Ribeiro Santos
O cenário fiscal brasileiro vive uma vasta transformação com a reforma tributária, com impacto profundo nas holdings e alterando suas premissas de concepção.
Puras, mistas, familiares ou patrimoniais, as holdings sempre foram estratégicas na organização de patrimônio e na estruturação de grupos empresariais e familiares. Centralizando o controle sobre múltiplas empresas e otimizando a administração de vastos portfólios de bens e direitos, elas abrangem desde participações societárias e imóveis a carteiras de investimentos e ativos intangíveis.
A consolidação do comando e da gestão por meio de holdings aprimora muito a governança corporativa, promovendo maior eficiência e alinhamento estratégico, bem como confere uma sofisticação inegável às estruturas societárias.
Historicamente, elas proporcionam vantagens significativas na otimização tributária e na proteção patrimonial, com benefícios fiscais na gestão de lucros, na sucessão patrimonial das empresas familiares, na gestão de custos e despesas de empresas e em operações de compra e venda de ativos. Seus principais benefícios para as estruturas societárias brasileiras são cinco:
- Organização e controle: controle centralizado de múltiplas entidades empresariais ou de conjuntos de ativos, simplificando a gestão e a tomada de decisões.
- Planejamento sucessório: a transferência de bens para a holding e a sucessão de quotas aos herdeiros agilizam o processo de inventário e evitam conflitos entre sucessores.
- Proteção patrimonial: a segregação de patrimônio pessoal e empresarial cria uma camada adicional de proteção de bens para contingências e responsabilidades decorrentes das operações das empresas operacionais.
- Otimização tributária: em cenários específicos, a estruturação do desenho societário via holding pode resultar em uma carga tributária mais eficiente.
- Sofisticação estrutural: holdings admitem uma arquitetura jurídica e administrativa refinada de bens e negócios, com mais flexibilidade para operações complexas, como fusões, aquisições, captação de investimentos e expansão de mercado, e melhor gestão de riscos.
A aprovação da reforma tributária, redefinindo panorama fiscal, tem reflexos significativos nas operações e no planejamento de holdings. É crucial compreender as alterações que podem impactar as estruturas já consolidadas, em implementação ou ainda planejadas.
A tributação no destino, a introdução do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), a unificação de tributos e as novas regras propostas no Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/24 afetam aspectos como dividendos e a incidência do ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação).
A reforma tributária promoverá a substituição de tributos como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS pelo IBS e pela CBS. Sua incidência sobre as holdings requer uma análise detalhada das atividades e finalidade de cada uma.
Um ponto positivo da reforma é a previsão de créditos amplos, que permitirá a compensação de impostos pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva, o que pode ser vantajoso para holdings com diversificadas, mas exigirá controles e apuração altamente eficientes desses créditos e acompanhamento contábil e fiscal mais sofisticado para a maioria das holdings.
A alteração na cobrança de impostos sobre o consumo, da origem para o destino, forçará as holdings com participações societárias e subsidiárias em diferentes estados e municípios a investir em sistemas de gestão robustos para rastrear o destino final dos bens e serviços de suas controladas, garantindo a conformidade fiscal e minimizando riscos de autuações.
Essa mudança no formato da cobrança de impostos implicará, claramente, em um estudo mais aprofundado na definição do endereço da holding e na escolha de um profissional contábil que acompanhe todas as nuances da nova estrutura tributária.
Ainda no que diz respeito ao uso de holdings, o cenário de mudanças inclui pontos cruciais do PLP 108/24 e do Projeto de Lei (PL) 1087/25, com reflexos diretos em aspectos do planejamento patrimonial e sucessório:
- Reforma da renda: o PL 1087/25, aprovado na Comissão Especial da Câmara, não estabelece uma tributação sobre lucros e dividendos distribuídos para pessoas físicas, mas propõe a criação do IRPFM para contribuintes com alta renda (com rendimentos anuais, incluindo lucros e dividendos, acima de um limite predefinido, como R$ 600 mil). O PL propõe uma “tributação mínima de 10% sobre os dividendos e rendimentos financeiros” e pode representar uma carga tributária adicional, exigindo uma reavaliação das estratégias de distribuição de lucros e da operação das holdings.
- Alterações no Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI): o PLP 108/24 traz alterações importantes para o ITBI, o que afeta as holdings constituídas para administrar imóveis. Atualmente, a jurisprudência entende que o ITBI só é devido no registro da transferência do imóvel no cartório. O PLP 108/24 antecipa o fator gerador para a assinatura do contrato de compra e venda ou, no caso de holdings, para a conferência do imóvel ao capital social, mesmo antes do registro, o que anteciparia o pagamento do imposto e traria novas complexidades e riscos. Outras discussões sobre o ITBI ainda dependem de decisões finais e poderão elevar o custo do imposto sobre as operações das holdings patrimoniais.
- Avaliação da holding para cálculo do ITCMD: houve uma alteração significativa no cálculo do valor de uma holding para fins de cobrança do ITCMD. Antes, a base de cálculo variava entre os estados (valor de mercado, contábil ou capital social). Agora, a base de cálculo deverá corresponder, no mínimo, ao patrimônio líquido ajustado pela avaliação de ativos e passivos a valor de mercado, acrescido do valor de mercado do fundo de comércio. Essa padronização impacta o custo sucessório e de doação de quotas da holding, bem como traz incerteza quanto à definição da base de cálculo do imposto, já que a determinação estaria sujeita à avaliação de mercado da holding, o que parece inviabilizar o uso desse método, visto o grande número de empresas familiares e de capital fechado no Brasil.
Diante desse cenário dinâmico, o uso de estruturas envolvendo holdings depende de uma série de análises inovadoras. Destacam-se:
- Reestruturação societária adaptativa: as reestruturações societárias devem ser flexíveis e se adaptar a futuras regulamentações e interpretações da nova lei. Isso pode incluir a criação de veículos com propósitos específicos, a redefinição de cadeias de valor internas e a revisão de acordos de quotistas e acionistas.
- Planejamento sucessório e patrimonial resiliente: é crucial desenvolver planejamentos sucessórios e patrimoniais que considerem a volatilidade do ambiente tributário e busquem alternativas para perpetuar o patrimônio com eficiência fiscal e segurança jurídica, incluindo instrumentos como fundos exclusivos, acordos de sócios e estruturas de governança familiar robustas.
- Governança tributária proativa: é preciso implementar um robusto sistema de governança tributária que acompanhe as publicações da Receita Federal e dos órgãos reguladores. A conformidade fiscal será chave para evitar contingências e assegurar a longevidade das estruturas.
- Foco na substância econômica: a reforma tributária reforça a importância da substância econômica frente à forma jurídica adotada. As holdings precisarão demonstrar uma lógica de negócio clara e justificável para suas operações.
A reforma tributária não sinaliza o fim das holdings, mas pede a reinvenção da maneira como essas estruturas são concebidas e operadas. O momento é de estudo aprofundado, criatividade jurídica e uma visão estratégica que vá além do presente, antecipando os cenários futuros.
Flávia Gatti, sócia da área Societária e M&A do Simões Pires Advogados.
Leticia Ribeiro Santos, advogada da área de Societária e M&A do Simões Pires.
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